“Não adianta ter economia equilibrada, moeda estável, se a maioria do povo brasileiro está morrendo de fome”. A frase foi dita no início da década de 90 por Leonel Brizola, mas permanece sempre atual e, em tempos de pandemia somado a política econômica do Governo, o Brasil volta a enfrentar problemas que pareciam estar longe da nossa realidade. Enquanto o Ministério da Economia e o presidente comemoram a pequena alta do PIB (Produto Interno Bruto), a população mais pobre sofre para conseguir colocar comida na mesa.
Num país com índices de desigualdade social alarmantes, sendo o oitavo país mais desigual do mundo, a reação que a economia começa a apresentar só favorece as classes mais ricas. Em português direto: “É que o de cima, sobe; e o de baixo, desce”. Entre maio de 2020 e maio deste ano, a inflação para as famílias que tem renda mais baixa chegou a 8,91% no acumulado de 12 meses.
Os dados foram divulgados pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). O instituto considera neste grupo as famílias que tem faixa mensal domiciliar menor do que R$ 1.650. O percentual está 0,85 ponto percentual acima do índice oficial medido pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que mostrou taxa de 8,06% no acumulado de 12 meses até maio.
Enquanto a inflação oficial do país foi de 0,83% no mês, o Ipea calculou índice de 0,92% para as pessoas com renda baixa. O encarecimento do custo de vida para os mais pobres se deve à cesta de consumo do grupo. As famílias de renda muito baixa são mais afetadas com a alta dos preços de artigos de residência, habitação e alimentos, que puxaram a inflação em maio.
Em contrapartida, a inflação para as pessoas de classe alta foi de 6,33% no acumulado de 12 meses. Neste grupo estão os que tem renda mensal domiciliar maior do que R$ 16.509. Veja o percentual de inflação em todas as faixas de renda:
8,91% – Renda muito baixa
8,73% – Renda baixa
8,59% – Renda média baixa
7,94% – Renda média
7,06% – Renda média alta
6,33% – Renda alta
Valores que compreendem as rendas acima (comparativo entre 2009 e 2021):
Ao passo que se comemora o aumento do PIB nos primeiros três meses do ano, com alta de 1,2% sobre o trimestre anterior, não é toda a população que sente essa diferença. Como já mostram os números acima, a retomada é desigual. Uma frase atribuída ao ex-primeiro ministro britânico, Benjamin Disraeli, aponta que existem três tipos de mentiras: as mentiras comuns, as mentiras deslavadas e a estatística.
Dentro dessa perspectiva, a alta do PIB é uma mentira estatística e comemorar números que não refletem a realidade da população é o retrato de uma política econômica que despreza classes sociais. Os sinais de recuperação da atividade econômica vêm do comércio exterior, com um novo ciclo de commodities. Mas esse fator não é suficiente para resolver os problemas do desemprego e queda da renda.
Há sinais de retomada na economia brasileira graças a fatores externos, de países que atuaram forte com a vacinação e ganharam mais dinamismo econômico, avalia o diretor-adjunto do Dieese, José Silvestre. “Mas esses sinais não chegam à mesa do trabalhador e das classes mais pobres”, afirma. “São sinais positivos, mas há outros sinais contrários, como a ampliação do desemprego e a queda na renda das famílias. O PIB pode até crescer 4% neste ano, mas se chegar a esse patamar no máximo recupera o tombo de 2020, que foi de 4,1% negativo”, afirmou o analista em entrevista ao jornal da Rádio Brasil Atual.
Um estudo feito pela Tendências Consultoria e divulgado pela GloboNews, com base em dados do IBGE, Ministério da Economia e Ministério da Cidadania atesta o aprofundamento da desigualdade com o ciclo da economia e mostra que a recuperação econômica beneficiará apenas as classes mais altas, enquanto 1,2 milhão de famílias retrocederá à pobreza, para as classes ‘D’ e ‘E’.
Entre as causas que dificultam a recuperação da economia para as classes mais baixas, Silvestre apontou o auxílio emergencial. O benefício, fundamental para o enfrentamento da pandemia, ficou um período de três meses suspenso e foi retomado com a metade do valor. A correção do salário mínimo também tem impacto negativo na renda. Desde o Governo Temer, o ciclo de ganho real do salário mínimo, que foi implementado pelos governos Lula e Dilma, foi interrompido. Na gestão Bolsonaro, a correção foi, inclusive, abaixo da inflação. Silvestre avalia que essa desatenção com o salário mínimo afeta especialmente famílias que tem renda mensal em torno de 2,7 salários.
Famílias voltam a apostar no ovo… por enquanto
Em reportagem do G1 divulgada após o Governo comemorar a alta do PIB, uma frase chama atenção: “Carne a gente não voltou a consumir até hoje”, contou Alexsandro Melo de Oliveira, de 35 anos. Essa é a realidade de inúmeros brasileiros. Inclusive, a estratégia do Governo que tentou evitar a realização do Censo neste ano, barrada pelo STF, pretendia esconder os números que refletem a pobreza no país.
Com as constantes altas no preço da carne, o ovo monopolizou o espaço na mesa dos brasileiros. “Eu sempre comprava costela, bife ou frango. Mas hoje bife é para rico. Aqui em casa, nem pensar. Quando compro alguma coisa diferente, é coxa e sobrecoxa. Até o pé do frango está caro”. Esse relato é de Maria José, moradora de São Paulo, um retrato que, se na principal metrópole do país a situação é precária, quem dirá no Nordeste.
Um estudo do Food for Justice: Power, Politics, and Food Inequalities in a Bioeconomy (Comida por Justiça: Poder, Política e Desigualdades Alimentares em uma Bioeconomia, em tradução livre), da Universidade Livre de Berlim, apontou que o ovo foi o alimento que teve maior aumento no consumo dos brasileiros durante a pandemia: 18,8%. Na avaliação dos pesquisadores, esse crescimento no consumo de ovos aponta para uma substituição no consumo de carne, que teve redução de 44%. No entanto, o preço do ovo subiu 14% só em abril, devido ao aumento da demanda e a baixa oferta.
A mentira estatística
O Governo tem consciência que os números que parecem elevar a economia são seletivos, mas adota o discurso para cegar a população. Afinal, é essa a política econômica do Paulo Guedes: a de privilégios. Enquanto se passa a imagem de uma economia voltando a se equilibrar e o presidente promove a disseminação do vírus em motociatas e visitas para inaugurar obras já inauguradas, a população sofre e vê que a realidade do Governo, que gasta milhões em churrasco, passa longe da porta de suas casas.
Além dos privilégios para o topo da pirâmide, a incerteza política, com o Governo vivendo seu pior momento e vindo à tona, na CPI da Pandemia, as omissões, fruto do negacionismo que virou política pública, geram incerteza e potencializam a crise. A desconfiança política e financeira passa ainda pelas dúvidas sobre a vacinação no país, após os esforços para não adquirir imunizantes (exceto a Covaxin). Tudo isso impede que os investimentos externos encontrem a segurança necessária para apostar no Brasil.
*Samuel de Brito, com informações de BBC, G1, Poder 360 e Rede Brasil Atual
Fonte: Samuel de Brito
Créditos: Polêmica Paraíba