eleições 2018

Programa de Marina avança em direitos LGBT, mas ativistas cobram propostas concretas

De campeã da comunidade LGBT, Marina passou em menos de 24 horas a ser atacada como uma candidata contraditória e vulnerável a pressões de grupos religiosos

 

“Liberal na economia e progressista no social”. Assim as manchetes dos jornais definiram, em agosto de 2014, a primeira versão do programa de Governo da então candidata pelo PSB à presidência da República, Marina Silva. A agenda progressista daquele texto, principalmente em relação aos direitos dos homossexuais, arrancou elogios de entidades que defendem a comunidade LGBT e até mesmo de políticos que não a apoiavam no pleito, como o deputado Jean Wyllys (PSOL). Foi uma euforia que durou pouco: pressionada por líderes conservadores, ela, que é evangélica, divulgou em seguida uma versão corrigida de seu plano, no qual não constava mais o apoio ao casamento igualitário nem à criminalização da homofobia. De campeã da comunidade LGBT, Marina passou em menos de 24 horas a ser atacada como uma candidata contraditória e vulnerável a pressões de grupos religiosos.

Quatro anos depois, agora na Rede Sustentabilidade, Marina Silva modulou seu discurso e fez acenos, nas diretrizes do seu atual programa de Governo, à população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros no Brasil. Ativistas e lideranças de associações que defendem os direitos LGBT ouvidos pelo EL PAÍS consideram que os itens elencados pela ex-ministra do Meio Ambiente neste ano representam um avanço em relação à polêmica de 2014 e, principalmente, em comparação a declarações que ela fez em 2010, quando disputou sua primeira corrida presidencial. Entretanto, eles afirmam que as propostas de Marina ainda são vagas e que falta o comprometimento com projetos concretos.

“Se for comparado ao [programa] anterior, pelo fato daquele ter sido sustado, é um avanço no que concerne Marina Silva”, afirma Symmy Larrat, presidenta da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT). “Eu acho que é um programa interessante, mas não é profundo”, complementa Marcelo Cerqueira, presidente do Grupo Gay da Bahia. A campanha da ex-ministra afirma que os pontos apresentados na noite desta terça-feira serão detalhados ao longo das próximas semanas.

Nas atuais diretrizes, as pautas caras ao movimento LGBT recebem maior atenção no apartado Direitos humanos e cidadania plena. Nele, a ex-ministra promete, se eleita, “garantir o respeito e o exercício pleno da cidadania por LGBTIs” e a criar “políticas de prevenção e combate a todas as formas de violência e discriminação”. Além do mais, Marina coloca como prioridade as “ações específicas para frear o alto índice de homicídios e violência física contra LGBTIs”. Afirma ainda que levará em consideração as sugestões do Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos LGBT, lançado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos em 2009. Por último, defende que sejam garantidos em lei os efeitos da decisão judicial que regulamentou o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo; e que haja tratamento igual no processo de adoção aos casais, sejam eles hétero ou homoafetivos.

Apesar dos pontos positivos, Marcelo Cerqueira, do Grupo Gay da Bahia, classificou as diretrizes de “superficiais”. “Faltou falar do combate à LGBTfobia e aos crimes de ódio. É importante que ela fale sobre a criminalização da LFBGTfobia”, afirma. Outro ponto levantado por Cerqueira é a ausência no texto da expressão “identidade de gênero”. “Existem mais de 40 identidades de gênero e o sexo biológico não é determinante”, diz. A cruzada contra a identidade de gênero tem sido uma das principais ações das bancadas conservadoras nos legislativos do país —nos últimos anos, elas conseguiram excluir o termo dos planos de educação sob o argumento de querer evitar o que chamam de “ideologia de gênero”, que pressupõe que cada indivíduo tem o direito de escolher o próprio gênero, sem ser definido, necessariamente, pelo sexo biológico.

 

Symmy Larrat, da ABGLT, vai na mesma linha. “A Marina não cita gênero nem identidade de gênero. Quando ela fala que é preciso combater o bullying por orientação sexual ela está falando de uma categoria, não está falando de todos os LGBTs”, diz, destacando que opina em caráter pessoal por ainda não ter discutido a redação com o restante da diretoria da associação. “Sinto falta de propostas mais nítidas e de um debate que vá além da seara da violência. A gente não enfrenta só a violência. Nós também estamos excluídos do processo de cidadania”, conclui.

Histórico

Posicionar-se em relação a temas polêmicos —como o casamento gay e o aborto— sempre representou um incômodo para Marina Silva, desde que disputou pela primeira vez uma eleição presidencial. Em 2010, por exemplo, ela se declarou contrária ao casamento entre pessoas do mesmo sexo devido a suas convicções religiosas. O desconforto é impulsionado pelo próprio perfil dos seus seguidores mais próximos —muitos dos membros da Rede, partido que Marina criou em 2015, são progressistas nos costumes.

O tom adotado por Marina para se defender das críticas de que sua fé evangélica poderia interferir em seu governo tem sido o da defesa do Estado laico, algo que ela vem reafirmando nas suas declarações. Recentes decisões da Justiça também têm ajudado Marina a suavizar seu discurso. Por exemplo: a norma do Conselho Nacional de Justiça que impede os cartórios de se recusarem a converter uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo em casamento civil abriu uma brecha para que a ex-ministra trate do tema defendendo o respeito a uma determinação judicial, sem abordar diretamente do assunto.

Fonte: El País
Créditos: El País