Por Tereza Cruvinel
Em entrevista ao 247, o presidente do PT, Rui Falcão, diz que “a oposição precisa descer do palanque” e que seu inconformismo com a vitória da presidente Dilma em 2014 traduz o temor de que, se ela fizer um segundo mandato melhor do que o primeiro, o PT tenha a perspectiva de ganhar novamente as eleições de 2018. Ele defende a participação dos aliados no governo de coalizão para assegurar a governabilidade mas reitera a importância de um relacionamento mais estreito com os movimentos sociais e a sociedade civil. Acredita na promessa da presidente Dilma de realizar uma consulta pública no segundo semestre de 2015 sobre regulação econômica da mídia (“nada de censura ou controle de conteúdo”) e defende a urgência da reforma política.
247 – Depois da vitória da presidente Dilma, assistimos a várias manifestações de inconformismo com a vitória dela: houve o pedido de auditoria na apuração dos votos, apresentado pelo PSDB, atos pelo impeachment e questionamento sobre as contas de campanha, com especulações sobre cassação do diploma. Como o PT vê tantas contestações ao resultado eleitoral?
Rui Falcão – Primeiro, a eleição acabou e o resultado é inquestionável. A presidente Dilma foi reeleita com um programa de continuidade das mudanças e está montando seu ministério. Suas contas de campanha foram aprovadas, ela será diplomada e tomará posse. Por sinal, faremos uma grande festa em sua posse. Agora, a vida precisa continuar. O Brasil é um país grande, cheio de problemas. Os avanços têm sido grandes mas precisam prosseguir. A população quer que o país continue crescendo, distribuindo renda, aumentando salários, criando empregos, realizando novos investimentos e obras de infraestrutura. O PT está preocupado com o Brasil. A eleição acabou e a oposição precisa descer do palanque.
247 – O senhor acha que a contestação tem relação com o resultado apertado da disputa?
Falcão – Não. O inconformismo da oposição tem outro motivo. A reeleição da presidente Dilma mostrou que a população reconhece e aprova os 12 anos de transformação pelas quais o Brasil vem passando desde a primeira eleição do ex-presidente Lula, em 2002. E teme que um segundo governo da presidente Dilma, ainda melhor do que o primeiro, crie uma perspectiva de continuidade em 2018. Nunca nenhum partido governou o país por 16 anos consecutivos, sob o regime democrático. E nós poderemos ter a chance de continuar. A alternância é um pressuposto da democracia, é a possibilidade garantida à população de trocar o governo quando não está satisfeita. Mas nós estamos implementando um projeto que vem agradando à população. Ainda que a vitória tivesse sido por apenas um voto, seria tão legitima como o é pela margem de 3,5 milhões de votos.
247 – Então, já começou a guerra para 2018?
Falcão – Sim, claro que sim. Entendo que este furor repentino do candidato derrotado, que sempre tentou passar uma imagem de moderação, traduz o empenho para manter sua liderança, pensando inclusive na disputa interna em seu partido para ver quem terá melhores condições de ser o candidato da oposição em 2018.
247 – Tratando do segundo mandato, diante do ambiente político pós-eleitoral acha que ele será mais difícil do ponto de vista da sustentação política?
Falcão – Temos uma base aliada que, se contabilizada pelo número de deputados e senadores, nos garante maioria no Parlamento. Mas temos que ampliar esta governabilidade, chamando também à responsabilidade os governadores e os prefeitos de capitais. E também incorporando os movimentos sociais e a sociedade civil, com mais diálogo e mais participação. Penso, por exemplo, na reativação do Conselhão, onde têm assento empresários, trabalhadores e sociedade civil, e na retomada das conferências setoriais. O maior envolvimento e compromisso da sociedade civil é fundamental no enfrentamento dos novos desafios. A crise mundial tem repercussões no Brasil e estamos tomando as medidas para que a população não pague pelos erros dos que a provocaram. Mas é preciso muito esforço, muita unidade nacional, muita unidade da coalizão partidária para mantermos as condições politicas que nos têm permitido beneficiar a maioria da população e dela obter reconhecimento.
247 – Falando do ministério, algumas escolhas já ventiladas não podem conturbar a relação do governo tanto com os partidos aliados como com os movimentos sociais, como é o caso da senadora Kátia Abreu para Agricultura?
Falcão – A presidente disse em seu primeiro discurso após a vitória que iria ampliar o dialogo. E tem feito isso. Tem conversado com os partidos aliados e seus líderes, recebeu as centrais sindicais e a Contag, não recebeu o MST porque seus dirigentes tiveram problema de agenda. Ela vai continuar viajando pelo país e mantendo contato direto com a população. Tudo isso fortalece as alianças e torna o governo mais amplo. As escolhas de ministros são sinais necessários a diferentes setores da sociedade. A equipe econômica foi bem recebida. Houve críticas de alguns setores mas ela também as ouviu, recebendo Leonardo Boff. O PT vai manter a seguinte posição, a começar da montagem do ministério: Não vamos funcionar como linha auxiliar da oposição, fazendo críticas sem fundamento ou por razões menores. É claro que não seremos o partido do beija-mão, teremos nossa independência, mas compreendendo que, embora a presidente seja filiada ao PT, ela fará um governo de coalizão, com os partidos que a apoiaram na eleição. Nessa realidade, vamos disputar nossos espaços respeitando a natureza do governo.
247 – Mas até agora ela nem tratou de ministério com o PT…
Falcão – Mas teremos nosso espaço. O Mercadante deve continuar, o Berzoini também. Acreditamos que ela convidará Miguel Rosseto para a Secretaria-Geral da Presidência…
247 – E as outras pastas que hoje são do partido, como Saúde e Educação?
Falcão – São importantes mas pode haver alguma disputa por Cidades ou Integração Nacional. Nossos governadores têm dito que gostariam que ficássemos com Integração Nacional. Outros preferem Cidades. Mas entendemos que não podemos querer só as pastas importantes deixando as menos relevantes para os aliados.
247 – O PT hoje está mais maduro para integrar um governo de coalizão?
Falcão – Sim, sem dúvida. Tanto que não reclamamos de perder a Fazenda, que tinha um ministro do partido.
247 – Mas neste caso a troca foi por um técnico, não por um integrante de outro partido…
Falcão – Certo, mas o partido compreende claramente a importância da coalizão.
247 – E Comunicações? O senhor acredita que haverá mesmo alguma forma de regulação da mídia?
Falcão – A presidente prometeu que no segundo semestre de 2015 fará uma consulta pública para debater a regulação econômica. Achei positivo, ratifica o que ela disse na campanha. É importante que no Minicom e na Secom estejam ministros comprometidos com esta pauta. Acho até que é preciso fortalecer a Secom e deixar o Minicom com as atribuições que já tem, relacionadas com a infraestrutura de radiodifusão e telecomunicações, ficando a Secom com os aspectos políticos e institucionais, inclusive a distribuição da publicidade oficial, que hoje ainda está muito concentrada, para que tenhamos maior equilíbrio no setor. Precisamos regular o artigo 221 da Constituição, que proíbe monopólios e oligopólios. O 222, que obriga a descentralização regional da produção de conteúdos, hoje 90% concentrada no eixo Rio-São Paulo. E também o 223, que prevê o equilíbrio entre os sistemas de comunicação público, estatal e privado. Já implantamos a base do sistema público com a EBC, mas precisamos fortalecê-lo, dar-lhe condições de desenvolvimento e competitividade. Tudo isso, a nosso ver, estará melhor localizado na Secom. E sem esquercer o artigo 220, que garante plena liberdade de expressão. Ou seja, nada de censura ou controle de conteúdo, coisa que nunca defendemos.
247 – Fala-se no nome do deputado Edinho Silva. Ele já foi ou será indicado pelo PT para a Secom?
Falcão – Ele é um grande nome, tem os predicados para o cargo mas ainda não chegamos a esta fase das consultas.
247 – O ato que o PT fez no dia 10 em Brasília, com a participação do ex-presidente Lula, foi uma reação aos chamados golpismos mas também uma preparação do Quinto Congresso. Depois de tanto desgaste nestes 12 anos de governo o senhor acha possível este resgate do PT histórico, esta volta às origens?
Falcão – Naquele ato exortamos a militância a reagir contra toda forma de golpismo e criminalização do PT mas com ele demos também a largada para o congresso, que terá dois eixos. Primeiro, recuperar nossa trajetória, nossa utopia de uma sociedade mais justa, sem oprimidos e explorados, fazendo um balanço de nossos três governos e traçando diretrizes para os próximos quatro anos. Em outro eixo, queremos aprovar mudanças organizativas para fortalecer o PT. Nós somos o único partido que escolhe seus dirigentes em eleições diretas, adotamos a paridade de gênero nos cargos de direção e uma cota para jovens de até 29 anos. Mas precisamos avançar mais. Algumas de nossas estruturas envelheceram ou se burocratizaram. Precisamos criar canais para captar esta grande energia política que fluiu a nosso favor no segundo turno da disputa presidencial. Acolher estas pessoas que, apesar de toda a propaganda negativa, apesar dos estigmas, continuam acreditando no projeto do PT. Mesmo aos que não são filiados, queremos oferecer um espaço para participar do debate sobre questões políticas ou culturais, ou a participação num evento temático qualquer. Por isso nos preparativos do congresso vamos fazer o que estamos chamando de conferências abertas. Qualquer pessoa poderá participar, denater, emitir opinião, ainda que no processo final só os delegados possam votar nas teses apresentadas. Até o final de abril teremos os encontros municipais, até o final de maio os estaduais e até o fim de junho realizaremos o congresso, contando com muito maior participação da sociedade. Estaremos aberto às ideias, às contribuições externas que possam arejar o partido.
247 – Mas como enfrentar o estigma da corrupção que começou com o mensalão e agora deve ser reforçado pelo caso Petrobrás?
Falcão – Este é nosso maior desafio. Tirar do partido este estigma da corrupção, embora ninguém tenha combatido mais a corrupção neste país do que o PT. Precisamos nos apropriar do que fizemos nesta área. Foi o PT que criou a CGU, deu independência à Polícia Federal e ao Ministério Público, implantou a Lei de Acesso à Informação e agora a lei que pune corruptos e corruptores. Exatamente porque o combate à corrupção aumentou, ela hoje aparece mais. A recente pesquisa Datafolha mostrou que a população reconhece que nunca houve tanto combate e que nunca os corruptos foram tão severamente punidos, alcançando os que antes eram intocáveis, como políticos e empresários. Basta ver quantos escândalos do passado continuam cobertos pela impunidade, como Pasta Rosa, Sivam e o mensalão mineiro, cujos crimes estão prescrevendo sem qualquer punição. A lista é grande. Para sacudir o estigma que nos foi lançado pela mídia monopólica e alguns partidos de oposição, que nos acusam de fazer o que sempre fizeram, temos que ir para a rua, mostrar tudo isso
247 – E a reforma política, acredita que será possível?
Falcão – O STF esta prestes a acabar com o financiamento empresarial de campanhas, o que depende apenas de o ministro Gilmar Mendes liberar o processo do qual pediu vistas. Quando isso acontecer, os partidos terão que ter acesso a alguma forma de financiamento público para não serem estrangulados. O PT tem uma proposta ampla, que inclui voto em lista e financiamento exclusivamente público, sem dispensar o plebiscito, mas sabemos que será preciso negociar dentro da correlação de forças existente. Neste momento há 42 novos partidos pedindo registro. Isso torna qualquer sistema impraticável. Então, é urgente criar alguma cláusula de desempenho, sem atingir os partidos ideológicos, e suprimir as coligações em eleições proporcionais para evitar as distorções de resultado que conhecemos.