O próximo presidente da República deve contar em 2019, primeiro ano de seu mandato, com a menor verba para custeio e investimentos dos ministérios dos últimos 12 anos.
A proposta do Ministério do Planejamento para as chamadas “despesas discricionárias”, ou seja, aquelas sobre as quais o governo tem efetivamente controle, é de R$ 98,386 bilhões, o equivalente a 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB), para o ano que vem.
O valor consta no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2019, já encaminhado ao Congresso Nacional. É a primeira vez, desde o início da série histórica do Tesouro Nacional, em 2008, que o governo propõe que essas despesas fiquem abaixo da marca de R$ 100 bilhões.
O ministro do Planejamento, Esteves Colnago, avaliou que haverá no próximo ano um “desafio grande” para a manutenção do dia-a-dia do governo. O risco é de que falte dinheiro para algumas ações, como ocorreu em 2017, quando a impressão de passaportes e as fiscalizações contra o trabalho escravo, entre outras, chegaram a ser suspensas ou reduzidas.
Teto de gastos
A dificuldade ocorre porque a despesa total do governo, ou seja, tanto os gastos que o governo tem controle quanto os obrigatórios, está limitada pelo teto de gastos públicos, aprovado pelo Congresso Nacional em 2016.
Esse sistema, que foi proposto pela equipe econômica do presidente Michel Temer, limita o aumento das despesas do governo, em um ano, ao índice de inflação registrado no ano anterior.
Como os gastos obrigatórios (com Previdência e pessoal, entre outros) estão subindo acima da inflação (veja mais abaixo nesta reportagem), está sobrando cada vez menos espaço para as despesas sobre os quais o governo tem controle, classificados de “despesas discricionárias com controle de fluxo”. Nessa categoria entram desde os investimentos em universidades até a compra de insumos para o funcionamento da máquina governamental.
Para contornar esse problema, o governo apostava na reforma da Previdência Social, mas desistiu da proposta diante das dificuldades em aprová-la no Congresso.
Além disso, o governo propôs aumentar a tributação sobre a folha de pagamentos, o que poderia elevar a arrecadação, e anunciou medidas para reduzir despesas com pessoal, entre elas um Plano de Demissão Voluntária (PDV) para servidores, mas que contam com baixa adesão.
O objetivo dessas medidas era diminiur a parcela dos gastos obrigatórios e abrir espaço para as despesas que podem ser manejadas no Orçamento. As despesas previdenciárias e com servidores são os dois maiores gastos obrigatórios do Executivo, e não podem ser alterados sem a aprovação do Congresso.
No ano passado, o então ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, admitiu ao G1 que, sem a aprovação da reforma da Previdência, a regra que criou o teto para gastos públicos se tornará “incompatível” com a realidade orçamentária do país a partir de 2020.
Dormitório de trabalhadores resgatados em fazenda no Tocantis, em 2017; falta de recurso reduziu no ano passado fiscalizações contra trabalho escravo (Foto: Alexandre Silva/Ascom MPE) Dormitório de trabalhadores resgatados em fazenda no Tocantis, em 2017; falta de recurso reduziu no ano passado fiscalizações contra trabalho escravo
‘Desafios’ para 2018 e 2019
O economista André Gamerman, da ARX Investimentos, avaliou que o governo pode tentar aprovar alguns projetos para aliviar as limitações em 2019.
“Tem algumas coisas que o governo pode fazer. Se não adiar o reajuste de servidores neste ano, pode fazer no ano que vem. Pode também tentar mudar as regras do abono e do seguro-desemprego para ter uma economia maior”, declarou ele. Somente o reajuste dos servidores tem impacto previsto em cerca de R$ 5 bilhões.
Para o analista, porém, somente essas medidas não vão ser suficientes para 2019.
“Vai ter de cortar mais gastos discricionários. O ano vai ser difícil para o próximo presidente. O cumprimento do teto começa a ficar dificultado”, declarou ele.
Dificuldades aumentam em 2020 e 2021
Os números mostram quem, se nada for feito, as dificuldades serão ainda maiores nos próximos anos. Para 2020 e 2021, respectivamente, o governo propôs, na LDO deste ano, que os gastos discricionários recuem para R$ 81,480 bilhões (1,01% do PIB) e para R$ 52,421 bilhões (0,61% do PIB), respectivamente.
Para o economista Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas, cortar as despesas discricionárias neste ritmo, nos próximos anos, só é possível “no papel”, pois geraria grandes dificuldades para a execução dos serviços públicos.
“O papel aceita tudo, mas, de fato, é difícil imaginar como o governo vai conseguir reduzir essas despesas discricionárias”, disse ele. Castello Branco declarou que, sem a reforma da Previdência, o teto de gastos é insustentável.
“Além do que o governo contribuiu para esse desacerto quando aumentou o salário dos servidores, escalonados para 2016, 2017, 2018 e 2019. Tentou evitar os aumentos previsto para 2018, mas foi o STF (Supremo Tribunal Federal) quem não autorizou”, declarou.
Previdência e servidores ganham espaço em 2019
Números oficiais do projeto da LDO de 2019 e cálculos feitos pelo G1 mostram que as despesas com Previdência e com pessoal sobem acima do espaço aberto pelo teto de gastos no próximo ano.
Pelas regras do novo regime fiscal, aprovado em 2016, as despesas não poderão subir, em 2019, mais do que a inflação acumulada em 12 meses até junho deste ano.
De julho de 2017 a março deste ano, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 2,43%. Considerando a expectativa do mercado, colhida pelo Banco Central, a inflação deve somar cerca de 3,3% em 12 meses até junho de 2018.
Com isso, o limite de gastos permitido pela regra do teto deverá subir de R$ 1,348 trilhão, neste ano, para R$ 1,392 trilhão em 2019 – um crescimento de R$ 44,48 bilhões.
O problema é que, segundo estimativas da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2019, feitas pelo governo, a expectativa é de que somente as despesas previdenciárias, sem a aprovação da reforma, passem de R$ 592,372 bilhões em 2018 para R$ 635,432 bilhões no próximo ano.
Com isso, a previsão oficial é de que as despesas do governo com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) cresçam R$ 43,060 bilhões em 2019 – uma taxa de expansão pouco menor do que a estimada para o teto de gastos públicos.
Além disso, os gastos com pessoal, outra despesa obrigatória, continuarão avançando, ao passar, ainda de acordo com as previsões do governo, de R$ 302,553 bilhões, neste ano, para R$ 321,983 bilhões, em 2019 – um crescimento de R$ 19,430 bilhões.
Portanto, os gastos com a Previdência Social dos trabalhadores do setor privado (INSS) e as despesas com pessoal do governo (ativos e inativos) devem, juntos, crescer em R$ 62,490 bilhões em 2019, enquanto que o aumento de despesas permitido pela regra do teto, de acordo com estimativas do G1 feitas com base em resultados do IPCA e projeções do mercado, deve avançar cerca de R$ 43 bilhões.