O Ministério Público estadual (MP-RJ) abriu um procedimento para investigar a denúncia da criação de um balcão de negócios na prefeitura do Rio para a liberação de verbas a empresas mediante pagamento de propina. A apuração está baseada na colaboração premiada do doleiro Sérgio Mizhay, preso pela operação Câmbio, Desligo no ano passado. Homologada pelo Tribunal de Justiça do Rio, a delação aponta o empresário Rafael Alves, irmão do presidente da Riotur, Marcelo Alves, como o operador do suposto esquema no município. O prefeito Marcelo Crivella é alvo da investigação. Procurados, Rafael Alves e Crivella não se manifestaram.
O procedimento estava paralisado desde julho, quando o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, suspendeu mais de 900 investigações pelo país que utilizaram dados do antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), atual Unidade de Inteligência Financeira. Por citar Crivella, o procedimento está a cargo do Grupo de Atribuição Originária Criminal do MP-RJ, estrutura que age por delegação do procurador-geral de Justiça, Eduardo Gussem, para apuração de casos envolvendo pessoas com foro especial junto ao Tribunal de Justiça.
Na delação, Mizhay afirma que Rafael Alves tornou-se um dos homens de confiança de Crivella por ajudá-lo a viabilizar a doação de recursos de empresas e pessoas físicas na campanha de 2016. Depois da eleição, o empresário emplacou o irmão na Riotur e, segundo o doleiro, montou um “QG da propina” na prefeitura mesmo sem ocupar cargo. “Rafael Alves viabiliza a contratação de empresas para a prefeitura e o recebimento de faturas antigas em aberto, deixadas na gestão do antigo prefeito Eduardo Paes, tudo em troca do pagamento de propina”, diz Mizhay no anexo 15 da sua delação. O acordo foi homologado pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio, e ratificado pela desembargadora Rosa Maria Helena Guita, do Tribunal de Justiça do Rio, foro responsável por acompanhar investigações que envolvem prefeitos.
Cheques semanais
No depoimento, Mizhay afirma que Rafael Alves lhe entregava semanalmente cheques oriundos de prestadores de serviço da prefeitura para posterior recebimento em espécie. Um dos cheques, conta o doleiro, referia-se à propina paga pela empresa Locanty, especializada em serviços como limpeza, coleta de lixo e locação de veículos. Embora a empresa não tenha contratos na gestão Crivella, ainda protesta recursos a receber da administração passada de um contrato de aluguel de veículos para reboque de carros.
Para comprovar o seu depoimento, Mizhay relata episódios ocorridos nos dias 10 e 11 de maio do ano passado, logo após sua prisão. Diz que dois funcionários da Riotur, empresa comandada pelo irmão de Rafael, estiveram naqueles dois dias na casa de Mizhay para “resgatar” com a sua mulher cheques destinados ao pagamento de propina da Locanty. O doleiro os chama de Johny e Thiago no depoimento. O GLOBO apurou que seus nomes completos são Jones Augusto Xavier de Brito e Thiago Vinícius Martins Silva, e que, de fato, estiveram empregados na Riotur naquele período — atualmente, apenas Thiago continua na empresa municipal, lotado no gabinete da presidência; Jones desligou-se em julho deste ano do Riocentro.
Como evidências de que os fatos descritos realmente ocorreram, Mizhay prometeu entregar aos procuradores um pendrive com imagens dos dias 10 e 11 da portaria do prédio de sua mulher. Além disso, comprometeu-se a levar ao Ministério Público seu motorista, a quem chama de Dudu, que diz ter acompanhado a entrega dos cheques destinados ao pagamento de propina feitos pela Locanty.
Mizhay não detalha na delação o destino do dinheiro que diz ter repassado para Alves nem se Crivella teria conhecimento do “QG da propina” descrito pelo delator. A investigação, contudo, já tem em mãos fotos que mostram a proximidade dos dois e a influência de Alves no dia a dia do município. Há imagens de Alves e Crivella em eventos e caminhando juntos na Barra da Tijuca, além de uma postagem em redes sociais do empresário com os pés sobre uma mesa na sede da Riotur, na Cidade das Artes, onde seu irmão despacha diariamente.
Dívida de R$ 15 milhões
Procurado pelo GLOBO, o dono da Locanty, João Alberto Felippo Barreto, negou que tenha pagado propina para receber restos a pagar do governo Eduardo Paes. Ele afirma que reclama, por meio de um procedimento administrativo na prefeitura, o recebimento de R$ 8 milhões referentes a um contrato de aluguel de veículos para a Secretaria de Ordem Pública. Os valores atualizados, segundo João, já estariam em R$ 15 milhões, mas ele diz não ter recebido nada do município até hoje. Embora o procedimento administrativo esteja aberto desde 2011, segundo o site da prefeitura do Rio, João até hoje nunca entrou com um processo judicial para receber os atrasados.
Perguntado sobre os cheques que assinou e que estão nas mãos de Mizhay, João reconhece a autoria, mas afirma terem relação com outra operação sua. O dono da Locanty conta que usava um advogado para comprar títulos da Dívida Pública e abater do pagamento de impostos. Esse advogado, conta João em sua versão, repassava os cheques para Mizhay atuar como agiota.
Procurados desde a semana passada, a prefeitura e Rafael Alves não se pronunciaram sobre as acusações. O GLOBO não conseguiu localizar os dois funcionários da Riotur citados por Mizhay para apresentar suas versões.
Fonte: O Globo
Créditos: O Globo