No futebol, este domingo será de clássicos: Corinthians e Palmeiras disputam a final do Campeonato Paulista, e Vasco e Botafogo decidem quem será o campeão carioca de 2018. Na política, porém, o principal “jogo” do primeiro semestre foi concluído nesta 4ª feira: por 6 votos a 5, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram negar o pedido de habeas corpus (HC) apresentado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
A conclusão do julgamento no STF mobilizou “torcidas” dignas de uma final de Copa do Mundo. Juízes, integrantes do Ministério Público e advogados se mobilizaram contra e a favor da prisão após a segunda instância, com abaixosassinados de milhares de nomes. Manifestantes pró e contra Lula foram às ruas em Brasília e outras cidades.
Apesar dos abaixo-assinados e das falas de alguns ministros, o STF decidiu ontem apenas sobre o pedido específico da defesa de Lula – o de que ele não fosse preso depois de esgotados seus recursos ao Tribunal Federal Regional da 4ª Região (TRF-4), e pudesse recorrer em liberdade até a última instância. O STF também não disse nada a respeito da possibilidade – cada vez mais remota – de Lula concorrer nas eleições presidenciais deste ano.
Mesmo assim, o resultado de quarta-feira é uma sinalização sobre como a maioria dos ministros deve votar em duas ações que questionam a prisão após a segunda instância – os processos são relatados pelo ministro Marco Aurélio Mello e podem efetivamente mudar o entendimento do STF. Não há data marcada para esse julgamento, mas, nos bastidores, a presidente do tribunal, Cármen Lúcia, está sendo pressionada a pautar o tema.
O site de notícias jurídicas Jota, por exemplo, calcula que Lula teria hoje 18,5% dos eleitores – Bolsonaro conta com 10,5% dos votos. O levantamento usa apenas pesquisas espontâneas (em que o próprio eleitor diz em quem pretende votar, sem opções dadas pelo entrevistador), publicadas desde o fim do ano passado e feitas por instituto como MDA, Ibope e Datafolha.
“O mais provável é que esses votos (de Lula) sejam disseminados, em parte (menor), para a candidatura de (Jair) Bolsonaro (PSL), e em parte para votos nulos, brancos e abstenções. Eu diria que quem vota em Lula, se for frustrado e não tiver Lula ou (outro candidato do) PT na cédula eleitoral, muito provavelmente vai se
dirigir para a anulação dos votos. É o que as pesquisas têm demonstrado”, diz o professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP) Lincoln Secco, que estudou a trajetória do PT.
Secco acredita que só uma parte menor dos eleitores de Lula migrará para Bolsonaro – e o fará por ver no militar da reserva uma opção de voto de protesto.
Apesar de ser deputado desde 1991, o candidato do PSL é visto como alguém “de fora” do sistema político.
Mas para o cientista político e professor emérito da UFMG, Fábio Wanderley Reis, Bolsonaro não seria beneficiado caso Lula saia da corrida: o capitão da reserva do Exército está construindo sua candidatura como uma oposição ao PT e à esquerda de forma geral. Sem Lula, Bolsonaro perde uma de suas principais bandeiras. Essa avaliação também já foi feita por aliados do político do PSL, como o deputado Alberto Fraga (DEM-DF).
“Bolsonaro certamente se mostrou mais ‘viável’ do que parecia há algum tempo; manteve a força eleitoral mesmo depois de começar a ser questionado na imprensa, por exemplo. Mas me parece que a força dele (Bolsonaro) tem a ver com esse antagonismo (com Lula). Com Lula fora, ele tende a perder força”, diz o cientista político Fábio Wanderley Reis. Marina e Alckmin
Lincoln Secco, da USP, e o cientista político e professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), Rui Tavares Maluf, divergem sobre a viabilidade de Marina Silva (Rede), mas concordam que ela dificilmente herdará os votos de Lula, de quem chegou a ser ministra do Meio Ambiente (2003-2008).
“Ela (Marina) nunca foi carta fora do baralho. É uma figura difícil de atacar no plano pessoal, na questão da ética. Mas ela se afastou muito do petismo nas últimas duas eleições (em 2014, apoiou Aécio Neves, do PSDB). Pode herdar votos, mas não esses (de Lula)”, diz Maluf.
Marina Silva se distanciou do petismo desde 2009, quando saiu do partido Para Secco, Marina “não representa nenhum posicionamento relevante hoje na sociedade. Então acho muito difícil que ela herde os eleitores. Ela apoiou Aécio Neves (PSDB) nas últimas eleições e se posicionou pela condenação de Lula no julgamento do TRF-4 de Porto Alegre”, diz ele.
E Geraldo Alckmin? Antes mesmo de assumir a presidência do PSDB e se tornar o virtual candidato presidencial do partido, em dezembro passado, o tucano começou a fazer acenos à esquerda.
Em outubro de 2017, por exemplo, o governador de São Paulo apareceu em um evento da corrente socialista do PSDB – chamada Esquerda Pra Valer – e disse que “O laissez-faire, esse liberalismo completo, é a incivilização, porque é o grande querendo comer o pequeno, o forte massacrar o fraco”.
Rui Tavares Maluf lembra que Alckmin já estava tentando construir pontes com a esquerda antes da campanha eleitoral – o tucano levou adiante projetos que beneficiaram assentados do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), por exemplo. Em uma cerimônia em 2016, recebeu elogios de dirigentes do movimento social.
“Não é muito difícil imaginar ele se movimentando para a esquerda e para a direita sem parecer um ‘estranho no ninho’. Esse caráter mais centrista da candidatura dele permite isso”, diz Maluf. Se isso será suficiente para abarcar votos de exeleitores de Lula, é cedo para dizer, segundo o cientista político.
Desde o fim de 2017, Alckmin tenta ganhar a simpatia de eleitores à esquerda Já para Lincoln Secco, Alckmin cometeu um erro dentro da estratégia de se aproximar do eleitorado lulista ao dizer que os tiros que atingiram um ônibus da caravana de Lula na semana passada foram culpa dos próprios petistas. Na última
NA sexta-feira, Alckmin disse que os seguidores de Lula estavam “colhendo o que plantaram”.
“Eu acho que ele terá, como nas eleições anteriores que disputou (em 2006), uma dificuldade enorme de penetração no Nordeste. E sem o Nordeste ele não ganha as eleições. Vai ter o apoio de São Paulo e do Centro-Sul, mas muita dificuldade tanto em Minas Gerais, quanto no Nordeste”, diz.
E os outros candidatos de esquerda?
A eleição de 2018 promete ter o maior número de candidatos desde a disputa presidencial de 1989 – até agora, 25 pessoas já anunciaram a intenção de concorrer à presidência da República em outubro – a quantidade de postulantes será significativa mesmo que a maior parte desses nomes não chegue à urna eletrônica.
Nos bastidores, políticos de vários partidos (não só os de esquerda) veem a saída de Lula do pleito como algo positivo para os demais candidatos – significaria uma possível vaga no segundo turno da disputa.
Para Rui Tavares Maluf, o mais provável é que os votos de Lula sejam divididos entre os outros competidores. “Não tenho dúvida de que a tendência é de ‘espalhamento’. O grosso dos votos de Lula não é tão ideológico, é muito mais
centrado na pessoa dele. As bandeiras (de Lula) são um pouco genéricas (como o crescimento econômico ou a redução da desigualdade)”, diz.
Dentro do campo da esquerda, diz Maluf, é Ciro Gomes (PDT) quem está mais bem posicionado para abocanhar uma fatia maior dos votos. O cientista político faz a ressalva, porém, de que o mecanismo de transferência de votos não é perfeito – mesmo que Lula pedisse votos para Ciro ou outro candidato, dificilmente ele ou ela herdaria 100% dos eleitores do petista.
Fora do PT, Ciro Gomes (PDT) é o mais bem posicionado para herdar votos de Lula, diz Rui Tavares Maluf
“Há outros candidatos que têm até mais afinidade ideológica com o PT, como (Guilherme) Boulos (PSOL) ou Manuela D’Ávila (PCdoB). Mas essa afinidade (de esquerda) tende a reduzir os votos. Só uma pequena franja dos eleitores do Lula está disposto a votar em alguém tão à esquerda”, diz.
Para Lincoln Secco, da USP, a candidatura do PSOL tem pouca viabilidade neste momento. “Boulos só está se candidatando neste momento porque pretende futuramente constituir um novo partido de extrema-esquerda com algum apoioeleitoral e alguma importância social no Brasil. Mas é um projeto de longo prazo.”
Fonte: UOL
Créditos: UOL