O México vai eleger seu próximo presidente neste domingo, 1º de julho. Pelo WhatsApp, um “aviso urgente” se espalha entre os mexicanos: “Amigos, é necessário que a população leve sua caneta para votar, já que os lápis que são fornecidos podem ser apagados. Isso é verdade. Meu diretor será presidente de uma seção de votação e testou os lápis. Por favor, compartilhem…”.
Também por WhatsApp, os mexicanos recebem outra informação urgente: o Instituto Nacional Eleitoral do México teria pago propina para a FIFA para que a seleção do país jogasse na Copa do Mundo no mesmo dia das eleições, o que diminuiria o comparecimento às urnas.
As duas mensagens são falsas. Primeiro, o México não vai jogar no domingo de eleições, mas sim no dia seguinte, contra o Brasil. Com relação aos lápis, eles existem de fato, já que o voto é em cadernetas de papel. Mas são produzidos com uma tecnologia diferente e sua marca não pode ser removida. Em todo caso, quem ficar desconfiado pode levar sua própria caneta.
Essa é apenas uma pequena parte da teia de mentiras sobre as eleições mexicanas, que estão se difundindo pela internet, principalmente pelo WhatsApp e pelo Facebook.
São supostas denúncias em primeira mão, declarações fajutas, difamações de candidatos ou notícias que a imprensa estaria escondendo do público. Em geral, partem de um elemento que parece verdadeiro – como a Copa e os lápis eleitorais.
“As eleições no México sempre foram conhecidas por serem negativas e com muita notícia falsa. A diferença é que agora o WhatsApp permite que as fake news (notícias falsas, em inglês) tenham uma distribuição mais rápida e escalada”, diz o brasileiro Maurício Moura, fundador da Ideia Big Data, empresa que faz pesquisas de opinião e que está trabalhando em uma campanha política estadual no México.
Brasil e México são parecidos no uso de WhatsApp
O cenário mexicano é um alerta para o Brasil, que vai votar para presidente três meses depois do vizinho latino-americano, em 7 de outubro. Nos dois países, o comportamento digital da população é extremamente parecido.
Tanto no Brasil quanto no México, o WhatsApp é o aplicativo com maior alcance, segundo a pesquisa Futuro Digital Global 2018. Cerca de 60% da população dos dois países usa o app de conversas. De cada 7 minutos que brasileiros e mexicanos passam na internet, 1 deles é no WhatsApp.
Já nos Estados Unidos e no Canadá, o Facebook é o app mais importante; na França e na Alemanha, o Google Play.
“A diferença da América Latina em relação aos Estados Unidos e Europa é o WhatsApp. Lá, o app não é relevante para a desinformação. Aqui, sim”, afirma Tania Montalvo, editora executiva do Animal Político, um dos sites de jornalismo político mais lidos do México.
“É claro que as pessoas também compartilham fake news no Facebook e no Twitter. Mas no WhatsApp as mensagens são mais violentas e as mentiras maiores”, completa Montalvo.
“O debate político no WhatsApp é um fenômeno muito latino-americano. Os países desenvolvidos, como os Estados Unidos, usam pouco o app. Já no Brasil e no México, o conteúdo político é muito compartilhado na plataforma, principalmente nos grupos”, explica Moura.
Foi o que ocorreu no Brasil em maio, quando a greve dos caminhoneiros parou o país por 10 dias. O protesto foi mobilizado pelo WhatsApp.
“Assim como no México, acredito que o Brasil vai passar pelas eleições com uma maré de fake news no WhatsApp muito forte”, avalia o brasileiro, que também pesquisa o uso de redes sociais nas eleições na Universidade George Washington, nos Estados Unidos.
Fakes miram López Obrador, em primeiro lugar nas pesquisas
Grande parte das mentiras espalhadas nas eleições mexicanas são direcionadas ao candidato que está em primeiro lugar nas pesquisas de opinião: Andrés Manuel López Obrador, do Movimiento de Regeneración Nacional (Morena), ex-prefeito da Cidade do México, de esquerda.
Conhecido no país pelas suas iniciais, AMLO, ele já foi filiado ao Partido Revolucionário Institucional (PRI), grupo político que governou o México por décadas e do qual faz parte o atual presidente Enrique Peña Nieto.
Hoje, López Obrador é oponente do PRI, que tem um candidato próprio – o ex-ministro José Antonio Meade, em terceiro lugar nas pesquisas.
Porém, um dos vídeos falsos que circula no México diz que López Obrador seria o verdadeiro candidato do PRI: “Não dê seu voto para o PRI. Não vote por AMLO”. É uma mensagem que favorece o segundo colocado nas pesquisas, o candidato Ricardo Anaya, do conservador Partido de Ação Nacional (PAN).
Outra notícia falsa relacionada a López Obrador é um suposto vídeo em que o Papa Francisco teria dito que “as ideologias de AMLO são ditaduras que não servem”. O vídeo mentiroso foi visto no Facebook mais de 2,5 milhões de vezes.
Também estão circulando no WhatsApp diversos vídeos satíricos sobre López Obrador. Em um deles, é chamado de velho, incapaz de governar o país – tem 64 anos, o candidato à Presidência mais velho. Em outro, adquire um “kit autoritarismo do século XXI, ensinado pelos melhores ditadores da América Latina”.
“A campanha de López Obrador está, basicamente, se defendendo de ataques no WhatsApp. Tentam colar nele a imagem do novo Hugo Chávez (ex-presidente da Venezuela) e ele tenta se desvencilhar”, afirma Maurício Moura.
Mas López Obrador não é o único candidato a ser vítima das fake news. Todos estão no radar. Outro vídeo que viralizou, por exemplo, afirmava que o candidato Anaya apoiava a ideia do presidente americano Donald Trump de construir um muro na fronteira entre Estados Unidos e México – medida rechaçada pelos mexicanos. Também era mentira.
Por outro lado, a eleição mexicana está cheia de fatos que parecem falsos, mas são verdade. Circulou nas redes sociais que a campanha de Anaya, por exemplo, criou cartões bancários com a inscrição “$1500 pesos mensais”, que vinham acompanhados de uma carta em que o presidenciável dizia: “agradeço seu apoio”.
Muita gente achou que era mentira, mas não. Era um protótipo real de um programa de Anaya, pelo qual cada mexicano terá direito a uma renda mínima. A propaganda foi criticada por ser clientelista – pede voto enquanto promete dinheiro.
WhatsApp é o ambiente digital mais difícil de combater notícias falsas
As notícias falsas ganharam destaque em 2016, durante as eleições americanas que elegeram Donald Trump. Na época, o Facebook foi inundado por informações mentirosas. Segundo análise do BuzzFeed News feita na rede social, as 20 maiores notícias falsas tiveram mais alcance que as 20 maiores notícias verdadeiras.
Colocado contra a parede, o Facebook se comprometeu a implementar medidas para combater a propagação de notícias falsas. No Brasil, elas já estão em vigor. Durante as eleições, isso deve se intensificar.
Já no WhatsApp, o combate às fake news é muito mais difícil. O conteúdo vai direto de um usuário para outro, em um diálogo criptografado. Assim, o app não tem conhecimento sobre o que está sendo compartilhado e nem sabe quantas pessoas receberam um determinado conteúdo.
Além disso, não há registro de quem foi o autor original da informação. As mensagens vão se espalhando em um esquema de pirâmide anônima e é impossível rastrear em que celular e quando uma mensagem viral foi gerada.
“Minha hipótese é que é muito mais fácil compartilhar uma fake news em um canal privado como o WhatsApp, porque você não corre o risco de receber críticas públicas por estar compartilhando mentiras”, completa a jornalista Montalvo, do Animal Político. Enquanto isso, no Facebook, um comentário crítico fica visível para todos os amigos.
Mexicanos lançam iniciativa para combater fake news nas eleições
“A tia Elenita e o primo Jorge estão compartilhando, outra vez, notícias suspeitas no WhatsApp? Nos mande essa informação duvidosa com a hashtag #QuieroQueVerifiquen (quero que verifiquem)”.
A mensagem acima até dialoga com a realidade brasileira – afinal, quase todo mundo tem um parente que compartilha notícia falsa no WhatsApp – mas foi postada no Twitter no México.
O autor do post é o Verificado 2018, uma plataforma de checagem de conteúdo do WhatsApp e das redes sociais, criada este ano por um grupo de jornalistas mexicanos.
O objetivo é enfrentar a multiplicação de notícias falsas nas eleições. Como funciona? Primeiro, o público envia uma mensagem para o projeto – no WhatsApp, Twitter ou Facebook – com a informação que gostaria de checar. A plataforma, então, escolhe os pedidos cujos conteúdos estão sendo mais compartilhados.
Depois, verifica se é verdade, transforma a investigação em vídeos e imagens – com uma linguagem cheia de memes – e envia de volta para quem perguntou.
A diferença em relação a grupos de checagem de informações brasileiros é essa ponte com o público. No WhatsApp, o Verificado já recebeu mais de 45 mil mensagens – e respondeu 26 mil delas com conteúdo checado.
Já no Twitter, a hashtag do projeto (#QuieroQueVerifiquen) foi usada 25,8 mil vezes. No Facebook, foram 8,5 mil pedidos. Até agora, mais de 350 histórias foram publicadas.
A equipe é formada por membros de dois grupos jornalísticos: o Animal Político, a AJ+ México – um braço digital da Al Jazeera. Mais de 90 organizações são parceiras na distribuição do conteúdo, como a Televisa, mais importante rede de TV do México.
Grande parte dos conteúdos falsos recebidos pela equipe do Verificado 2018 vieram do WhatsApp. “O WhatsApp está desempenhando um papel importante na difusão de notícias falsas. O conteúdo que nós mais recebemos para verificar no app são teorias de conspiração, além de correntes com notícias falsas”, diz Yuriria Ávila, uma das jornalistas mexicanas que faz as checagens do Verificado.
“O WhatsApp é um desafio particular, porque é uma conversa privada, o conteúdo não fica público como no Facebook e no Twitter”, afirma Diana Larrea, editora de conteúdo da Al Jazeera Media Institute e integrante da equipe do Verificado 2018.
“Não dá para deixar o WhatsApp de lado. Mas achamos fake news em todas as plataformas. Então, na verdade, não podemos negligenciar nenhuma”, acrescenta Larrea.
Truques para identificar se uma informação é falsa
Além de checagens, o Verificado 2018 produz tutoriais para ajudar o público a identificar uma mentira. Entre eles, estão seis dicas para frear as notícias falsas – válidas tanto no México quanto no Brasil.
Em primeiro lugar, se você não leu a notícia, não compartilhe. O título pode ser enganoso. Segundo, sempre procure quais são as fontes. Quem disse? De onde tiraram a informação? Se não sabe de onde veio, a notícia pode ser falsa.
Terceiro, tome cuidado com notícias super exclusivas, mas que não foram replicadas por mais ninguém. “Quando mais ninguém fala de uma notícia, o mais provável é que seja mentira”, explica o Verificado 2018.
Também é preciso ter atenção com o disse-que-me-disse. Uma notícia que cita como fonte outra notícia, que por sua vez cita uma terceira, sem informar a fonte original da informação, provavelmente é falsa.
Além disso, se a notícia está cheia de erros de ortografia ou se tem mais adjetivos do que dados, pode ser mentira. “Você também tem o poder de barrar a desinformação”, conclui a equipe do Verificado 2018.
“Nós sentimos que as pessoas estão mais conscientes de que as notícias falsas estão sendo espalhadas. E que estão mais cautelosas e céticas sobre a informação que recebem nas redes sociais”, fala Yuriria Ávila.
Fonte: G1
Créditos: G1