ACIDENTE

“Não consigo morar onde tenha energia”, diz idosa que teve fêmur partido por fio de alta-tensão

Traumatizada, ferida e sem esperança. Três anos depois de ver o próprio filho morrer e ter o fêmur partido em dois, a tragédia que modificou permanentemente a vida de Ana Maria de Oliveira, 90 anos, ainda é lembrança constante na vida da idosa.

Breno Esaki/Metrópoles

Traumatizada, ferida e sem esperança. Três anos depois de ver o próprio filho morrer e ter o fêmur partido em dois, a tragédia que modificou permanentemente a vida de Ana Maria de Oliveira, 90 anos, ainda é lembrança constante na vida da idosa.

Fio elétrico de empresa mata homem, parte fêmur de idosa, e magistrado diz que indenização de R$ 50 mil “é muito”

Além das marcas deixadas no corpo, a idosa carrega na alma as sequelas deixadas pelo ocorrido. “Hoje, depois de tudo o que aconteceu, eu não quero mais morar em casa que tenha energia. Eu era ativa, trabalhava. Agora não consigo sequer andar”, disse a idosa.

“Eu não gosto nem de lembrar o que sofri. Ver o meu filho lá morto e eu sem poder fazer nada. Queria ter morrido no lugar dele para hoje não estar aqui contando o que eu passei naquele dia”, declarou Ana Maria, entre um soluço e outro.

Em 23 de setembro de 2020, a idosa e dois filhos dela foram atingidos por uma intensa voltagem elétrica após um cabo de alta-tensão da empresa Equatorial Goiás Distribuidora de Energia cair sobre a casa das vítimas e energizar por completo o imóvel. À época, os familiares residiam na cidade de Padre Bernardo (GO).

Após receber o choque, o filho de Ana, que tinha 58 anos à época, não resistiu aos ferimentos e morreu no local. A idosa, por sua vez, teve o fêmur partido em dois e sofreu contusão no quadril.

Recentemente, Ana passou por mais uma agressão. Ao entrar na Justiça com pedido de indenização, a idosa ouviu de um desembargador que R$ 50 mil, montante sugerido por um juiz para reparar a tragédia vivida por ela, seria muito dinheiro para uma “moradora de área rural”.

“Para uma pessoa dessa, do núcleo rural, receber R$ 50 mil teria que trabalhar a vida inteira para, quem sabe, juntar [o dinheiro]. Aqui vai receber reunido. Então, quero dizer, seria muito significativo R$ 50 mil. Mais que isso não tenho condições”, declarou o desembargador Mário-Zam Belmiro.
Ao Metrópoles Ana disse que a fala proferida pelo magistrado fez com que ela se sentisse diminuída: “Como se pelo fato de eu ser pobre minha vida não valesse algo”.

“Eu tinha a minha casa própria. Hoje moro de aluguel. Não consigo trabalhar e não tenho mais condições para comprar alimento, remédios, pagar contas e inúmeros tratamentos que preciso fazer em decorrência do que aconteceu. Eu não vivo mais. O que eu tenho desde 2020 não pode ser chamado de vida”, lamenta a idosa.

Frágil, Ana Maria tem vivido em uma casa humilde, em Águas Lindas de Goiás, Entorno do DF. De vez em quando, recebe visita das filhas, que levam frutas e alimentos para que ela se mantenha.

Amedrontada, Ana mantem-se longe de qualquer coisa que tenha eletricidade. Na residência, inclusive, não há televisões, geladeira ou fogão elétrico. Até para se banhar a idosa diz que esquenta a água no fogão à lenha. “Tenho muito medo de o chuveiro me eletrocutar. Não consigo mais nem me aproximar”, finalizou a idosa.

O caso

Moravam juntos, na mesma residência, em Padre Bernard (GO), Ana e os filhos: um homem de 58 e uma mulher cadeirante, de 71.

Após a queda do fio de alta-tensão, o imóvel ficou energizado, matando na hora o filho da idosa. Por 12h, Ana e a filha dela não conseguiram se mexer, permaneceram ao lado do cadáver do homem até a chegada dos bombeiros.

As sobreviventes foram encaminhadas ao Hospital Regional de Ceilândia (HRC), onde receberam os primeiros socorros. Lá, a idosa matriarca foi informada de que teria de ser submetida a um procedimento cirúrgico, mas que não havia vaga no local.

Ana, então, permaneceu por 11 dias com o fêmur quebrado até ser transferida por familiares para um hospital particular, onde foi operada.

Depois de todo o sofrimento físico, emocional e psicológico, mãe e filha tiveram de lidar com outro problema: a perda do lar. Isso porque, além da morte e das sequelas, a queda do cabo energizado destruiu por completo a casa onde viviam.

As duas idosas, bem como a filha do homem morto, ingressaram com ação na Justiça contra a Equatorial Energia. Antes que uma sentença fosse proferida, porém, a filha cadeirante da vítima morreu, após um pneumonia.

Nesta quarta (21/6), o TJDFT definiu que a distribuidora de energia pagasse R$ 80 mil para Ana, R$ 50 mil para filha dela e R$ 50 mil para a filha do homem morto, ou seja, neta da primeira idosa.

Humanidade x classe social

Ao Metrópoles a defesa das vítimas, representada pelo advogado Newton Valeriano, disse que, no processo, foi comprovada a falha da empresa, que teve a “responsabilidade declarada por unanimidade na Justiça”.

No entanto, segundo ele, “o ponto controvertido do julgamento foi a fixação dos valores, bem como a justificativa para tal decisão por parte dos magistrados”. “Qual é o valor de uma vida? R$ 80 mil? R$ 50 mil? Esses foram os valores fixados pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT) às vítimas da tragédia. Além disso, ainda foi cogitada a redução das indenizações por um dos desembargadores em menos da metade do ínfimo valor já atribuído, o que, felizmente, não prevaleceu”, disse Valeriano.

“A defesa continuará lutando para que as vítimas recebam a justiça devida e para garantir que, no fim, a humanidade delas seja considerada e não a classe social ou onde elas vivem”, finalizou o advogado, que afirmou, ainda, que recorrerá ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) da decisão da 4ª Turma Cível do TJDFT.

O Metrópoles procurou o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que, em nota, declarou que a Corte “não irá se pronunciar”. ” Os magistrados são vedados por lei de comentarem suas decisões. Qualquer questionamento quanto à decisão judicial deve ser feito no âmbito do processo, conforme rito legal”, pontuou o órgão.

A Equatorial Goiás Distribuidora de Energia S/A, também foi acionada, mas não emitiu nenhum parecer. O espaço segue aberto para possíveis manifestações.

Fonte: Metrópoles
Créditos: Polêmica Paraíba