Você deve ter visto posts nas redes sociais com a tag #10yearchallenge. Talvez você tenha até participado. A brincadeira consiste em postar uma foto sua de 2009 e uma deste ano para todo mundo ver quanto você mudou nos dez anos de intervalo. Mas o que parece um meme inofensivo pode ser uma ampla fonte de informações para que empresas treinem inteligências artificiais, como defende a autora Kate O’Neill em um texto publicado na Wired.
O’Neill, que é especialista em tecnologia, argumenta que o “desafio dos 10 anos” pode muito bem ser usado para alguém que quer treinar uma inteligência artificial para reconhecimento facial e identificação de idade. Pense: usando uma busca simples pela tag no Twitter, no Facebook ou no Instagram, qualquer um pode ter acesso a um corpo de dados com muitas fotografias, sendo que quase todas elas trazem a mesma pessoa em dois momentos diferentes separados por um intervalo de dez anos. É um prato cheio para quem tem essa intenção: dados organizados e identificados, prontos para serem analisados por algoritmos que identificariam padrões de transformação em dez anos.
A questão é: isso muda alguma coisa, de fato? Quase todos nós temos contas em redes sociais há mais ou menos esse tempo. Minha conta do Facebook, por exemplo, foi criada em 2007, e só não tem fotos dessa época porque eu fiz uma limpeza há alguns anos. Isso talvez seja bem mais comum em outros países — por aqui, todo mundo estava no Orkut em 2009, e o Facebook não era lá grandes coisas para nós naquele ano.
Portanto, não é impossível conseguir fotos de dez anos usando o que já postamos em redes sociais. O’Neill argumenta que, usando esse método, talvez haja muito ruído entre os dados, mas isso é questionável — fotos têm dados EXIF, que apontam várias informações sobre onde e, como parece ser a questão principal aqui, quando foram tiradas. Mesmo que haja fotos escaneadas ou postadas em datas erradas, é possível conseguir uma massa de dados bastante confiável só usando o que está disponível.
Reconhecimento e análise de dados faciais pode ter usos benéficos, como encontrar crianças desaparecidas, ou alguns meramente comerciais, como a coleta de dados para anunciantes do metrô de São Paulo. Mas também há os mais estranhos e nefastos, como o esquisito sistema de crédito social da China ou o enviesado e impreciso sistema da Amazon usado pela polícia nos EUA.
Postar uma foto sua de 2009 ao lado de uma de 2019 talvez não tenha um grande impacto na sua própria privacidade, pelo tanto de informações e dados que você já deve ter compartilhado até aqui. Hoje, é praticamente impossível não ser rastreado — você teria que deixar de usar todas as redes sociais, apelar para VPNs, evitar smartphones, entre outras medidas bastante extremas, para não dizer inviáveis, para o modo de vida que temos hoje em dia.
De qualquer forma, precisamos pensar melhor antes de sair postando qualquer coisa por aí. Por mais conspiratório que pareça, são justamente os dados que produzimos sem refletir que funcionam como combustível para esse tipo de tecnologia. E já temos exemplos concretos que, há alguns anos, pareciam saídos de filmes de ficção científica ou livros com distopias do futuro. O escândalo da Cambridge Analytica já provou que é possível fazer muito usando apenas uns likes e uns questionários aparentemente bobos.
Mesmo com tanto rastreamento, ainda temos algum controle sobre o que compartilhamos ou não, e abrir mão disso sem pensar, só para participar de algo que todo mundo está fazendo, soa bastante ingênuo. Um meme aparentemente (e individualmente) inofensivo, quando usado em larga escala, pode muito bem abrir um flanco para mais uma exploração de nossos dados.
Fonte: Gizmodo
Créditos: Giovani Santa Rosa