FOTO: NACHO DOCE/REUTERS – 20.06.2019
O presidente Jair Bolsonaro participou nesta quinta-feira (20) da Marcha Para Jesus, em São Paulo. Essa foi a primeira vez que um presidente foi ao maior evento evangélico do país, que ocorre há 27 anos.
Bolsonaro foi recebido na marcha com gritos de “mito” e gestos de armas com os dedos da mão – símbolo característico de atos em apoio ao político, mesmo antes de sua eleição para a Presidência. Ele creditou a Deus o fato de ter sobrevivido ao atentado a faca que sofreu em Juiz de Fora, durante a campanha eleitoral de 2018, e disse que “um país que tem Deus acima de tudo tem tudo para dar certo”.
“Todos sabem que nosso País tem problemas de ética, moral e econômico. Mas sabemos que podemos ser o ponto de inflexão”
A ida de Bolsonaro à marcha reforça sua conexão com um setor que cresce na sociedade e na política. Mais de 60 milhões de brasileiros se dizem evangélicos. No Congresso, a Frente Parlamentar Evangélica conta atualmente com 195 deputados federais e 8 senadores inscritos.
Bolsonaro alinha-se com o setor conservador brasileiro – do qual os evangélicos são parte importante – em pautas como o combate ao aborto e ao casamento gay, o direito à eutanásia, as questões de gênero e a descriminalização das drogas.
O presidente é católico, mas mantém relação próxima com os ritos evangélicos. O casamento dele com a primeira-dama, Michelle, em 2013, foi celebrado pelo pastor Silas Malafaia. O presidente também foi batizado no rio Jordão, em Israel, junto com os filhos, pelo pastor Everaldo, do PSC.
Além de Bolsonaro, também o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), esteve no evento, na parte da manhã. Ele discursou ao lado da mulher, Bia Doria, e dos líderes da Igreja Renascer e organizadores da marcha, o casal Estevam e Sônia Hernandes, donos de uma das maiores fortunas entre os pastores evangélicos brasileiros segundo a revista Forbes. O prefeito de São Paulo, o tucano Bruno Covas também foi à Marcha para Jesus evento na parte da tarde.
Bolsonaro esteve nessa mesma marcha, em 2018, mas ainda como pré-candidato a presidente. À época, tinha ao lado o então senador Magno Malta (PR-ES), um de seus maiores aliados durante a campanha eleitoral, que chegou a ser cotado como possível vice. “Ele é meu chefe”, disse Malta a jornalistas na ocasião. Depois de eleito, Bolsonaro se afastou de Malta, que tampouco conseguiu se reeleger senador em 2018. “O perfil dele não se enquadrou”, disse o presidente quando do anúncio de seu ministério.
Desta vez, em 2019, o presidente teve a seu lado o pastor e deputado federal Marco Feliciano (Pode-SP), além do senador por São Paulo Major Olímpio, que é seu companheiro de partido, o PSL.
Antes do evento, o presidente deu a entender, num discurso de improviso feito na cidade paulista de Eldorado, que pode vir a disputar a reeleição em 2022: “Meu muito obrigado a quem votou e a quem não votou em mim também. Lá na frente todos votarão, tenho certeza disso.” Na Marcha para Jesus, voltou a falar no assunto: “se não tiver uma boa reforma política, estamos aí para mais quatro anos”.
Na véspera de ir à marcha evangélica, o presidente visitou o Mosteiro das Irmãs Clarissas, em Guaratinguetá, no interior do estado de São Paulo. O local, ligado à Igreja Católica, acolhe dependentes químicos.
A força da expressão evangélica
Os evangélicos (60 milhões) correspondem atualmente a 30% da população brasileira. A projeção do número de evangélicos no Brasil indica que esse público deve ultrapassar o total de seguidores da fé católica no país em 2032, com base nos dados do IBGE.
CRESCIMENTO
Os evangélicos são os grupos religiosos cristãos que surgiram no século 16 a partir de um movimento chamado de Reforma Protestante como dissidências da Igreja Católica Apostólica Romana. O monge Martinho Lutero (1483-1546) é reconhecido como quem deu início à Reforma ao publicar, em 1517, suas 95 teses. Nesses mais de quatro séculos, a religião evangélica cresceu e mudou, incluindo em seu interior diversas ramificações, como as que estão presentes no Brasil, como a Assembleia de Deus e a Igreja Universal, por exemplo.
O que é a Marcha Para Jesus
Os organizadores do evento dizem que a Marcha para Jesus é um evento internacional que foi realizado pela primeira vez no Brasil em 1993. Naquele ano, 200 mil pessoas participaram da marcha, que esteve concentrada na região da avenida Paulista, em São Paulo.
O pastor Estevam Hernandes, pioneiro do evento, trata a própria iniciativa em termos superlativos. Ele diz que esse a marcha é “o maior evento do planeta”. O público estimado da marcha evangélica em 2018 foi de 1,5 milhão de pessoas. No mesmo ano, mais de 2 milhões de pessoas participaram da peregrinação a Meca, cidade sagrada dos muçulmanos.
Desde 2015, a marcha faz parte do calendário oficial de eventos de São Paulo. A decisão, tomada pelo então governador Geraldo Alckmin, fixou o feriado de Corpus Christi como data anual da marcha evangélica.
Corpus Christi é uma data do calendário religioso na qual parte das igrejas cristãs celebra a comunhão, expressa na transmutação da carne de Jesus em pão a ser repartido pelos fiéis. Os evangélicos não acreditam nesse sacramento da mesma forma que os católicos. Para eles, um padre não tem o poder de transmutar a carne em pão e o sangue em vinho – feito de Jesus descrito na Bíblia, no Novo Testamento.
Quem são os evangélicos no governo
Os evangélicos são uma força política importante no entorno do presidente Bolsonaro. Mesmo que não tenham muitos cargos formais no Executivo, eles estão na linha de frente de diversas iniciativas, especialmente no Legislativo.
Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos é um exemplo da presença evangélica no Planalto. Ainda antes de assumir o cargo, em maio de 2016, ela anunciou num culto em Belo Horizonte, que chegaria a hora de “a igreja governar o Brasil”. Uma vez no cargo, já em 2 de janeiro, deu impulso a pautas de corte religioso e fez-se conhecida por defender a ideia de que “menino veste azul e menina veste rosa”, numa demonstração do início do que ela chamou de uma “nova era”.
No Legislativo, o presidente conta com o apoio de parte expressiva de parlamentares da bancada evangélica. Mas essa relação, que foi forte durante a campanha eleitoral, demanda agora manutenção. Deputados evangélicos queixam-se frequentemente da “falta de diálogo” com o presidente.
Em relação ao Judiciário, o presidente disse em maio: “Será que não está na hora de termos um ministro do Supremo Tribunal Federal evangélico?” A declaração foi dada enquanto os 11 ministros discutiam a criminalização da homofobia.
O anúncio de uma “nova era” feito por Damares não aparece apenas nos discursos de políticos evangélicos, mas também dos católicos. O ministro das Relações Internacionais, Ernesto Araújo, por exemplo, diz que é hora de colocar “Deus em Davos”, em referência à cidade Suíça onde anualmente ocorre o Fórum Econômico Mundial.
Grupos evangélicos não são homogêneos
A cientista política do Iser (Instituto de Estudos da Religião) Ana Carolina Evangelista disse ao Nexo em fevereiro, assim que o novo Congresso tomou posse, que “o que se costuma chamar de ‘a igreja evangélica brasileira’ não é um conjunto homogêneo e uniforme”.
De acordo com ela, “o alinhamento na atuação parlamentar se dá mais pelas pautas e pelo viés conservador do que por sua vinculação exclusiva a grupos evangélicos”.
Evangelista considera que “a agenda moral não esteve só na plataforma dos evangélicos” na eleição de 2018, e que a percepção de que esse setor se move numa lógica de “voto de rebanho” – orientada por líderes religiosos – não é verdadeira.
“Nessas eleições vimos uma manifestação pública de grandes lideranças evangélicas quando elas mesmas já tinham percebido que suas bases estavam migrando para a candidatura Bolsonaro. Foi mais um respaldo do que um direcionamento do voto”, disse Evangelista.
Em seu trabalho, a pesquisadora monitorou o desempenho de 260 candidatos identificados como evangélicos disputando cargos legislativos estaduais e federais nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, em 2018 – dois dos principais colégios eleitorais do país.
Numericamente, a conclusão é a seguinte: dos 260 candidatos, 64 foram eleitos, o que equivale a 25% do total de candidaturas desse setor. Apenas um deles – o Pastor Marcos Feliciano (Podemos-SP) representava o que se chama de candidatura “confessional”, que traz a designação “pastor” no nome.
Fonte: Nexo Jornal
Créditos: João Paulo Charleaux