Ocorre que o reverso da fortuna parece que chegou mais cedo do que imaginava. O chato e perigoso é que o Brasil também vai pagar o preço. Bolsonaro teve de cancelar sua ida a Nova York para receber o prêmio de Homem do Ano da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos. Entes públicos e privados se recusaram a sediar o evento. Empresas retiraram o patrocínio. Preparava-se uma tempestade de protestos que o exporiam, na cidade mais influente do mundo, ao opróbrio mundial. E não seria por nada que ele não tivesse feito ou dito. Em quatro meses de governo, sejamos precisos, ainda pesa mais o dito do que o feito. Mas aquela tal concepção de mundo exige que ele se comporte permanentemente como um falastrão.
Resumo da ópera: temos um presidente da República que não pode participar de uma cerimônia privada, de dimensão pública, numa grande capital sem ser enxovalhado. Eis o líder que viria, segundo as suas palavras, para mudar a reputação do Brasil no mundo. De certo modo, está cumprindo a promessa.
A nota de Rego Barros sobre a desistência deveria, convenham, trazer como assinatura apenas “Presidência da República”, não o nome do general, que pertence à ativa. Diz o seguinte:
O Presidente da República agradece a homenagem proposta pela Câmara de Comércio Brasil-EUA, ao escolhê-lo “Personalidade do Ano de 2019”.
Entretanto, em face da resistência e dos ataques deliberados do Prefeito de Nova York e da pressão de grupos de interesses sobre as instituições que organizam, patrocinam e acolhem em suas instalações o evento anualmente, ficou caracterizada a ideologização da atividade.
Em função disso, e consultados vários setores do governo, o Presidente Bolsonaro decidiu pelo cancelamento da ida a essa cerimônia e da agenda prevista para Miami.
Otávio Santana do Rêgo Barros
Porta Voz da Presidência da República
Ao selecionar seus alvos no Brasil e fora dele, Bolsonaro, suponho, também o faz em nome de “interesses”, não é mesmo, general? E é inegável que está despertando a atenção do mundo. Estou enganado ou “o nosso presidente”, como diz Rego Barros, defendeu a reeleição de Donald Trump e prestou reverência a um pilantra da envergadura — ou largura — de Seteve Bannon? Se um político estrangeiro pode, em solo americano, se meter na política local, por que um político local não pode rechaçar a presença desse político estrangeiro?
O Brasil vive a sua ruína orçamentária, e o presidente promete, numa feira rural, que vai dar licença para o abate de invasores de terras; flerta com a intervenção militar na Venezuela (voltarei ao assunto); resolve dizer em quem os argentinos devem votar; lastima o turismo gay e diz que são bem-vindos os estrangeiros que queiram transar com mulheres; promove uma verdadeira razia nas políticas ambientais; permite que seu ministro da Educação anuncie corte de verbas a universidades em que há “balbúrdia”; hostiliza políticas indigenistas e de proteção a quilombolas; manda tirar do ar uma propaganda do Banco do Brasil porque ela traria o tal “viés ideológico” ao exaltar a diversidade. Ah, claro! O BB havia comprado uma mesa de 10 lugares no tal evento, ao custo de R$ 47,5 mil…
Se ninguém esperava um estadista no Planalto, mesmo os mais pessimistas chegaram a achar que Bolsonaro acabaria se adequando às regras do decoro e às imposições da realidade. Não está acontecendo. E, como se percebe, suas pregações delirantemente reacionárias acabam atravessando fronteiras.
E sempre chega a hora, meus caros, em situações assim, em que o desprestígio do governante atinge os negócios. Amigos que moram em várias partes do mundo relatam que somos motivo de chacota e preocupação — os que conhecem, claro!, alguma coisa sobre o Brasil, o que também não é a regra.
No dia 13 de abril, Filipe Martins, assessor de Bolsonaro, reagiu assim às críticas feitas pelo prefeito de Nova York:
“Não há surpresa alguma em ver Bill de Blasio — um sujeito que colaborou com a revolução sandinista, que considera a USSR um exemplo a ser seguido e que faz comícios no monumento dedicado a Gramsci no Bronx — criticando o PR Bolsonaro. Surpresa seria uma toupeira dessas o elogiar.”
Que coisa! A afetação desse rapaz é tal que ele emprega a sigla pela qual a antiga União Soviética era conhecida na versão em inglês: em vez de URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), ele prefere USSR (Union of Soviet Socialist Republics). Logo começará a chamar os EUA de “US”, a Otan de NATO e a ONU de “UN”. É compreensível. Afinal, o pensador que extrai lições de política de “Game of Thrones” é um assessor para assuntos internacionais.
Como se nota, os efeitos de seu notável trabalho já se fazem sentir.
Fonte: UOL
Créditos: Reinaldo Azevedo