Em junho, os ministros do STF impuseram o primeiro revés ao Palácio do Planalto ao decidir por unanimidade colocar limites à extinção de conselhos por Bolsonaro. O tribunal determinou naquela ocasião que o governo federal não pode extinguir conselhos que tenham sido criados por lei.
A controvérsia foi alvo de quatro ações ajuizadas por partidos políticos — PSB, Rede Sustentabilidade, PT e PDT.
O tema também expôs as tensões na relação do Planalto com o Congresso Nacional e o STF. Ao assumir o comando do governo, em janeiro, o presidente Jair Bolsonaro editou uma medida provisória que reestruturava o governo e transferia a demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura. O texto foi aprovado pelo Congresso Nacional, mas com alterações — uma delas foi justamente manter essa responsabilidade com a Funai.
Após a derrota parcial no Parlamento, o governo contrariou o Congresso e editou uma nova medida provisória, em mais uma tentativa de deixar com a pasta da Agricultura a demarcação, o que foi suspenso por Barroso. A mudança da transferência da demarcação é um pedido da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), uma das maiores bancadas do Congresso.
“O comportamento do atual presidente revelado na atual edição de medida provisória rejeitada pelo Congresso no curso da mesma sessão legislativa traduz uma clara, inaceitável transgressão à autoridade suprema da Constituição Federal e uma inadmissível e perigosa transgressão ao princípio fundamental da separação de poderes”, disse o ministro Celso de Mello, decano do STF.
Celso fez o voto mais longo e a fala mais contundente de crítica ao governo Bolsonaro durante a sessão. Nos últimos meses, o decano tem se tornado um dos principais porta-vozes do Supremo em defesa da liberdade de manifestação e do tribunal. O ministro se aposenta compulsoriamente em novembro de 2020, quando completa 75 anos.
Celso de Mello: ‘Parece ainda haver na intimidade do poder um resíduo de autoritarismo’
No julgamento sobre a demarcação de terras indígenas, Celso ainda afirmou que comportamentos ofensivos ao princípio da divisão de poderes “acabam por gerar no âmbito da comunidade estatal situações instauradoras de desrespeito concreto ao sistema de poderes limitados”.
“O regime de governo e as liberdades da sociedade civil muitas vezes expõem-se a um processo de quase imperceptível erosão, destruindo-se lentamente e progressivamente pela ação ousada e atrevida quando não usurpadora dos poderes estatais, impulsionados muitas vezes pela busca autoritária de maior domínio e controle hegemônico sobre o aparelho de Estado e direitos e garantias básicas do cidadão”, afirmou o decano.
“Parece ainda haver na intimidade do poder um resíduo de indisfarçável de autoritarismo, despojado sob tal aspecto quando transgride a autoridade da Constituição. É preciso repelir qualquer ensaio de controle hegemônico do aparelho de Estado por um dos poderes da República”, completou.
Para a ministra Cármen Lúcia, o governo Bolsonaro fez uma “agressiva confrontação” com o texto da Constituição ao reeditar uma medida provisória rejeitada pelo Congresso Nacional.
Fonte: Terra
Créditos: Rafael Moraes Moura