A espantosa valorização do bitcoin em 2017 atraiu a curiosidade – e a cobiça – no mundo inteiro. Sua primeira cotação pública foi de 8/100 de centavo de dólar, em outubro de 2009. Em dezembro passado chegou a atingir US$ 19.783, uma valorização de 25 milhões de vezes.
Segundo Nouriel Roubini, trata-se de uma bolha especulativa ao estilo da “mania das tulipas” na Holanda do século 17. Casas eram hipotecadas em contratos de compra futura de tulipas. Os preços subiram durante quatro anos, até sua abrupta derrocada. Em 1637 chegou-se a pagar por um bulbo o equivalente a dez anos de salário de um artesão.
A primeira compra com bitcoins foi em 2009: duas pizzas de US$ 25 cada foram pagas com 10 mil bitcoins – US$ 105 milhões na cotação máxima de dezembro passado! Mas a realidade vem se impondo ao furor especulativo: em 6 fevereiro desceu a menos de US$ 6 mil, desvalorização de 70% em dois meses. Ontem estava em US$ 10.400. Como ressaltou John Kenneth Galbraith, se há algo que a humanidade não aprendeu com a História, é a evitar ondas de histeria especulativa.
Afinal, o que é e como funciona o bitcoin? Que papel poderá ter na economia?
O sistema bitcoin é um conjunto de registros de créditos, débitos e saldos – uma caderneta constantemente visível na internet – que descreve todas as transações feitas entre os participantes. Cada um tem seus bitcoins registrados numa “carteira”. Podem ter sido comprados de outros participantes com moedas reais ou recebidos em retribuição/recompensa pelo trabalho de “mineração”, que será explicado adiante.
A titularidade dessas carteiras só é conhecida pelo dono – o que garante sigilo patrimonial. As transações entre as carteiras são organizadas em blocos, que são fechados e “arquivados” a cada dez minutos, em média. Uma vez fechado, o bloco torna-se mais um elo da corrente de blocos (blockchain) que vem sendo composta desde 2009.
A garantia de que uma transferência de Pedro para João foi mesmo autorizada por Pedro se baseia na assinatura digital. Se a transferência for criptografada sem o uso da chave privada do legítimo emissor, os mineradores detectarão a fraude e rejeitarão a transação. Pressupõe-se que a senha privada não seja roubada. E aí está um problema: no bitcoin não há uma autoridade central que tenha poder de reverter transações ilegítimas.
Os registros nos blocos não podem ser mudados. Cada bloco de registros só pode ser fechado pelo computador que der resposta a um problema matemático não solúvel por fórmulas, mas por tentativa e erro – o que exige velocidade de processamento. Essa solução depende de todos os registros feitos no bloco. Qualquer alteração mínima – uma única letra num nome de uma transação – muda o resultado do problema. É uma loteria com chance de acerto muitíssimo menor que a da Mega Sena, mas na qual se é autorizado a jogar quantos “cartões” se consiga. A “loteria” termina quando algum participante dá a resposta certa e é autorizado a fechar o bloco. Esse trabalho de autenticar o fechamento dos blocos é a mineração. Quem acha a solução recebe 12,5 bitcoins por seu trabalho. Assim, lentamente, cresce a oferta de bitcoins.
Quem quisesse fraudar os registros teria de ter capacidade de processamento maior do que a soma dos demais participantes, pois precisaria refazer todo o encadeamento de autenticações em velocidade superior à dos demais mineradores. Impossível.
Como já se disse, o minerador recebe 12,5 bitcoins por fechar o bloco. No início eram 50 bitcoins; depois, 25. O sistema continuará reduzindo o prêmio pela “mineração”, o que estabilizará a oferta em 21 milhões de bitcoins. Os mineradores, então, terão de ser compensados com tarifas, ou não manterão interesse em autenticar novos blocos.
O custo de “minerar” um bitcoin pode chegar a US$ 4 mil somente em energia elétrica. A valorização de 2017 cobriu com folga todos os custos envolvidos e atraiu muito investimento em poder de processamento. Mas como se trata de uma “corrida armamentista” – em que mineradores competem entre si –, esse aumento do investimento não reverte em maior velocidade de processamento das transações. A vazão máxima do sistema é de sete transações por segundo, insuficiente para um meio de pagamento mundial. Somente a Visa processa 1.700 transações por segundo. E pode chegar a 56 mil se houver demanda.
Como apontou Gustavo Loyola, para ser considerado uma moeda, além da função de meio de pagamento – em que é ineficiente – o bitcoin teria de cumprir outras duas: unidade de conta e reserva de valor. Como unidade de conta, o bitcoin tem um problema: seu valor oscila muito. Se fosse uma medida de preços, estes flutuariam em excesso. Para servir como unidade de conta a moeda deve dar estabilidade aos preços. Como reserva de valor, o bitcoin não é confiável. Embora o sistema preveja uma oferta final de 21 milhões de bitcoins, nada impede que outras criptomoedas inundem o mercado, reduzindo o valor de todas.
Assim, o mérito do bitcoin não é ter inaugurado uma nova linhagem de moedas, mas o de ter introduzido o blockchain, inovação técnica que poderá, com aperfeiçoamentos, reduzir custos de transações financeiras, de registros de propriedade e de contratos. O blockchain fará parte do futuro, embora ainda não saibamos exatamente como.
As aplicações de novas tecnologias na economia são absolutamente imprevisíveis. A indeterminação é a regra. Um tanto como os seis personagens à procura de um autor, de Pirandello, novas tecnologias não têm um roteiro prévio a seguir. O caminho para sua utilização prática é tortuoso, dramático e surpreendente, em geral fazendo chacota dos futurólogos.
Suas aplicações práticas – os produtos que vão inspirar e os mercados que vão moldar – são sempre imponderáveis. Com o blockchain e o bitcoin não é nem será diferente.
Fonte: Estadão
Créditos: José Serra