"fere o Estado laico"

Política de Damares se opõe à Bíblia, diz pastor de frente progressista

ara ele, a também pastora Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, fere o Estado laico e vai contra os ensinamentos da Bíblia

Uma frente evangélica progressista passou a se organizar na esteira da eleição Jair Bolsonaro (PSL), que contou com a adesão de setores evangélicos mais conservadores. Crítico das políticas adotadas, o teólogo e pastor batista Henrique Vieira, 31, afirma que o governo federal opta por punir muito e dar o mínimo de direitos à população. Para ele, a também pastora Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, fere o Estado laico e vai contra os ensinamentos da Bíblia.

Henrique, que se destacou em atos após o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e em prol da candidatura de Fernando Haddad (PT) à Presidência, não encara a ministra como uma “caricatura”, mas como a personificação de um governo que lança mão de instituições de Estado e políticas públicas para transformar visões religiosas em um projeto político.

Declarações de Damares têm provocado polêmica, entre elas, está a que conclama uma nova era, na qual “menino veste azul e menina veste rosa” –citação que depois justificou ser uma “metáfora” contra o que chama de ideologia de gênero–, e uma entrevista de 2013 sobre a igreja evangélica ter perdido espaço na ciência “quando nós deixamos a teoria da evolução entrar nas escolas”.

“O problema não é ser religiosa, é que ela tem uma visão de mundo fundamentalista, autoritária, que não dialoga com a diversidade, não acolhe e nem respeita as pessoas que são as principais vítimas das diversas formas de violência e preconceito no Brasil”, afirma Henrique Vieira.

Preocupam o teólogo os destinos de grupos indígenas, cuja Funai (Fundação Nacional do Índio) passou para o ministério de Damares e teve retirada a demarcação de terras de seus trabalhos; LGBTs e de movimentos sociais, como sem-teto e sem-terra, já criticados por Bolsonaro.

“[A ministra Damares] contraria os princípios mais elementares da própria Bíblia. Eu faço uma disputa de memória de quem foi Jesus. Na qualidade de teólogo, de pastor, eu vejo na fala dela um contrassenso em relação ao Evangelho.”

Jesus não caminhou impondo nada a ninguém, caminhou protegendo as pessoas da violência, distribuindo o perdão, amando incondicionalmente e acolhendo todas as pessoas, especialmente as mais desprezadas e despercebidas.

Pastor Henrique Vieira

Apesar das polêmicas, a ministra recebeu em janeiro o diretor para as Américas da Human Rights Watch, uma das principais ONGs de direitos humanos do mundo, José Miguel Vivanco, que não poupa críticas a Bolsonaro, mas que ouviu um compromisso de Damares Alves por uma ampla agenda de direitos humanos.

A reportagem procurou o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, mas a pasta não se pronunciou sobre as declarações do pastor ao UOL. Vieira admite que a visão conservadora evangélica, que ajudou a eleger Bolsonaro, é majoritária no país, mas ressalta que não é única.

Justamente por apresentar uma versão progressista da fé cristã, Vieira viu suas redes sociais serem catapultadas. Seu Instagram, por exemplo, saltou de 28 mil curtidas durante a campanha eleitoral do ano passado para quase 96 mil neste mês.

A ESQUERDA E O CAMPO EVANGÉLICO

O pastor Henrique Vieira recebeu o UOL na casa onde mora com a mulher e a filha no bairro de Laranjeiras, na zona sul do Rio de Janeiro. Criado em lar evangélico, ele é formado em História e Ciências Sociais, além de Teologia. Recentemente também participou como convidado do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo, e estreou no cinema no papel de um frei dominicano no filme “Marighella”, dirigido por Wagner Moura, que ainda não chegou ao Brasil.

Filiado ao PSOL, chegou a disputar uma vaga na Câmara de Vereadores de Niterói (região metropolitana do Rio). Suplente de Talíria Petrone, eleita deputada federal pelo PSOL nas eleições de 2018, Henrique optou, contudo, por não assumir a vaga. Ele afirma ter se afastado da militância partidária por entender que sua atuação como líder religioso é mais importante.

“Se [Silas] Malafaia é evangélico, não se desespere, Martin Luther King também era”, é uma de suas postagens nas redes sociais, que demarca vertentes evangélicas contrastantes. A mais conservadora, de Malafaia, tem mostrado força nas eleições, e aposta forte em discurso de guerra a uma suposta doutrinação ideológica de esquerda, o qual ganhou votos de fiéis preocupados com pautas morais, como a oposição à chamada ideologia de gênero, a criminalização do aborto e a descriminalização das drogas.

“Tudo que os coronéis da fé querem é mais ou menos assim: nós somos os pastores, eles são os ativistas”, pontuou. “Me causa espanto parte da igreja ficar escandalizada, por exemplo, com a luta das mulheres, mas não sentir dor no coração com crianças que passam fome, com famílias que não têm um teto para morar.”

Ao observar a força do voto evangélico na vitória de Bolsonaro e negando que a maioria desse eleitorado seja “fascista”, ele propõe o diálogo e vê na Bíblia uma ferramenta para demonstrar que a essência do cristianismo é a justiça social.

Acho que nós vivemos um momento difícil no nosso país, uma crise econômica profunda, a violência urbana é uma realidade. Eu não posso olhar para cada irmão que votou no Bolsonaro e dizer: ‘seu fascista que não entende nada do Evangelho.’

Henrique Vieira diz acreditar que a construção de um projeto diferente e popular passa pelo diálogo com esse público, especialmente o evangélico (29% dos fluminenses, segundo o último Censo do IBGE, de 2010), com respeito “à angústia real que as pessoas têm por esses temas”.

Para ele, o caminho é uma conversa que esclareça fake news, indo além do embate entre direita e esquerda, e use a Bíblia contra um discurso de violência e preconceitos.

O que de fato destrói uma família? A orientação sexual de um adolescente que se descobre gay ou a violência que ele sofre quando se descobre gay? A opção sexual ou o ambiente de intolerância?

“Eu não defendo a prática do aborto, mas eu entendo que a política que criminaliza não salva nem a vida das mulheres, nem a vida das crianças”, pondera.

Vieira faz parte do coletivo Esperançar, um dos puxadores da frente “O amor vence o ódio”, que surgiu durante as eleições e segue em atividade reunindo grupos religiosos progressistas de diversas igrejas, antagônicos às propostas do governo de Jair Bolsonaro.

“O desafio é organizar esse povo que, a partir da fé em Jesus, quer desautorizar o fundamentalismo evangélico”, projetou.

Fonte: Uol
Créditos: Uol