O presidente da Vale, Fabio Schvartsman, se afastou neste sábado (2) do comando da empresa. O conselho de administração da companhia aprovou o afastamento.
A decisão foi tomada após a força tarefa que investiga o rompimento da barragem de Brumadinho (MG) recomendar o afastamento do executivo e de outros 13 empregados da mineradora.
Em carta endereçada ao Conselho de Administração da Vale, Schvartsman pediu o afastamento temporário das funções “em benefício da continuidade das operações da companhia e do apoio às vítimas e a suas famílias”.
Na carta, o executivo defende sua gestão dizendo que desde o rompimento da barragem de Brumadinho, no dia 25 de janeiro, vem se dedicando a uma apuração independente dos fatos, que fez questão de atender a todas as demandas da imprensa e das autoridades e que procurou transmitir diretamente as vítimas, as suas famílias, à opinião pública, aos acionistas e todos os interlocutores da Vale o compromisso “com a atuação mais adequada e de alto nível possível da companhia, no momento mais grave de sua história” (leia íntegra mais abaixo).
Carta Fabio Schvartsman — Foto: Arte G1
O diretor-executivo Eduardo Bartolomeo vai assumir interinamente a presidência da Vale. A empresa disse, em nota, que seu “Conselho de Administração permanece em prontidão, na busca de um relacionamento transparente e produtivo com as autoridades brasileiras visando o esclarecimento dos fatos, a reparação apropriada dos danos e a integridade da empresa e que manterá a sociedade e os mercados informados sobre qualquer fato novo” (leia a íntegra mais abaixo).
Segundo noticiou o Blog do Valdo Cruz, o Conselho de Administração da Vale decidiu afastar, além de Schvartsman, mais 3 diretores.
A Polícia Federal informou que recebeu dos advogados dos diretores Peter Poppinga, Lucio Cavalli e Silmar Silva o pedido de afastamento deles. O conselho da Vale também informou ter recebido o pedido de afastamento dos três –e “imediatamente” os aceitou.
Mais cedo, a Vale declarou que coopera permanentemente com as autoridades encarregadas da investigação.
Pedido de afastamento de Schvartsman e mais 13
Nesta semana, funcionários da Vale que estão presos afirmaram, em depoimento, que diretores da mineradora sabiam de problemas na barragem que rompeu em Brumadinho (MG), incluindo o risco de liquefação e erosão interna – apontados como possíveis causas do acidente. Até o momento, 186 mortos foram identificados e há 122 pessoas desaparecidas.
As autoridades que recomendaram o afastamento alertaram que, caso a Vale não cumprisse o pedido, a força-tarefa poderia pedir à Justiça a adoção de medidas mais enérgicas, como a prisão das pessoas citadas.
O documento da força-tarefa reúne 45 motivos para justificar o afastamento de Schvartsman e outros 13 diretores, gerentes e técnicos:
- Gerd Peter Poppinga – diretor-executivo de Ferrosos e Carvão;
- Lucio Flávio Gallon Cavalli – diretor de Planejamento e Desenvolvimento de Ferrosos e Carvão;
- Silmar Magalhães Silva – diretor de operações do Corredor Sudeste;
- Alexandre de Paula Campanha – gerente executivo de Governança da Geotecnia Corporativa;
- Marilene Christina Oliveira Lopes de Assis Araujo – gerente de Gestão de Estruturas Geotécnicas;
- Joaquim Pedro de Toledo – gerente executivo de Planejamento e Programação do Corredor Sudeste;
- Cesar Augusto Paulino Grandchamp – geólogo vinculado à Gerência Executiva de Planejamento e Programação do Corredor Sudeste;
- Rodrigo Artur Gomes de Melo – gerente Executivo do Complexo Paraopeba.
Imagens mostram momento em que barragem em Brumadinho se rompeu — Foto: Reprodução/JN
A força-tarefa pediu também que Schvartsman e mais oito dos investigados “sejam proibidos de entrar em prédios ou instalações da mineradora”. Outra recomendação é para que o corpo de empregados da Vale não compartilhasse assuntos de “teor estritamente profissional” com os investigados.
O pedido de afastamento lembra que após a tragédia de Mariana, em 2015, a Vale se comprometeu a criar um setor destinado a aperfeiçoar a gestão de risco na área de barragens. Só que 2 anos depois um estudo independente feito por especialistas denunciou que os testes de laboratório usados para verificar a estabilidade das barragens de rejeitos não eram confiáveis.
O documento reproduz a declaração de um gerente executivo da Vale, que qualificou a barragem de Brumadinho como sendo “mais tenebrosa do que imagino”, e relembra a pressão exercida pela mineradora sobre a empresa de consultoria Tüv Süd para declarar a estabilidade da barragem. Em março e dezembro de 2018 e janeiro de 2019, equipamentos detectaram várias anomalias na estrutura da barragem. E nada foi feito.
Os investigadores lembram ainda que um dos responsáveis pelas decisões da Samarco que levaram ao rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, Gerd Peter Poppinga, foi destacado pelor Schvartsman para auxiliá-lo nas tratativas junto ao governo federal após o rompimento da barragem de Brumadinho.
Fabio Schvartsman
Schvartsman assumiu o comando da mineradora em maio de 2017, quando foi escolhido para substituir Murilo Ferreira. Ele foi eleito pelo Conselho de Administração a partir de uma lista preparada pela empresa internacional de seleção de executivos Spencer Stuart, seguindo as normas e governança da companhia.
Antes de assumir o posto na Vale, Schvartsman foi diretor-geral da Klabin e teve passagens pela Duratex, SanAntonio Internacional e Telemar. Na Ultrapar (Grupo Ultra), trabalhou por 22 anos e atuou como sócio-diretor até 2007.
Ao assumir a Vale, Schvartsman prometeu mudanças na área de segurança da Vale e adotou o lema “Mariana nunca mais”.
Após a tragédia de Brumadinho, ele foi convidado a dar explicações na Câmara dos Deputados. Ao negar qualquer ato de irresponsabilidade ou omissão, ele defendeu a empresa dos ataques que vinha sofrendo.
Fabio Schvartsman, da Vale — Foto: Reuters
Íntegra da carta de Fabio Schvartsman enviada ao Conselho da Vale:
“Tenho em mãos a Recomendação nº 11/2019, dirigida a esse Conselho pelo Ministério Público Federal em conjunto com o Ministério Público do Estado de Minas Gerais e em atuação coordenada com a Polícia Federal e a Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, da qual consta recomendação do imediato afastamento de certos diretores e empregados da Vale, incluindo o meu próprio.
“Como é do pleno conhecimento desse Conselho, desde os dramáticos eventos de 25 de janeiro, venho dedicando todos os minutos de meus dias e noites, no limite máximo de minhas forças, às frentes de reação da companhia àqueles eventos, determinadas por esse Conselho e por mim mesmo, em conjunto com os demais membros da Diretoria, com absoluta priorização do atendimento às vítimas e às suas famílias, à apuração direta e à cooperação com a apuração dos fatos e à preservação das atividades da Vale, cruciais para o Estado de Minas Gerais e para o Brasil”.
“Como esse Conselho de Administração também não desconhece, foram desde logo adotadas pela Diretoria, sob meu comando, todas as medidas necessárias à preservação da integridade da informação disponível, para que a apuração independente dos fatos, pelas autoridades e pelo Comitê imediatamente criado por esse Conselho por proposta da Diretoria, possa ser realizada com a maior brevidade e profundidade”.
“Desde o momento em que ocorreu a tragédia que se abateu sobre as vítimas, suas famílias e sobre esta companhia estratégica para os interesses do país, fiz questão de atender pessoalmente a todas as demandas, da imprensa e das autoridades, sem intermediação de quem quer que fosse, de maneira a transmitir diretamente às vítimas, a suas famílias, à opinião pública, aos acionistas e a todos interlocutores da Vale, o nosso compromisso com a atuação mais adequada e de alto nível possível da companhia, no momento mais grave de sua história”.
“Estou absolutamente convicto de que minha atuação pessoal e a dos demais membros de nossa Diretoria, cujo afastamento é agora solicitado, foi absolutamente adequada, correta e, principalmente, fiel aos nossos valores inegociáveis de proteção à segurança das operações da companhia, e às diretrizes nesse sentido emanadas desse Conselho. Assim como estou absolutamente convicto de que a continuidade de nossa atuação continuaria a ser a maneira mais eficaz de a Vale obter e promover os melhores resultados em sua reação à tragédia. Entretanto, há momentos em nossas vidas em que é preciso sacrificar as convicções pessoais em benefício de um bem maior. E este é um desses momentos, pois minha presença no comando da Vale passou a ser percebida como inconveniente por autoridades que seguirão interagindo diuturnamente com a companhia”.
“É muito difícil para mim, após décadas de atuação como executivo de algumas das maiores empresas do Brasil, e tendo colhido o reconhecimento de minha dedicação e apoio aos milhares de colegas, colaboradores, acionistas e demais constituintes com quem ombreei ao longo de todos aqueles anos na tarefa de gerar empregos, riqueza, tributos e governança de primeiro nível, retirar-me da linha de frente, ainda que temporariamente, quando o desafio mais agudo se apresenta. Mas essa frustação daquilo que percebo como meu dever de dedicação integral às vítimas, a suas famílias, a todos os colaboradores da Vale e ao país, é irrelevante quando comparada à dor que se espalha entre milhares de pessoas neste momento e deve ceder diante do valor maior de preservação dos interesses da nação que a Vale representa”.
“Por tudo isso, ainda que com a absoluta convicção da retidão de minha conduta e do dever cumprido até aqui, e certo de que a percepção dos fatos que levou à recomendação de afastamento não corresponde absolutamente à sua realidade, tomei a decisão, nesta hora, em benefício da continuidade das operações da companhia e do apoio às vítimas e a suas famílias, de solicitar a esse Conselho, respeitosamente, que aceite o pedido de meu afastamento temporário das funções de diretor presidente da Vale”.
Íntegra da nota enviada pela Vale:
“A Vale informa que, ao final de sexta-feira, 01.03.19, seu Conselho de Administração recebeu do Ministério Público Federal, do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, da Polícia Federal e da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais a Recomendação nº 11/2019 com considerações e recomendações sobre afastamento de alguns executivos e colaboradores nos diversos níveis organizacionais da companhia.
O Conselho manteve reuniões durante a noite de sexta-feira 01.03.19 e a manhã de sábado, 02.03.19, incluindo interações com executivos da companhia. Durante as suas discussões, o Conselho recebeu, dos próprios executivos Fabio Schvartsman (Diretor-Presidente), Gerd Peter Poppinga (Diretor-Executivo de Ferrosos e Carvão), Lucio Flavio Gallon Cavalli (Diretor de Planejamento e Desenvolvimento de Ferrosos e Carvão) e Silmar Magalhães Silva (Diretor de Operações do Corredor Sudeste), os pedidos de afastamento temporário de suas funções, que foram imediatamente aceitos.
O Conselho de Administração acionou então o plano de interinidade previamente discutido: nomear Eduardo de Salles Bartolomeo (atual Diretor-Executivo de Metais Básicos) como Diretor-Presidente interino da Vale a partir desta data. Claudio de Oliveira Alves (atual Diretor de Pelotização e Manganês) ocupará interinamente a função de Diretor-Executivo de Ferrosos e Carvão e Mark Travers (atual Diretor Jurídico, de Relações Institucionais e Sustentabilidade de Metais Básicos) ocupará interinamente a função de Diretor-Executivo de Metais Básicos.
A Vale informa também que seu Conselho de Administração permanece em prontidão, na busca de um relacionamento transparente e produtivo com as autoridades brasileiras visando o esclarecimento dos fatos, a reparação apropriada dos danos e a integridade da empresa e que manterá a sociedade e os mercados informados sobre qualquer fato novo”.