O número de candidatos a prefeitos e vereadores que sofrem atentados não para de crescer. Ontem, uma postulante à prefeita de São Vicente (SP), Solange Freitas (PSDB), foi alvo da violência ao ter o carro atingido por tiros na Vila Voturuá, área urbana do município. Na terça-feira, Ricardo Moura (PL), candidato a vereador em Guarulhos (SP) foi atingido baleado no ombro e na perna quando fazia uma transmissão ao vivo, pelo celular. Ele teve alta ontem.
Os dois casos estão longe de serem isolados. A lista é longa. A violência política que tem assombrado as eleições municipais já resultou no assassinato de 82 pessoas, entre militantes e candidatos. E ao menos 170 sofreram agressões nos 10 primeiros meses de 2020, segundo levantamento do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC).
As organizações não governamentais (ONGs) Terra de Direitos e Justiça Global, que mapeiam dados desde 2016, revelam que o Brasil, em média, registra um ato de violência a cada quatro dias. Apesar dos números robustos, o estudo Violência Política e Eleitoral no Brasil destaca que essa realidade é ainda mais assustadora porque é pouco monitorada e há subnotificação. Por meio de nota, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) informou, apenas, que “não julga esse tipo de processo criminal” e que cabe ao “Poder Judiciário competente”.
Jorge Mizael, cientista político e diretor da Consultoria Metapolítica, destacou que essa situação de beligerância é um reflexo do atual momento político e social do Brasil, em que não se permite a mínima discordância de ideias. “Tudo vira algo muito personalístico e não abre espaço para a contraposição. Qualquer ideia vira um cavalo de batalha. Isso acaba levando a esses fatos dramáticos, inclusive, com agressões físicas e assassinatos”, frisou.
Tudo começa, segundo Mizael, em movimentos nas redes sociais, com memes e de tentativas de desmoralizar quem tem pensamento divergente. “E, por fim, acaba desembocando em tragédias. Há um completo desrespeito pela outra parte, pelo outro ser humano, o que é completamente desprezível em uma sociedade democrática”, criticou. “No entanto, percebe-se que boa parte da população ainda pretende viver assim nos próximos anos. Vejo com preocupação essa tendência que, a cada dia, vai se mostrando mais real do que pretendíamos que fosse.”
Domínio e poder
Para entender esse fenômeno que se espalha pelo Brasil é preciso entender vários aspectos: a questão cultural, a intenção de domínio de vários setores e a expansão de poder de alguns nichos da sociedade, na análise do especialista em segurança pública Leonardo Sant’Anna, ex-consultor da Organização das Nações Unidas (ONU) para o setor. “Infelizmente, principalmente nos interiores, a tradição e o controle de famílias na economia, na política (principalmente no Executivo e no Legislativo) têm conseguido evoluir para um constante domínio e poder”, lamentou.
E esse poder se espraia de tal forma que resulta não só em benefícios financeiros como em manutenção do status quo. “É um retrocesso social que estabelece a força e o medo em todos os setores de uma comunidade e impede a prosperidade”, ressaltou Sant’Anna. O fato não é novo. O que acontece atualmente é uma propagação dessa prática. Antes, poucos conheciam esses pilares. “Outros grupos tentam se apossar. Prova disso é que o país tem mais de 70 partidos, porque todos sabem que o poder paralelo só se consegue com o ingresso na política. Por isso, os bons que querem chegar lá são neutralizados por intermédio da violência”, exemplificou.
A repressão aos “chamados bons” também é incisiva não apenas no “novo político de boas intenções”, mas também no seu eleitorado. “Na prática, se existem 10 lutando por melhorias, com um assassinato, pelo menos oito vão desistir, e o restante fica enfraquecido”, enfatizou. E isso acontece porque o Estado não atende e não dá segurança a essas pessoas, conforme avaliou. “O Estado está contaminado. Uma política limpa acontecerá somente quando houver uma intervenção, de forma que se criem estruturas e que auxiliem as pessoas a sair desse medo. Esse medo que está presente não somente nos interiores, mas nas grandes capitais”, reforçou.
PCC
Um inquérito aberto pelo Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) da Polícia Civil de São Paulo investiga possível atuação do Primeiro Comando da Capital (PCC) nas eleições municipais. Conforme apuração preliminar, o PCC estaria usando seu poder para impedir que candidatos do PSDB pedissem votos em comunidades dominadas pela facção em algumas regiões do estado, entre elas a Baixada Santista, onde fica São Vicente.
Fonte: CORREIO BRAZILIENSE
Créditos: CORREIO BRAZILIENSE