Além de uma resposta ao presidente Jair Bolsonaro, a carta divulgada na segunda-feira por governadores sobre a cobrança de ICMS dos combustíveis nos estados foi um recado ao Planalto de que as relações entre governos estaduais e federal estão se desgastando.
A atitude de Bolsonaro de culpar os governadores pelos altos preços dos combustíveis foi considerada pelo grupo a gota d’água em meio a outras insatisfações acumuladas em 14 meses de gestão.
No domingo, Bolsonaro escreveu em uma rede social que encaminhará ao Congresso um projeto para que o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de combustíveis, recolhido pelos estados, tenha um valor fixo por litro.
Ao divulgar a proposta, o presidente responsabilizou os chefes dos executivos estaduais pelo fato de os preços não baixarem nas bombas, apesar da redução dos preços nas refinarias da Petrobras em janeiro.
Ao menos outros três episódios são mencionados por governadores em conversas reservadas ao desfiar queixas sobre Bolsonaro. O mais recente foi o reajuste de quase 13% do piso salarial dos professores no mês passado — o maior registrado em termos reais desde 2012, o que sobrecarregará ainda mais os cofres estaduais, a maioria deles em crise.
O esvaziamento da reforma da Previdência, empurrando para estados a responsabilidade de fazer seus próprios projetos, é outro foco de reclamação. No Rio Grande do Sul, por exemplo, o governo estadual tinha uma reforma pronta incluindo os militares e teve que rever a proposta depois que o governo Bolsonaro decidiu criar uma regra de aposentadoria mais branda para essa categoria.
De forma mais pontual, a demora no combate aos incêndios na Amazônia alterou os ânimos de governadores daquela região com o presidente. Helder Barbalho (MDB), do Pará, foi o primeiro no domingo a pedir aos colegas uma reação rápida à declaração de Bolsonaro.
Eles começaram a trocar mensagens em um grupo que mantêm no WhatsApp sob um clima de indignação, principalmente pela forma como o presidente tratou o assunto. Em vez de inabilidade política, alguns viram nessa atitude a intenção de constrangê-los e desgastá-los diante da população. Uma carta aberta foi divulgada por 23 deles na segunda-feira.
“Os governadores dos estados têm enorme interesse em viabilizar a diminuição do preço dos combustíveis. No entanto, o debate acerca de medidas possíveis para o atingimento deste objetivo deve ser feito nos fóruns institucionais adequados e com os estudos técnicos apropriados”, dizia o texto.
A carta contra o presidente foi assinada por 23 governadores, quadro bem diferente daquele em 2018 quando Bolsonaro teve apoio explícito no segundo turno de 15 governadores eleitos. Somente não aderiram ao protesto desta semana os representantes de Goiás, Acre, Tocantins e Rondônia.
Uma primeira versão do texto foi elaborada pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB). O texto foi alterado até chegar a uma redação de consenso, tendo o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), como responsável pela versão final.
– Causou um grande desconforto, afinal não é justo colocar a culpa nos governadores. Se o governo federal quer, de fato, fazer uma redução de combustível, ele pode fazer porque tem controle dos preços nas refinarias, tem participação na Petrobras e tem impostos federais no combustível que não deveriam ali estar – disse Leite ao GLOBO.
O tema foi incluído na pauta do Fórum de Governadores, que terá uma nova reunião na semana que vem. Os governadores argumentam que o ICMS sobre os combustíveis responde por 20% do total da arrecadação do imposto nos estados, sendo a principal fonte de receita em muitos deles.
Além disso, 25% do ICMS são repassados aos municípios. O governador gaúcho lembrou que os estados têm margem muito pequena para lidar com perdas de arrecadação:
– A União dá solução a seus problemas fiscais emitindo títulos de dívidas e tudo o mais, mas os estados não têm isso. Recentemente houve essa decisão do governo federal de aumento de 12% do piso do magistério, que é um custo arcado basicamente pelos governos estaduais e municipais. Cada vez mais nos colocam mais obrigações. Agora é o ICMS. Peraí…
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), um dos últimos a aderir ao manifesto, também afirmou que a situação fiscal dos estados é muito delicada e não contempla redução de impostos sem alternativas:
– Sempre fui favorável à redução de imposto e continuo sendo, mas a condição de muitos estados, incluindo o meu, é dramática. Não dá para fazer isso assim.
Reajustes diferentes
“Pela terceira vez consecutiva, baixamos os preços da gasolina e diesel nas refinarias, mas os preços não diminuem nos postos por quê? Porque os governadores cobram, em média 30% de ICMS, sobre o valor médio cobrado nas bombas dos postos e atualizam apenas de 15 em 15 dias, prejudicando o consumidor”, escreveu Bolsonaro no domingo.
Embora gasolina e diesel tenham registrado queda em seus preços nas refinarias ao longo do mês de janeiro, o valor nas bombas só começou a cair de forma tímida na última semana do mês.
A gasolina saiu da Petrobras com redução média de 7,32% no mês passado. No posto, só recuou 0,3%, para R$ 4,580 por litro, de acordo com a Agência Nacional do Petróleo (ANP). O diesel caiu 9,76% em janeiro nas refinarias, mas na bomba só recuou 0,57%, para R$ 3,778.
Dados do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) mostram que, no ano passado, também não houve repasse integral de reajustes dos combustíveis nas refinarias provocados pelo câmbio e pelas variações da cotação internacional do petróleo.
A gasolina subiu 26,4% nas refinarias em 2019, mas só teve alta média de 7,28% nos postos. No caso do diesel, enquanto a alta na refinaria a foi de 17,1%, na bomba ficou em 10,2%.
Os governadores sugerem que a União abra mão da receitas de impostos federais que incidem sobre o consumo de combustíveis. Na gasolina, os tributos federais Cide, PIS/Pasep e Cofins representam 15% do preço final. O ICMS responde por quase 29%, em média. No caso do diesel, os impostos federais somam 9%. O ICMS, 15%.
De acordo com levantamento de uma fonte do setor de distribuição, os impostos federais foram os que mais tiveram aumento na composição final do preço dos combustíveis. O PIS Cofins passou de de 7,6%, em 2016, para 14% do preço final da gasolina em 2019. Já o ICMS subiu de 27,9% para 28,6%.
Luiz Claudio Rodrigues, secretário de Fazenda do Estado do Rio, diz que não há nenhuma discussão para mudar a tributação estadual dos combustíveis. Segundo ele, a arrecadação sobre gasolina e diesel responde por 14% a 15% da receita do estado, que está em regime de recuperação fiscal.
– O ICMS sobre combustíveis é extremamente relevante para todos os estados, que têm forte restrição fiscal. O governo (federal), com as declarações de Paulo Guedes (ministro da Economia) indica a necessidade de fortalecer o federalismo e essa medida (de rever o ICMS, citada por Bolsonaro) vai na contramão dessa filosofia – disse Rodrigues.
O secretário atribuiu o aumento dos preços dos combustíveis na bomba ao longo do mês de janeiro à maior margem de lucro de distribuidoras e rede de postos.
Fonte: O Globo
Créditos: O Globo