“Tenho certeza que um certo candidato deve estar amargamente arrependido agora de ter ofendido milhões de evangélicos”, diz o bispo Renato Cardoso, apontado como um dos potenciais herdeiros do sogro Edir Macedo, 73, na liderança da Igreja Universal do Reino de Deus.
Marido de Cristiane, a primogênita de Macedo, ele estava no ar na Rede Aleluia, com rádios da Universal. Não especifica quem seria o “certo candidato”.
E precisa?
A oito dias do primeiro turno, o dono da igreja revelou sua predileção de forma simples e direta: um seguidor no Facebook cobrou “seu posicionamento” nesta eleição, e o bispo respondeu apenas “Bolsonaro”.
O PT —que Macedo satanizou em 1989 (foi de Collor) e ao qual se aliou em 2002 (com Lula) e 2010 (Dilma)— tomou isso como uma declaração de guerra.
No feriado de Nossa Senhora Aparecida (inexpressivo para evangélicos, que não veneram santos), o petista Fernando Haddad foi a uma missa e, na saída, disse que Jair Bolsonaro era “o casamento do neoliberalismo desalmado” e o “fundamentalismo charlatão” de Macedo. Mais: “Sabe o que está por trás dessa aliança? Chama em latim ‘auri sacra fames’. Fome de dinheiro”.
Macedo afirmou que o petista “zombou” dele com “atos difamatórios” e entrou com dois processos, criminal e civil. Num deles pede indenização de R$ 77 mil (promete doá-la para caridade).
A máquina da Universal entrou com tudo na campanha contra Haddad. No mesmo dia, a denominação divulgou em seu site uma nota de repúdio questionando por que, quando Macedo ficou ao lado do PT, “o apoio era muito bem-vindo”. Agora que seu candidato é outro, “o bispo deve ser ofendido de forma leviana?”.
O texto questiona o contexto escolhido para “incitar uma guerra religiosa” ao fustigar “uma das maiores lideranças evangélicas do país”, isso num “local sagrado a católicos, em pleno feriado católico”.
E que moral teria o PT? “Fome de dinheiro tem o partido que assalta os cofres públicos para sustentar uma estrutura que a Justiça definiu como ‘organização criminosa’”.
A assessoria de Haddad afirmou que ele está “convicto de que suas afirmações são verdadeiras e que os fatos e a história dos personagens envolvidos assim comprovam”.
Macedo passou 11 dias de 1992 na prisão, sob acusações de curandeirismo, charlatanismo e estelionato. À época, capitalizou em cima do episódio: convocou a imprensa e se deixou fotografar atrás das grades, de pernas cruzadas e mão no queixo estilo “O Pensador”. Trazia a Bíblia na mão.
Na autobiografia “Nada a Perder”, ele se disse perseguido pelo “clero romano”, que teria sob influência de “políticos de prestígio” a “autoridades do Poder Judiciário”.
Na nota em que ataca Haddad, a Universal diz ter “mais de sete milhões de adeptos”. O Censo 2010 registrou 1,9 milhão, 227 mil a menos do que na sondagem de 2000.
Sejam quantos forem, a Record, sem ligação oficial com a Universal mas parte do conglomerado de Macedo, ajuda e muito a amplificar a mensagem anti-PT.
No primeiro turno, um Bolsonaro ainda se recuperando atentando a faca alegou motivos médicos para faltar ao último debate. Enquanto presidenciáveis discutiam, a emissora o entrevistou por 26 minutos.
Um papo dócil, acompanhado por Douglas Tavolaro, braço direito de Macedo e coautor de sua biografia.
Foi para a emissora que Bolsonaro deu a primeira entrevista exclusiva após ser eleito. “Eu que agradeço o jornalismo isento da Record”, disse já no começo.
Antes da eleição, jornalistas a serviço da emissora se diziam desconfortáveis com o tratamento acrítico ao candidato do PSL. Internamente, por exemplo, a chefia vetou uma reportagem sobre um mestre de capoeira simpático ao PT e assassinado por um homem supostamente bolsonarista.
Apresentado pelo bispo Renato no UniverVídeo, espécie de Netflix da Universal, o programa Entrelinhas não citou presidenciável x ou y, mas elencou prioridades da igreja na política. Numa rodada com bispos da casa, discutiram-se os “mais de 1.500 projetos de lei que não se enquadram nos valores e princípios cristãos”.
No debate, temas como união poliafetiva (“três homens e uma mulher, pasmem, isso é realidade”) e o episódio da novela global “Malhação” em que uma aluna indaga por que uma mulher não pode amar outra (“inacreditável, mas passou numa rede de TV”).
No domingo de eleição, Macedo liderou um culto no Templo de Salomão —motivo, aliás, de impasse entre a Universal e a gestão do então prefeito Haddad, que chegou a cogitar demolir o espaço por pendências urbanísticas.
Ali o bispo criticou a “mendicância” de quem depende não só de pastores e padres, mas de Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida, duas vitrines petistas.
O mestre em filosofia pela USP André Assi Barreto, um conservador antes entrevistado pela Rede Aleluia, diz à Folha que “o atual descrédito das classes letradas (artistas, intelectuais, jornalistas etc.) com as massas fez com que o grosso da população, evangélica ou não, não desse crédito para acusações estabanadas” de Bolsonaro, como definiu algumas de suas falas tidas como homofóbicas e racistas.
Pelo endosso político, a Universal virou alvo: um templo no Chile foi pichado com os dizeres “Hitler = Bolsonaro”.
No programa “Inteligência e Fé”, da Rede Aleluia, o genro de Edir Macedo pediu que fiéis entendam a força política do segmento evangélico.
“Você, cristão, assuma a sua importância na sociedade. O candidato vencedor [Bolsonaro] venceu por cerca de 10 milhões de votos. É indiscutível que o voto evangélico fez a diferença.” O capitão reformado teve apoio de 70% (22 milhões de votos) do segmento, segundo projeção do Datafolha.
Disse o bispo Renato: “A oposição já fala em resistência. O presidente nem começou a governar. Olha, está escrito [na Bíblia]: não devemos resistir à autoridade, pois quem resiste à autoridade resiste à ordenação de Deus”.
Fonte: Folha de S. Paulo
Créditos: Folha de S. Paulo