A possibilidade de pagar lojistas e transferir dinheiro sem sair do WhatsApp (e logo mais do Instagram) é considerada um “divisor de águas” para o Facebook, empresa dona das três plataformas. Mas até onde vai esse recurso?
Por enquanto, ele se aproxima mais do Apple Pay ou até do iFood, que funcionam como pagamentos digitais mobile, do que de um banco, que oferece crédito.
Ao Tilt, o WhatsApp disse que “não está nos planos” virar banco ou sequer fornecer uma carteira digital no serviço, limitando-se apenas a levar dinheiro de um lado ao outro. Mas o plano é que uma plataforma única de pagamentos atenda a todos os apps do império de Mark Zuckerberg, o que dá contornos mais reais para uma nova e lucrativa frente de negócio —cujo objetivo maior ainda tem a ver com o libra, sistema de pagamento baseado na tecnologia do blockchain e das criptomoedas.
Muitos sonham (e ninguém chegou perto) em virar o novo WeChat, superapp chinês com tantas funcionalidades que os cidadãos locais quase não conseguem viver sem. Mas, enquanto o superapp promoveu uma desbancarização real, com carteiras mobile com dinheiro dentro da plataforma, os recursos que começam a aparecer no Ocidente apenas funcionam como um intermediário.
Para oferecer transferência de valores entre contatos (inicialmente, entre pessoas com contas no Banco do Brasil, Nubank e Sicredi), o WhatsApp não precisou virar uma instituição bancária: bastou associar-se a elas —no Brasil, a Cielo viabiliza os pagamentos. Com isso, o aplicativo escapou de regulamentações específicas para o setor, ao menos por enquanto.
Embora o WhatsApp Pay tenha sido suspenso pelo Banco Central, a preocupação é em relação à competitividade do setor —o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) suspendeu e já liberou, mas a volta depende do BC.
Mas “é um superdivisor de águas”, ressalta Renato Mendes, professor na pós-graduação de marketing digital do Insper e da PUC-RS. “Eles dão um passo em um terreno ainda não explorado, entram nessa lógica de pagamento e viram uma fintech. A base instalada inicial é assustadora: são bilhões de usuários no mundo.”
A novidade dá uma mexida geral no mercado de sistema financeiro, pagamentos e até de ecommerce. Com a penetração alta do WhatsApp e seu uso corriqueiro, o serviço não deverá ser apenas “mais um” no mercado.
“Existem preocupações no mundo inteiro da entrada dos chamados big techs no sistema financeiro”, diz Bruno Diniz, professor no curso sobre fintechs na FGV (Fundação Getúlio Vargas) e no MBA da USP (Universidade de São Paulo). “O WhatsApp está se valendo de parcerias com instituições reguladas, mas não fica claro se vai evoluir em algum momento para uma estrutura regulada do sistema.”
Diniz ressalta que o Facebook lançou é apenas um MVP —sigla em inglês para “produto mínimo viável”. Com apenas alguns bancos e claros limites, a solução deve crescer aos poucos até virar algo maior, como a rede social costuma fazer com seus produtos.
Isso quer dizer que, no futuro, as soluções devem se aproximar mais de uma instituição financeira, o que traria muito mais receita para a rede social.
“No futuro, o WhatsApp quer se firmar como um superapp do ocidente. Ninguém ocupa o espaço hoje e, se alguém pode, é o WhatsApp. Não sei se a pretensão é virar um banco, mas ter um braço que opere como um banco. Transação financeira é só o primeiro passo. O passo seguinte natural seria ofertar créditos para empresas, migrar para a lógica de carteira digital”, prevê Mendes.
Taxas são “pegadinha”
A solução do WhatsApp tem algumas características que devem restringir o início da operação. Além de estar limitada a transações entre usuários do app, a taxa aplicada é maior que a de concorrentes no mercado —3,99% sobre o valor da transação de empresários que usem contas no WhatsApp Business.
“A taxa é pouco competitiva. Se você não tem nada, é uma ótima solução. Se você tem maquininha, pode fazer a conta e questionar se vale a pena”, diz Mendes.
O WhatsApp diz que o processo, feito pelo Facebook Pay, não serve para dar lucro ao app. “Essa taxa é usada para cobrir os custos do processamento da Cielo, a proteção contra fraudes e o suporte aos comerciantes”, disse. Procurada por Tilt, a Cielo não informou a divisão das taxas por considerar esta uma “informação estratégica”.
Mesmo assim, Diniz vê um poder de barganha importante que pode dar força ao WhatsApp: o grande número de usuários e o acesso a muitas informações já fornecidas por quem usa as redes sociais.
“Por mais que as taxas estejam sendo muito questionadas, tem que colocar em perspectiva. Ali dentro tem um potencial grande de alavancar vendas. Uber Eats e iFood também têm taxas altas, mas têm potencial de conveniência e escala enorme. Acho que não inibe a adesão”, opina.
Banco Central de olho
Pouco após o anúncio, o Banco Central soltou um posicionamento em que “considera prematura qualquer iniciativa que possa gerar fragmentação de mercado e concentração em agentes específicos”. Além disso, apontou que será “vigilante” a iniciativas do tipo.
A nota foi interpretada como um aviso de que o BC ficará de olho no novo sistema e atuará para que ele não acabe se descolando como predominante no mercado. Dias depois, veio a decisão do órgão de suspender o serviço, juntamente ao Cade.
“A motivação do BC para a decisão é preservar um adequado ambiente competitivo, que assegure o funcionamento de um sistema de pagamentos interoperável, rápido, seguro, transparente, aberto e barato”, informou o BC em nota.
Tilt fez uma série de outras perguntas ao Banco Central, mas a instituição se limitou a manter o posicionamento inicial.
À reportagem, o WhatsApp disse manter conversas com o Banco Central, que estava ciente dos planos do aplicativo. Já a Cielo, antes de a operação ser suspensa, apontava que a novidade “atende a todos os requisitos legais”.
Ao mesmo tempo, o Banco Central está desenvolvendo o Pix, que oferecerá transferência de dinheiro e pagamentos de forma parecida com a do WhatsApp —ele envia dinheiro usando apenas o CPF ou número de celular atrelado a uma conta.
O sistema é construído entre bancos, grandes ou pequenos, e o Banco Central, que vê inclusive grande potencial de integração com a funcionalidade do Facebook —e os especialistas concordam com ele.
Isso é visto como um dos motivos para os bancos maiores preferirem esperar o lançamento da solução do BC, prevista para o fim do ano, antes de aderir ao WhatsApp Pay. Até lá, há o risco de o Pix virar o “WhatsApp Pay do Banco Central”, o que pode ter motivado a instituição a “dar uma segurada” nos planos do Facebook.
Fonte: Polêmica Paraíba
Créditos: com Uol