Nesta quinta-feira (14) o crime completa um ano e segue com muitas perguntas sem respostas. As investigações policiais receberam várias críticas por conta de sua desorganização e demora, como mostra essa detalhada reportagem da revista piauí. Mesmo com a prisão de dois suspeitos de assassinato na última terça-feira, dia 12 de março, há muitas brechas e dúvidas sobre o caso.
O que se sabe é que, na noite do dia 14 de março de 2018, 13 tiros foram disparados contra o carro em que a vereadora da Maré estava com sua assessora, Fernanda Chaves, e o motorista, Anderson Gomes. Eles voltavam de um evento na Casa das Pretas, na Lapa, e foram surpreendidos por dois homens em um Chevrolet Cobalt, em torno das 21h30, no centro do Rio de Janeiro. Marielle Franco e Anderson Gomes morreram na hora. A assessora foi atingida por estilhaços e sobreviveu.
Marielle Franco era uma mulher lésbica, carioca, residia e trabalhava em prol da favela da Maré no Rio de Janeiro e atuava há mais de dez anos defendendo os direitos humanos de mulheres, jovens negros e periféricos e pessoas LGBTQ+.
Duas semanas antes do assassinato, a quinta vereadora mais votada nas eleições de 2017 foi nomeada relatora da Comissão Representativa da Câmara de Vereadores. Esse grupo foi criado exclusivamente para monitorar a intervenção federal do Rio de Janeiro.
Um dia antes, ela denunciou publicamente as violações de direitos cometidas por policiais na intervenção militar do Rio de Janeiro, mais especificamente, na favela da Maré, onde foi criada.
Quais eram as ‘motivações políticas’ do crime?
Segundo o andar das investigações da Operação Lume – batizada em homenagem a uma praça do Rio de Janeiro onde Marielle tinha um projeto social – e a última denúncia do Ministério Público, a execução foi motivada por questões políticas. Ainda assim, não se sabe exatamente quais. O ex-ministro de segurança pública Raul Jungmann, que estava no cargo na época do crime, disse ao Estadão que não vê a investigação como encerrada. “Imaginar que dois milicianos resolveram matar Marielle por causa da agenda que ela defendia? Tudo bem, pode ser possível, mas tem de ser provado.”
Algumas horas depois do crime, foi criada na Câmara dos Deputados uma comissão externa que tinha como função acompanhar o andar da operação que investigaria o caso. Desde sua criação, o relator deputado, Glauber Rocha (PSOL-RJ), organizou diversas audiências públicas e se reuniu com as autoridades.
Por conta da ausência de respostas, a comissão aprovou, em 11 de novembro, um relatório que pedia que o caso fosse liderado pela Polícia Federal. Anteriormente, a Polícia Civil do Rio de Janeiro já tinha recusado a oferta feita pelo ministro de Segurança Pública, Raul Jungmann, para que a PF assumisse o caso. Hoje, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e a Delegacia de Homicídios (DH) da Polícia Civil da capital são as autoridades responsáveis por cuidar das investigações. Jungmann não reagiu a resposta.
Além disso, o relatório classificou os nove meses de investigações da morte de Marielle e Anderson como “fracasso” e pediu a proteção da deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ), amiga da ex-vereadora e alvo de ameaças.
Nenhum seguimento ou retorno foi dado em relação ao relatório divulgado no começo de novembro pela comissão. Porém, no mesmo mês, Jungmann colocou a PF para investigar uma suposta organização formada por agentes públicos que estariam obstruindo as investigações. Os mandados foram cumpridos, mas até agora nada mais foi divulgado sobre.
Por que o fim da investigação nunca chega?
Por dezenas de vezes, as autoridades responsáveis pelo caso anunciaram que o caso estava próximo do fim. A primeira declaração foi 57 dias depois do assassinato.
Em maio, Raul Jungmann declarou pela primeira vez que o caso estava se concluindo. “Eu disse lá trás, vocês devem se recordar, que tudo apontava para as milícias. Não estou dizendo que são esses, especificamente. O que eu posso dizer é que esses e outros, todos são investigados, e que a investigação do caso Marielle está chegando na sua etapa final.”
No mesmo mês, o interventor federal da segurança no Rio de Janeiro, general Braga Netto, afirmou que o caso seria resolvido até o fim da intervenção, prevista para o dia 31 de dezembro de 2018.
Em outubro, o secretário de segurança pública do Rio de Janeiro, Richard Nunes, admitiu a possibilidade do caso não ser solucionado até o fim daquele ano. Em novembro, o mesmo declarou que pretendia entregar a conclusão até o fim da intervenção e, posteriormente, divulgou ter conhecimento da motivação do crime.
Mesmo com todas essas declarações, a investigação estaria mesmo próxima do fim? Desde maio do ano passado, não se sabe a razão pela qual não foi concluída até o momento. Afinal, por que as autoridades anunciaram tantas vezes que a investigação estava próxima de acabar e não foi concluída até agora?
Por que existe uma competição para liderar as investigações?
A Delegacia de Homicídios da Capital e o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro foram as entidades que assumiram imediatamente as investigações. Em paralelo, a Procuradoria Geral da República criou um grupo de trabalho exclusivo para atuar no caso. Essa medida fez com que o MP-RJ enviasse uma reclamação ao Conselho Nacional do Ministério Público. Dois meses depois, o conselho decidiu a favor do MP-RJ e revogou a atuação do PGR no caso.
Posteriormente, o ministro de Segurança Pública pediu para que a Polícia Federal assumisse a investigação, mas a Polícia Civil negou e se manteve à frente. Porém, no final do ano passado, foi aberto uma outra denúncia em que a PF começou a apurar, a pedido da Procuradoria Geral (a mesma que tentou adentrar as investigações mas teve o acesso negado).
Quem mandou matar Marielle?
Nessa terça-feira (12), a dois dias da morte de Marielle e Anderson completar um ano, dois suspeitos foram presos por participarem do assassinato. A Divisão de Homicídios da Polícia Civil e o Ministério Público concluíram que Élcio Vieira Queiroz, ex-PM de 46 anos, dirigia o Chevrolet Cobalt naquela noite, enquanto Ronnie Lessa, de 48 anos e policial reformado, disparou os 13 tiros contra o carro em que estava a vereadora.
Ronnie mora em um condomínio na Barra da Tijuca, onde o presidente Jair Bolsonaro tem residência. Nas casas de ambos os policiais, armas e facas foram encontrados. Os advogados negaram envolvimento.
Já no cumprimento de um dos 32 mandados de busca e apreensão expedidos, a Polícia Civil encontrou 117 fuzis falsificados na casa de um amigo de Lessa, na zona norte do Rio de Janeiro.
Essa é a maior apreensão de fuzis da história do Rio. O dono da casa, Alexandre Mota de Souza, afirmou que o policial tinha pedido para guardar as caixas e não abri-las. “Eu confiei nele. Acreditei nele. Foi criado com a gente, ele morava aqui do lado, desde pequeno”, declarou Alexandre em um vídeo para os policiais, segundo o G1.
Todas essas questões levam a crer que os PMs estariam envolvidos com o tráfico de armas, mas as apreendidas na casa de Alexandre não são do mesmo modelo usado no crime. A investigação apurou que teria sido usada um tipo de submetralhadora de origem alemã e uso restrito: a HK-MP5. Segundo as autoridades, cinco unidades desse mesmo modelo teriam desaparecido no arsenal da Polícia Civil em 2011. Ainda não foi divulgado como essas armas foram extraviadas, assim como o lote das munições, que estão ligadas a uma chacina em São Paulo, que ocorreu em 2015.
Segundo o jornal Extra, Lessa também atuava junto com o ex-capitão Adriano Magalhães de Nóbrega, um dos fundadores do Escritório do Crime, grupo de matadores de aluguel que funciona na deep web e investigado por outra operação do Ministério Público.
Em relação ao grupo, a última informação é de que a Polícia Civil trabalhava com hipóteses de que tudo teria sido acionado pelo ex-policial Orlando Vieira Araújo. Para o jornal O Dia, a promotora Leticia Emile Petriz afirma que o grupo continua sob investigação, mas de forma sigilosa. “Em um momento oportuno, iremos externar”, declarou.
Fonte: Vice
Créditos: Júlia Reis