Manifestações por intervenção militar, eufemismo para golpe militar, são uma afronta à Constituição e poderiam ser caracterizadas como crime previsto na LSN (Lei de Segurança Nacional), com pena de um a quatro anos de reclusão, segundo especialistas ouvidos pela Folha.
A expressão “intervenção militar” inexiste na Constituição e começou a ser usada na internet por grupos minoritários na esteira dos protestos de rua de junho de 2013.
Trata-se de uma interpretação “manifestamente errada” do artigo 142 da Constituição, segundo o ex-presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) Ayres Britto.
O artigo estabelece que às Forças Armadas competem três funções: “defesa da pátria, garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
Nenhuma deles, conforme o ex-ministro, autoriza o emprego de força militar contra autoridades do Executivo a fim de destituí-las.
Britto mencionou o artigo 142 inserido no título V, que trata “da defesa do Estado e das instituições democráticas”.
“Pedir intervenção é reivindicar para as Forças Armadas uma função que não é delas. Qualquer saída de qualquer crise é pela Constituição e não da Constituição”, disse o ex-ministro.
Sobre o entendimento de que manifestações pela volta da ditadura militar estão protegidas pela liberdade de expressão, valor consagrado na Constituição, o ex-ministro discorda. “Esse tipo de pedido de ‘intervenção’ é juridicamente impossível, porque é enlouquecidamente inconstitucional. Implica um atentado contra o estado democrático e a ordem constitucional.”
Britto também lembrou do artigo 5º da Constituição, que diz ser “crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o estado democrático”.
Assinada pelo presidente general João Baptista Figueiredo em 1983, antepenúltimo ano da ditadura militar, a LSN é controversa, mas já foi utilizada, por exemplo, contra integrantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
No seu artigo 23, a LSN veda incitar “à subversão da ordem política ou social” e “à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis”.
O artigo 22 também estipula que é crime “fazer, em público, propaganda […] de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social”. Os dois artigos preveem penas de 1 a 4 anos de reclusão.
“Há previsão legal, por exemplo, que impede o indivíduo de fazer uma tentativa de ruptura do sistema democrático. O direito da manifestação encontra limites na legislação criminal”, disse o juiz.
Como juiz federal de primeira instância em São Paulo, Sanctis cuidou de casos criminais de grande repercussão, como a investigação sobre o Banco Santos e as operações Castelo de Areia e Satiagraha.
O advogado criminalista Luís Henrique Machado, que atua em casos criminais no STF contra políticos com foro especial, ponderou que “a situação é muito nova e tanto a Lei de Segurança Nacional quanto o Código Penal falam em incitar e apologia como tipos penais”, mas “o problema todo é que isso tudo pode desembocar numa discussão constitucional”.
Machado deu como exemplo a “Marcha da Maconha”, em São Paulo, cuja legalidade foi questionada mas acabou reconhecida em decisão do STF de junho de 2011. De acordo com o voto do relator, o ministro Celso de Mello, o ato não constituía apologia ao crime, prevalecendo as liberdades de expressão e de reunião.
“Porque o simples fato de uma pessoa manifestar a liberdade de expressão e de pensamento não quer dizer que ela esteja cometendo crime. No caso da marcha, por exemplo, não se levou adiante um processo penal em razão dessas atitudes”, disse o advogado, para quem sobre a legalidade dos pedidos de “intervenção militar” ainda não chegou aos tribunais.
“Em algum momento pode ser que essas questões sejam analisadas pelo Judiciário em detalhes, e então as coisas ficariam mais claras. Até agora isso não ocorreu.”
Fonte: Folha de São Paulo
Créditos: Folha de São Paulo