Secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida alerta que a reforma da Previdência é essencial para resolver o problema fiscal do País, mas que ela não será suficiente para garantir a retomada de altas taxas de crescimento. “Honestamente, estamos numa situação tão ruim que só isso não basta mais. O PIB vai sair de 0,8% e vamos para 1,6%? Continua sendo baixo”, disse em entrevista ao Estado. “Hoje esse 1,6% está quase um sonho muito distante. Temos de agir para a coisa não ficar pior ainda”.
Segundo ele, há pouco tempo para colocar na rua medidas de estímulo que possam mudar a trajetória do Produto Interno Bruto (PIB) ainda neste ano: “Se essas medidas saírem em um ou dois meses, ainda tem efeito. Mas, se formos começar em setembro, por exemplo, muito difícil”, disse. “Tem de ficar muito claro para todos: a economia brasileira não está indo bem”. Ele não quis fazer previsões de quando o governo voltará a fazer superávit fiscal.
O economista, que apoiou Jair Bolsonaro desde muito cedo e ajudou o ministro Paulo Guedes a montar o programa de governo, diz que a equipe econômica trabalha hoje com o diagnóstico de que o País não enfrenta um problema de expectativa, mas de má alocação de recursos. Ele afirma que o time de Guedes trabalha numa série de medidas, que vão desde mudanças no FI-FGTS e no PIS/PASEP até a liberação de recursos do FGTS. Confira a entrevista.
O governo já decidiu quando irá liberar os saques do FGTS?
A economia está passando por um momento difícil. Estamos estudando medidas. Existe, claro, prioridade número um para a Previdência. Não há como consertamos o problema do Brasil sem a Previdência.
Mas a Previdência tem efeito defasado, atua na expectativa. O FGTS seria um estímulo na veia.
Temos dois grandes problemas. Um fiscal muito grande. Outro é de má alocação de recursos. Uma coisa que sempre tive dúvidas é se o que estava acontecendo no Brasil era só um problema de expectativa ou se realmente era algo que ninguém estava olhando. Todos falavam que era expectativa, que quando passasse o cenário eleitoral o País voltaria a crescer. Já aqui na Secretaria de Política Econômica pedi para estudarem o problema. Em 2014, a economia estava ruim. Em 2015, naquele ano horroroso, as empresas foram queimando garantias. A empresa tinha, por exemplo, um terreno e vendeu para continuar produzindo. Em 2016, já sem o terreno, ela vendeu os recebíveis do cartão de crédito. Em 2017, a economia então não cresceu novamente. Aí, quando em 2018 a economia ia voltar, o cara já estava fora do mercado, já havia fechado a empresa. Esse problema foi identificado em outros lugares do mundo e começamos a trabalhar com ele aqui.
Não vivemos então um problema de expectativas.
Não. Estamos com um problema muito sério de má alocação. Tecnicamente é quando você, por meio de uma política pública, direciona recursos para setores que não são os mais eficientes. Exemplo: você direcionou R$ 2 bilhões para construir um estádio de futebol em Brasília. Para que serve? Para nada. Só que tem outro problema: todo ano tem de colocar R$ 40 milhões para mantê-lo. Mas há outro problema ainda: tem shopping, centro de convenções ali? Não. Se eu quiser construir qualquer coisa lá ainda tenho de colocar abaixo aquele estádio. Esse é o problema de má alocação. Não é apenas que você gerou um erro no passado. É que esse erro continua custando à economia todo ano.
Por isso, economistas já falam que a reforma da Previdência não resolverá o problema.
Ela resolverá a primeira parte do problema. Resolverá boa parte do problema fiscal e vai gerar uma onda de expectativa positiva, que vai se reverter em investimento. Mas isso, por si só, não vai nos recolocar no caminho de taxas altas de crescimento. Temos de corrigir a má alocação. Temos de rever vários dos fundos que direcionaram recursos para lugares que não dão retorno. Por exemplo, o FI-FGTS. Outro é o PIS/PASEP.
São medidas que podem trazer impacto no PIB deste ano?
Se essas medidas saírem em um ou dois meses, ainda tem efeito. Mas, se formos começar com essas medidas em setembro, por exemplo, muito difícil (dar resultado no PIB de 2019).
É possível colocá-las rua nesse período tão curto?
Sim, porque boa parte dessas pautas é positiva. Mas entendo quem está tomando a decisão também. Você está a dois meses de aprovar uma das reformas mais importantes já feitas na economia brasileira nos últimos dez anos. As pessoas não querem arriscar por três, quatro votos perder uma reforma dessa.
O FGTS entraria aí?
Entraria sempre no bojo de corrigir a má alocação. É a economia do lado da oferta. É uma agenda muito mais ampla. Por que insisto nisso? Porque no governo passado, o que acontecia era uma insistência do lado da demanda. A economia está indo mal, então o governo gasta e estimula. Essa agenda está fora e não será repetida. Não tem aumento de gasto público. Ah, mas a demanda está fraca. Para corrigir um problema de má alocação de recursos, você tira de um setor e coloca em outro (lugar). É corrigir a curva de oferta, melhorar a produção da economia. Você gera, porém, um choque de demanda.
Não será sem dor, é isso?
Algumas medidas não machucam tanto, outras machucam mais. Desonerações tocam em pontos mais complicados.
Foi feito o discurso para a população de que a reforma tiraria o País do buraco. Não é complicado chegar agora e dizer que ela não bastará?
Verdade. Mas, infelizmente, você só vai se dando conta do tamanho do problema quando entende a complexidade dele. Quando corrigir o problema fiscal, principalmente da Previdência, vai entrar muito dinheiro. O que acontece é que hoje o PIB brasileiro está estimado em 1% (para 2019). Está muito baixo. Aprovar a Previdência vai, sim, nos trazer investimento e ajudar muito. Agora, honestamente, estamos numa situação tão ruim que só isso não basta mais. Vai sair de 0,8% e vamos para 1,6%?
Continua sendo um “pibinho”.
Continua sendo baixo. Se você falasse no início do ano que o PIB seria de 1,6%, era difícil (acreditar). Hoje, 1,6% está quase um sonho muito distante. Se a gente não agir rápido… Já está em 1% e temos de agir para a coisa não ficar pior ainda.
Há risco de recessão?
Estatisticamente, é pouco provável porque, no segundo semestre do ano passado, houve greve dos caminhoneiros. A rigor, é difícil imaginar que vai cair. Mas será muito mais por erros do passado do que por méritos nossos. Recessão agora não parece provável, mas é muito mais por causa de efeito ruim do passado do que exatamente que a economia está indo bem. Não está. Tem de ficar muito claro para todos: a economia brasileira não está indo bem.
Quais setores deveriam receber recursos?
Não sei e não é a minha função saber. Esse é o erro do passado. Tenho de parar de tirar dinheiro de alguns e colocar no campeão nacional. Na hora que eu parar com isso, o dinheiro vai migrar naturalmente para os setores mais eficientes. Essa é a estratégia do governo. Insisto: é a economia do lado da oferta.
O Ministério do Turismo apresentou ao presidente Jair Bolsonaro um plano de estímulo ao setor que envolve renúncia fiscal. Não é contrassenso?
As pessoas querem trazer opções à mesa. Está ruim e as pessoas querem ajudar. Agora, cabe ao Ministério da Economia se posicionar e falar: nessa linha podemos seguir, nessa linha não temos recursos no momento. Talvez no futuro tenha, mas hoje não tem. Mas importante deixar bem claro o que não gosto: escolher um setor e dar desoneração. Isso é muito diferente da proposta do ministro Paulo Guedes de desonerar a folha, por exemplo. A desoneração de Dilma Rousseff escolhia setores e era transitória. Essa do Guedes é para todo mundo e é permanente.
Foi um erro ter prometido na campanha que zerariam o déficit primário já no primeiro ano de governo?
A gente tinha certeza do tamanho do desafio fiscal. Mas muitas vezes se comunicar é mais difícil do que a gente pensa. Você acha que vai falar uma coisa e todo mundo vai entender. Me parece que estava claro o seguinte: vamos vender uma estatal. Daí alguém levanta a mão: mas isso não entra no primário! Então o que estava na cabeça do ministro e na minha era que iríamos resolver o problema do lado econômico. Agora, o detalhe é como você endereça medidas econômicas. Essa é a nossa prioridade, tomar medidas que façam sentido do ponto de vista econômico. O que acontece é que boa parte dessas medidas não geram resultado primário na hora de contabilizá-las.
Na visão do ministério, quando voltaremos a ter superávit?
Prefiro não dar uma previsão. Vamos ver o que vai passar primeiro de Previdência, ver a nossa força e corrigir outros desafios.
Preocupa o retorno – no Congresso e entre economistas – das discussões sobre a flexibilização do teto de gastos?
Não estou vendo essa discussão com força, não. O teto é muito sólido. Temos que dividir o que é consertar o teto do que é flexibilizá-lo. O teto hoje não tem mecanismo de disparo. Você criou uma lei correta para disciplinar a dívida, mas para estourar o teto alguém tem que cometer um crime antes. É a mesma coisa da regra de ouro. São regras boas e inteligentes, mas operacionalmente elas não disparam. Mas não vejo ninguém querendo tirar nada do teto. Há apenas uma medida para tirar a cessão onerosa do teto.
Anunciar contingenciamento virou um grande problema para o governo diante da pressão popular. Há plano B para evitar novos bloqueios?
É importante deixar muito claro que esse é um governo pró-mercado. Então, é um governo que vai defender a responsabilidade fiscal sempre. O que posso fazer? Se não tem dinheiro, não pode gastar. É nisso que temos insistindo aqui. Nós não cometeremos os mesmos erros de governos passados, não vamos dar mais bebida para o bêbado, como diz o (economista) Marcos Mendes. Se alguém sequer pensar em estourar meta fiscal, está exonerado (pelo ministro Paulo Guedes).
O governo corre o risco de um shutdown?
Você fala em shutdown do governo, mas vamos falar de shutdown de famílias, a quantidade de gente desempregada que está aí. O País está em uma situação difícil. Não faz sentido o setor público ser diferente. Teve uma notícia que saiu de que o governo queria flexibilizar a meta fiscal. Achei que o ministro Guedes fosse demitir alguém. Aquilo ali foi para nos sacanear. Nunca teve discussão de tirar do teto de gasto a Previdência ou investimentos.
Fonte: Estadão
Créditos: Estadão