A agência de notícias Associated Press, dos Estados Unidos, conversou com um criminoso conhecido como El Negrito. Ele com sua pistola sob o travesseiro e já perdeu as contas de quantas pessoas assassinou. No entanto, a crise econômica fez com que ele deixasse de praticar crimes.
O rapaz de 24 anos contou que cada bala custa US$ 1 (R$ 4), o que torna um tiroteio caro demais. Além disso, a falta de dinheiro circulando nas ruas faz com que os assaltos se tornem menos lucrativos.
“Se eu usar todas as balas do revólver gasto US$ 15 (R$ 60). Se eu perder a pistola ou a polícia tomar de mim estarei jogando fora US$ 800 (R$ 3.200)”, contou o bandido que não revelou seu verdadeiro nome e só concordou em ser fotografado cobrindo o rosto.
Robert Briceño, diretor do Observatório Venezuelano de Violência, disse que o declínio nos homicídios é uma questão de economia básica: como o dinheiro está escasso na Venezuela, há menos para roubar.
“Hoje em dia, ninguém está bem. Nem os cidadãos honestos que produzem riqueza e nem os criminosos que os atacam”, disse ele.
De fato, algumas estatísticas mostram que os assaltos à mão armada e os assassinatos estão caindo na Venezuela, um dos países mais violentos do mundo. O Observatório Venezuelano de Violência, com sede em Caracas, estima que a taxa de homicídios despencou 20% nos últimos três anos.
O governo de Nicolás Maduro não tem estatísticas confiáveis sobre a violência no país. Mesmo assim, o poder público forneceu à AP números que mostram uma queda de 39% na taxa de homicídios nos últimos três anos, com 10.598 assassinatos registrados em 2018.
Nesse mesmo período, por causa da crise, da escassez de comida e remédios e da inflação gigantesca que tornou o bolívar praticamente inútil, a população venezuelana diminuiu drasticamente. Cerca de 3,7 milhões de pessoas fugiram do país em busca de melhores condições de vida. A maioria é composta por homens jovens.
Mas o crime não desapareceu na Venezuela. Se os assaltos à mão armada diminuíram, por causa do caos político, econômico e social, os furtos dispararam. Tudo é levado pelos criminosos, até a fiação nos postes de rua. O tráfico de drogas também está em alta no país.
Quando a noite cai, as ruas de Caracas ficam vazias, já que a maioria dos moradores obedece a um toque de recolher não oficial por medo de sua segurança. Apesar da queda significativa nos assassinatos, os venezuelanos tendem a não usar seus celulares nas ruas. Muitos deixam alianças de ouro e prata em lugares seguros em casa, enquanto outros se acostumaram a verificar se estão sendo seguidos.
“A Venezuela continua sendo um dos países mais violentos do mundo”, disse Dorothy Kronick, que ensina ciência política na Universidade da Pensilvânia e realizou uma extensa pesquisa nas favelas de Caracas. “Tem níveis de violência de tempos de guerra, mas nenhuma guerra”.
El Negrito lidera um grupo de contrabandistas chamados Crazy Boys, uma gangue que faz parte de uma rede criminosa intrincada em Petare, uma das maiores e mais temidas favelas da América Latina. O criminoso, que concordou com uma entrevista com dois bandidos em seu esconderijo em Caracas, disse que seu grupo agora realiza cerca de cinco sequestros por ano, número consideravelmente abaixo dos anos anteriores.
Normalmente, a vítima é presa e mantida como refém por até 48 horas, enquanto seus entes queridos lutam para conseguir o máximo de dinheiro possível, com os sequestradores focando na velocidade e em um retorno rápido, e não no tamanho do pagamento.
El Negrito disse que o resgate que eles definem depende do custo do carro da vítima, e um acordo pode se tornar mortal se as demandas não forem atendidas.
Mas, como muitos bandidos, ele considerou deixar a Venezuela e emigrar. Os vizinhos dizem que a expectativa de vida dos bandidos de rua de Petare é de cerca de 25 anos.
Ele contou que algumas pessoas deixaram o mundo do crime e procuraram um trabalho mais honesto no exterior, temendo penalidades duras em outros países onde as leis são mais aplicadas.
Ao explicar que ele luta para sustentar sua esposa e jovem filha, El Negrito passou uma pistola de prata entre as mãos. Uma Bíblia estava aberta a Provérbios em uma cômoda quando uma brisa virou as páginas.
Um membro dos Crazy Boys, conhecido como Dog, disse que não tem problemas em encontrar munição para suas armas no mercado negro. Ele disse que o desafio é pagar por isso em um país onde a pessoa média ganha US$ 6,50 por mês.
“Uma pistola costumava custar uma dessas notas”, disse ele, mostrando uma nota de 10 bolívares que não pode mais ser usada para comprar um único cigarro. “Agora, isso não é nada.”
Fonte: UOL
Créditos: UOL