Embaixadas e consulados do Brasil consumiram R$ 1,340 bilhão ao longo do ano passado, em meio à crise econômica causada pela pandemia do novo coronavírus.
O montante é 24,3% maior se comparado a 2019, que somou R$ 1,078 bilhão de gastos com as representações brasileiras. Além disso, é o maior valor nominal desde ao menos 2010, início da série histórica analisada.
O montante se refere a gastos com despesas correntes (contas mensais de consumo de energia, água, telefonia etc); folha de salários dos auxiliares; locação de imóveis oficiais; residência funcional no exterior, o que inclui o auxílio-moradia; e investimentos, como compras de material permanente e reformas de imóveis.
Esses dados foram obtidos pelo Metrópoles, via Lei de Acesso à Informação (LAI), no Ministério das Relações Exteriores.
A série histórica não leve em conta a inflação registrada no período — entre 2010 e 2020, o IPCA acumulou alta de 84% —, e a desvalorização do real, que só no ano passado caiu 29% frente ao dólar e perdeu valor de compra.
“Os números são interessantes. Parte dos gastos no exterior são fixos, então essa variação registrada no ano passado deve muito à valorização do dólar frente ao real”, explica o professor de relações internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), André Reis da Silva. Logo, o aluguel de uma embaixada qualquer, por exemplo, que custa US$ 10 mil, passou de R$ 40 mil em 2019 para R$ 50,2 mil em 2020.
O aumento dos gastos, impulsionado pela desvalorização da moeda brasileira, compromete a política de austeridade que marca o Itamaraty desde a gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB).
Em 2019, já no governo Jair Bolsonaro, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, decidiu cortar 138 vagas no exterior e fechar três embaixadas na região do Caribe: Granada; São Cristóvão e Névis; e São Vicente e Granadinas.
Segundo informou o Itamaraty à época, entre os critérios usados para o redimensionamento dessa rede de embaixadas, estão “a pouca expressão do comércio bilateral, o alto volume de trabalho administrativo e a avaliação do custo”.
Atualmente, o país conta com 214 postos de representação no exterior. Em 2017, havia 226 embaixadas e consulados brasileiros ao redor do mundo.
As mais caras
O posto que mais consumiu dinheiro no ano passado foi a embaixada brasileira em Berlim, capital da Alemanha. Sozinha, a representação gerou mais de R$ 39,7 milhões de despesas para os cofres públicos.
Desse total, a maior parte (62,5%) foi usada na locação de residências oficiais no exterior. Ou seja, R$ 24,8 milhões apenas com aluguéis dos imóveis ocupados pelo posto na Alemanha.
A embaixada (foto em destaque), comandada por Roberto Jaguaribe Gomes de Mattos, fica no bairro de Mitte, em frente ao museu Märkisches Museum e ao lado do pequeno parque Köllnischer Park.
Há ainda outros gastos referentes à embaixada em Berlim, de R$ 3,2 milhões, com residência funcional (como auxílio-moradia), R$ 9,2 milhões com contratados locais (folha de salário) e R$ 2,4 milhões com outras despesas (como pagamento de água, energia e telefonia, por exemplo).
O segundo posto mais caro fica em Nova York, nos Estados Unidos. O consulado usou verba pública na ordem de R$ 31,2 milhões, a maior parte (R$ 14,4 milhões) com benefícios em relação à moradia.
A mesma cidade norte-americana tem ainda um escritório financeiro – que custou R$ 21,1 milhões em 2020, o 10º no ranking dos postos representativos brasileiros mais caros.
Na lista top 10, há ainda a delegação brasileira junto às Nações Unidas (ONU), que responde por um montante de R$ 27,3 milhões. Em dezembro do ano passado, o Senado Federal rejeitou a indicação do embaixador Fabio Mendes Marzano para ocupar a posição de delegado permanente do Brasil.
Sem água e sem luz
Após o aumento de despesas, e sem o Orçamento da União para 2021 aprovado, o Itamaraty alertou, em janeiro deste ano, diversos diplomatas que faltará recursos para pagar os gastos de embaixadas e consulados brasileiros durante pelo menos três meses.
Segundo a colunista Bela Megale, do jornal O Globo, a previsão é de que contas – como aluguel, luz, água ou internet – sejam pagas depois da aprovação do orçamento.
A escassez de dinheiro para pagar as contas teria gerado, ainda, mais desgaste interno para o ministro Ernesto Araújo, já bastante criticado pela falta de capacidade em manter o Itamaraty funcionando.
A Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso Nacional foi instalada apenas em fevereiro deste ano. O colegiado é responsável por analisar o projeto de Lei Orçamento Anual (LOA) de 2021.
Formado por 30 deputados e 10 senadores titulares, o colegiado não foi instalado em 2020 devido a um impasse entre o ex-presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (DEM-RJ) e o atual presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
Ambos pertenciam ao mesmo bloco e indicaram, no início de 2020, o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) para presidir o colegiado. Ao romperem, no segundo semestre do ano passado, Lira indicou Flávia Arruda para o comando da CMO.
Diante da ruptura, a comissão não foi instalada, e o Centrão, liderado por Lira, passou a obstruir a votação no plenário da Casa. Lá, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021, que precede a LOA, foi votada diretamente, no fim de dezembro, com acordo entre os líderes.
Outro lado
Procurado, o Ministério das Relações Exteriores não se manifestou sobre o aumento dos gastos com embaixadas e consulados no ano passado, apesar da pandemia. O espaço segue aberto.
Fonte: Metrópoles
Créditos: Metrópoles