O presidente Michel Temer (PMDB) afirmou em discurso nesta quarta-feira, feriado da Proclamação da República, que no Brasil “a nossa tendência é sempre caminhar para os autoritarismos”. “Se nós não prestigiarmos certos princípios constitucionais, a nossa tendência é sempre caminhar para os autoritarismos, para uma certa centralização. Nós temos uma certa, digamos, uma certa tendência para centralização”, afirmou Temer.
Depois de citar essa tese, Temer argumentou que só houve períodos autoritários porque a população desejou, em referência à era Vargas (1930-1945), incluindo à ditadura do Estado Novo (1937-1945), e também à ditadura militar (1964-85).
“Nós restauramos a democracia com a Constituição de 18 de setembro de 1946. E daí, vivemos um período em que mais uma vez se dizia que o poder emana do povo de setembro de [19]46 a [19]64. Mas a nossa vocação centralizadora e, convenhamos, quando os movimentos centralizadores ocorrem, não por um… simplesmente um golpe de estado, é porque o povo também quer, acaba desejando, no fundo é isso”, afirmou Temer.
A declaração foi feita durante evento em Itu, no interior de São Paulo, onde o presidente participou de homenagem a um amigo, o advogado José Eduardo Bandeira de Melo. Segundo a Presidência da República, o discurso foi programado com a finalidade de homenagear a cidade, que é considerada o “berço” do movimento republicano.
Temer disse que relembrou esses períodos autoritários porque queria valorizar os “princípios republicanos”. “Estou dando esse panorama histórico, tomando um pouco o tempo dos senhores e das senhoras, mas apenas para revelar como hoje é importante nós enaltecermos esses princípios republicanos”, disse. “Portanto, nós temos que sempre governar com espírito de abertura, ouvindo a todos”, acrescentou.
Mas Temer não encerrou o discurso por aí e aproveitou o momento para enaltecer seu governo, especialmente a reforma trabalhista que entrou em vigor, e para dizer que as instituições “estão em funcionamento”. O presidente argumentou que em seu governo “diálogo” vem em “primeiro lugar”, que a “segunda palavra-chave” é “responsabilidade fiscal”, e que seu governo também possui “responsabilidade social”, “onde nós nos voltamos para os mais carentes”.
Historiadora lamenta desconhecimento do presidente
Fosse apenas um discurso para enaltecer seu Governo, o evento de Temer em Itu passaria batido. Mas o presidente virou alvo de críticas, porque é, no mínimo, controversa a tese de que só houve períodos autoritários graças ao apoio popular, ainda que setores da sociedade tenham manifestado apoio a ditaduras em diferentes momentos. Em entrevista ao EL PAÍS, a historiadora Heloísa Starling, professora titular de história do Brasil da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), lamentou a fala do presidente. “Tem um desconhecimento do significado da República e da história do povo brasileiro. É triste a pessoa que ocupa o cargo de presidente da República atribuir esse tipo de traço ao povo brasileiro, como se fosse vocacionado para a submissão”, afirmou a historiadora.
Mesmo no golpe de 64, quando militares tiveram apoio de setores da sociedade civil, a professora da UFMG lembra de estudos recentes que demonstraram o amplo apoio da população a João Goulart, o presidente derrubado. O historiador Luiz Antônio Dias revelou que pesquisas de opinião feitas pelo Ibope em março de 1964 não foram divulgadas à época e demonstravam apoio popular a Goulart.
No livro 1964 – O golpe que derrubou um presidente, pôs fim ao governo democrático e instituiu a ditadura no Brasil, os historiadores Jorge Ferreira e Ângela de Castro Gomes citam o estudo de Dias e argumentam que, mesmo com rejeição crescente, 59% da população era favorável às reformas propostas por Goulart e que 48,9% dos entrevistados admitiam votar em Jango se ele pudesse concorrer à reeleição, opção descartada por 41,8% dos entrevistados, como mostrou pesquisa do Ibope feita entre 9 e 26 de março de 1964. “O cidadão brasileiro, conforme a documentação evidencia, não desejou e não aplaudiu a crescente radicalização promovida e alimentada pelas elites políticas de direita e de esquerda”, dizem os historiadores no livro.
Heloísa também está finalizando um livro em que conta a história da construção da República brasileira, que será publicado no ano que vem pela editora Companhia das Letras. “A tradição republicana no Brasil se caracteriza por ser uma longa luta do povo brasileiro na construção de direitos. Para que centralizações ocorressem, foi preciso reprimir muito o povo brasileiro”, resumiu.
Fonte: El País
Créditos: El País