A semana passada foi outra surreal. O presidente Jair Bolsonaro elogiou o ditador sanguinário, corrupto e pedófilo Alfredo Stroessner, o ministro Vélez Rodriguez trocou a ‘escola daquele partido’ pela ‘escola deste partido’, o motorista Fabrício Queiroz disse que “gerenciava” as contas do gabinete de Flávio Bolsonaro no Rio, sem que ele soubesse. Nesse ambiente, Sérgio Moro caiu do pedestal de superministro, desautorizado a nomear a mera suplente de um mero conselho.
Com essa confusão toda e os filhos do presidente a mil por hora nas redes sociais, eis a pergunta que não quer calar em Brasília: Sérgio Moro, um ídolo nacional, com grande visibilidade internacional, começa a se arrepender de ter trocado a magistratura pelo governo Bolsonaro? Até quando ele aguenta?
As divergências entre Bolsonaro e Moro são conhecidas, mas pesou o custo-benefício: o presidente optou por ter o maior troféu da sua estante ministerial e o ministro decidiu dar um salto de Curitiba para Brasília e ampliar o combate à corrupção e ao crime organizado.
Contemporâneo, Moro tem uma visão mais dura sobre corrupção e mais liberal sobre aborto, maioridade penal, progressão de pena e desarmamento. Mais conservadores, Bolsonaro, o 01, o 02 e o 03, sem falar nos seus milhões de seguidores nas redes sociais, têm posições mais flexíveis sobre verbas públicas e mais extremadas sobre os demais temas. No governo, quem engole sapos?
Bolsonaro não acatou nenhum dos sete principais pontos da proposta de Moro para a posse de armas e está desconfiado com o Coaf, que o ministro atraiu para a sua pasta e foi o órgão que flagrou a desenvoltura financeira do motorista Fabrício Queiroz no gabinete do 01 no Rio.
Moro também passou pelo constrangimento de dizer que aceitava “o pedido de desculpas” do chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, por caixa 2 eleitoral, enquanto o Ministério da Justiça elaborava um projeto justamente para tornar crime o caixa 2. E vem se enrolando ao falar sobre esse tema, muito sensível para políticos e partidos.
O mais frontal golpe contra a autoridade de Moro, porém, foi a ordem do presidente para desconvidar a cientista política Ilona Szabó para um conselho sobre política criminal e penitenciária. Ela foi escolhida por ser altamente qualificada, ter ideias próximas às de Moro e por tê-lo impressionado num debate em Davos. E foi dispensada porque os bolsonaristas de internet não admitiram alguém que pensa diferente deles. Entre o ministro e as redes, o presidente optou pelas redes.
Como na queda de Gustavo Bebianno, os filhos do presidente assumem protagonismo. Um dia depois de Bolsonaro dizer que “nenhum filho manda no governo” e avisar que as manifestações de Carlos Bolsonaro passariam a “ter filtro”, Flávio e Eduardo usaram as redes para meter o sarrafo na escolhida de Moro. Na prática, confrontaram o “superministro”.
De Flávio: “Meu ponto de vista é como essa Ilana Szabó aceita fazer parte do governo Bolsonaro. É muita cara de pau junto com uma vontade louca de sabotar, só pode”. De Eduardo: “Após exoneração de Ilana Szabó outro que era contra o projeto anti-crime de Moro pede para sair. O desarmamentista Renato Sérgio de Lima, do Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, dispensou-se em solidariedade a Szabó. #grandedia”.
Mas o pior foi o post de Eduardo sobre o pedido do ex-presidente Lula para ir ao enterro do netinho de sete anos: “Absurdo até se cogitar isso, só deixa o larápio em voga posando de coitado.” Diante de uma dor imensa como essa, não há adversários, há seres humanos. É quando as pessoas mostram sua verdadeira alma.
É, presidente, pode até ser que os “meninos” não mandem no seu governo, mas há controvérsias…
Fonte: Estadão
Créditos: Eliane Cantanhêde