Ondas que vêm e vão. Há dois meses, toda hora circulava a ideia do impeachment de Bolsonaro. Logo a onda refluiu. Ontem, a declaração estapafúrdia de agressão pura e simples ao presidente da OAB, envolvendo seu pai, desaparecido na luta contra a ditadura, mobilizou protesto dos mais amplos setores sociais.
Tais declarações de ojeriza às falas de Bolsonaro, sintomas de vergonha alheia – e possível sismógrafo de uma impopularidade por vir, são importantes e não devem ser subestimadas, venham de onde vierem. É muito importante que vozes da elite, mesmo vacilantes, se voltem contra o presidente. Tais declarações não significam, evidentemente, a maturidade da bandeira do impeachment, longe disso. Mas podem significar deslocamento e descolamento, a meu ver.
Na estrita hora presente, o impeachment seria precipitação como palavra de ordem de partidos e movimentos nacionais. Mas quem gritar por aí, principalmente por baixo e de maneira espontânea, contribui como movimento tático. O contraproducente, quando algum manifestante ou internauta grita – impeachment! -, é erguer o tacape de impeachment não!
Quem já leu sobre as crises de ascensão do fascismo (constato que pouca gente conhece realmente o assunto), sabe que ele chegou ao topo do poder exatamente pela aquiescência das elites tradicionais à solução emergencial fascista, que acabou se transformando em ditadura e engolindo setores liberais.
É urgente construir um consenso contra o discurso bolsonarista, especialmente no campo da democracia política. O ideal, aliás, é esse consenso se transformar, havendo condições orgânicas, em uma frente política democrática.
Bolsonaro sempre dobra a aposta quando se vê em dificuldades. Foi assim em maio passado quando, após as vigorosas manifestações do M15, convocou em contrapartida as manifestações de direita de 26 de maio, que foram menores que as manifestações da comunidade universitária – mas, mesmo assim, expressivas.
A atuação de Bolsonaro, político que cresceu pela ofensiva, sempre, é no sentido da radicalização do governo e na aposta de uma mudança de regime político, não nos enganemos.
Mal comparando historicamente, ele sempre almeja uma crise política à lá “caso Matteotti” na Itália, em 1925, que significou a definitiva fascistização do Estado italiano. Naquele momento, as tropas fascistas funcionaram a pleno vapor. Não creio que no Brasil de hoje as condições do neofascismo já alcancem – felizmente – um grau de consenso burguês e mobilização popular que permita a mudança de regime político. Mas há gente no Planalto trabalhando por isso.
O momento é perigoso. Já sabemos o objetivo de Bolsonaro. Por isso, precisamos agir tomando iniciativas, entre as quais ampliar o mais possível o espectro de setores de uma frente democrática. Não se trata de abrir mão de nosso programa anti-neoliberal, mas de, concomitantemente, em duas pinças, abrir possibilidades mais favoráveis de enfrentamento político em defesa da democracia política.
Necessitamos matar a serpente antes que ela cresça e definidamente chegue à idade adulta da ditadura. Caso a frente democrática amplie e tome corpo, aliás, as possibilidades de encaminhamento do programa ultraneoliberal em curso, objetivamente, serão mais de difícil fatura pelas forças das classes dominantes. Por um simples e óbvio motivo: o eixo do debate gira da economia para a política.
*Jaldes Meneses – Professor da Universidade Federal da Paraíba
Fonte: Jaldes Meneses
Créditos: Jaldes Meneses