A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, emitiu pareceres em série contra a reforma trabalhista. As manifestações foram apresentadas ao STF (Supremo Tribunal Federal) dias antes do início do recesso do Judiciário.
Parte das ações aguardava pela opinião da PGR para a corte dar prosseguimento à análise dos casos. Na quarta-feira (19), quatro posicionamentos de Dodge entraram no sistema do STF.
Todos eles são contrários total ou parcialmente a novas regras da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), em vigor desde 11 de novembro de 2017. As mudanças foram aprovadas pelo Congresso e implementadas pelo governo Michel Temer.
As manifestações de Dodge se dão às vésperas do início do mandato do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL). Ele propõe maior flexibilização das leis trabalhistas.
Em todas as ações, a Câmara dos Deputados diz que seguiu a tramitação legal. Senado Federal, AGU (Advocacia-Geral da União) e Presidência da República defendem a constitucionalidade da lei.
Dodge, porém, rejeita a correção de dívidas trabalhistas pela TR (taxa referencial) e a de depósitos judiciais pela poupança.
São dois pareceres. O tema é discutido em uma ADI (ação direta de inconstitucionalidade) e uma ADC (ação declaratória de constitucionalidade).
Para Dodge, a correção pela TR é uma violação do direito de propriedade.
“A inovação trazida pela lei 13.467 [reforma trabalhista], com adoção do índice da caderneta de poupança para a atualização monetária, foi positivada com ofensa aos esteios constitucionais, sendo imperiosa a utilização de outro índice”, diz a procuradora-geral.
Ela ainda lembra que decisões do STF sobre correção monetária em condenações impostas ao poder público exigem a reposição da inflação.
Dodge sugere que a Justiça do Trabalho adote o IPCA-E (Índice de Preços ao Consumidor Amplo-Especial), do IBGE.
A procuradora-geral também é contra a fixação de indenização por dano moral atrelada ao salário.
A nova CLT prevê uma escala de ofensas. Elas vão de natureza leve a gravíssima. O juiz pode conceder uma indenização que varia de três vezes o salário do empregado a 50 vezes a sua remuneração.
Antes da reforma, cabia ao juiz estabelecer o valor.
Para Dodge, as novas regras são discriminatórias e afetam o direito da personalidade.
“Ao utilizar esse parâmetro, a norma valora a reparação do dano moral sofrido pelo trabalhador conforme a posição salarial por ele alcançada no mercado de trabalho, submetendo a dignidade humana, objeto da tutela, à estratificação monetária por status profissional”, afirma.
Outro ponto atacado é o trabalho de gestante ou lactante em local insalubre. Pela reforma, o afastamento se dará após apresentação de atestado médico com essa recomendação.
“A (suposta) proteção –ou melhor, desproteção– que encerra não atende à urgência reclamada pela situação de vulnerabilidade da trabalhadora gestante ou lactante, nem condiz com a relevância dos bens jurídicos em questão (vida, saúde, maternidade, infância e trabalho digno e seguro)”, afirma Dodge.
Para ela, a regra significa “retrocesso social”.
Em outra ação, no fim de outubro, Dodge se manifesta sobre um dispositivo da nova lei que obriga a definição do valor da causa (quanto o trabalhador quer receber) já na petição inicial. Ela propõe uma interpretação à lei que tire seu caráter compulsório.
Para o advogado Jorge Pinheiro Castelo, do escritório Palermo e Castelo, os pareceres adequam regras da reforma justamente para que possam ter aplicação e trazer segurança jurídica. “A reforma em alguns pontos saiu da curva”, afirma Castelo.
O presidente da Anamatra (associação de juízes trabalhistas), Guilherme Feliciano, destaca os aspectos jurídicos das manifestações da PGR.
“A crítica [da Anamatra, autora de ADIs] era técnica, e isso agora se revela pela caneta da PGR, que, a partir de uma análise equidistante e ponderada, aponta vários dos vícios de inconstitucionalidade da reforma”, diz Feliciano.
De sete pontos polêmicos, a PGR defendeu a constitucionalidade de dois.
Dodge apoiou o fim do imposto sindical obrigatório. Ela deu aval ao trabalho intermitente —sem carga horária predefinida—, cujo julgamento foi suspenso e será retomado no dia 12 de junho de 2019.
Não há previsão para a análise dos outros casos.
Projeto de lei sobre gestante e lactante é aprovado no Senado
O Senado aprovou na terça-feira (18) o projeto de lei que altera regras sobre o afastamento de gestantes e lactantes em trabalho insalubre. O texto seguirá para a Câmara.
Segundo o projeto do senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO), apenas poderá trabalhar em local de insalubridade mínima ou média a gestante que apresentar laudo de médico de confiança atestando sua capacidade de continuar no serviço.
O assunto foi tratado em medida provisória que caducou em abril, porque não foi votada pelo Congresso.
O texto da MP era parte de acordo do governo Michel Temer para que se aprovasse a reforma no Senado sem alterações, ou o texto teria de voltar para a Câmara.
A proposta aprovada na reforma de 2017 estabelecia o contrário: para ser afastada de local insalubre mínimo ou médio, a mulher deveria apresentar atestado comprovando a necessidade de afastamento.
ESTOQUE DE AÇÕES
Com a reforma trabalhista, o número de processos pendentes de julgamento caiu ao menor volume em seis anos.
Segundo o TST (Tribunal Superior do Trabalho), em outubro deste ano, últimos dados disponíveis, a Justiça do Trabalho tinha 1,2 milhão de ações à espera de julgamento.
O número é igual ao registrado no fim de 2012.
Desde o começo do ano, a redução é de 33%, e o estoque não para de baixar. Em dezembro de 2017, a Justiça do Trabalho acumulava um estoque de processos pendentes de 1,8 milhão.
As mudanças introduzidas pela reforma trabalhista impactaram diretamente o dia a dia das varas de todo o país.
Além de desafogar os estoques de processos e agilizar os julgamentos, a nova lei também fez cair o número de novas ações ajuizadas.
Neste ano, houve uma queda de 37% nos novos casos.
OS QUESTIONAMENTOS NO SUPREMO
Quem ajuizou as ações?
- PGR (Procuradoria-Geral da República)
- Confederações sindicais
- Entidades de classe de âmbito nacional
ações diretas de inconstitucionalidade ou declaratórias de constitucionalidade ao menos foram ajuizadas no Supremo com questionamentos a pontos da reforma trabalhista
processos estão pendentes de julgamento –de uma só vez, 20 ações caíram quando o Supremo julgou constitucional o fim do imposto sindical obrigatório
Como funciona o julgamento
- Pela Constituição, a PGR deve ser ouvida em todas ADIs (ações diretas de inconstitucionalidade)
- Apontado o relator por sorteio, ele deve organizar o processo e enviá-lo ao pleno, com 11 ministros
Temas à espera de julgamento
- Contrato intermitente (julgamento em 12 de junho de 2019)
- Gratuidade da Justiça Valor da causa
- Correção monetária
- Indenização por dano moral
- Trabalho insalubre de gestante e lactante
Fonte: Folha de S. Paulo
Créditos: Arthur Cagliari / William Castanho