A proposta de fazer uma reforma da Previdência infraconstitucionalmente, ou seja, sem a necessidade de mexer na Constituição, está no forno. O presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), recebeu ontem as primeiras sugestões de medidas que podem ser levadas adiante até por meio de projeto de lei complementar, sem a necessidade de enfrentar o desgaste de articular com o presidente Michel Temer (MDB) a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que se encontra na Câmara.
Em reunião com parlamentares, ontem, Bolsonaro recebeu um levantamento feito pela área técnica da Câmara dos Deputados de propostas que podem ser adotadas. Entre elas está a extinção da fórmula 85/95, que permite o recebimento da aposentadoria integral. A eliminação levaria os contribuintes a ficarem sujeitos ao fator previdenciário. Na prática, provocaria a redução do valor da aposentadoria para quem se aposenta jovem.
Além dessa medida, outra proposta infraconstitucional é mudar as regras para concessão do benefício de pensão por morte que, hoje, é integral, independentemente do número de dependentes. O governo defende reduzir o benefício para 50%, com adicional de 10% por dependente, no limite de 100%. Também há a sugestão de fixar um teto para o acúmulo de benefícios de três salários mínimos ou 50% do maior benefício. A aposentadoria por invalidez que, atualmente, é integral, pode entrar nas modificações. A sugestão é que o benefício passe a ser proporcional. A alteração do tempo de contribuição e na fórmula de cálculo dos benefícios são outras medidas a serem implementadas nos mesmos moldes, por projeto sem mudança na Constituição.
A manobra de reformar a Previdência sem mexer na Carta Magna não é novidade. A própria fórmula 85/95 foi criada pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT), por meio da então Medida Provisória (MP) 676/15 — a mesma que técnicos do Congresso sugerem extinguir. As atuais regras de pagamento de pensão por morte, que também estão na mira das sugestões, foram igualmente instituídas pela petista, com a MP 664/15. Ambos precedentes, inclusive, podem não ser descartados por Bolsonaro.
Na quarta-feira, Temer disse que não mediria esforços para aprovar propostas de interesse de Bolsonaro. Declarou, ainda, que cooperaria “intensamente”. Em agradecimento, o presidente eleito não descartou procurar o emedebista mais vezes até o fim do ano para, juntos, tocarem os projetos de interesse. Encaminhar uma reforma da Previdência infraconstitucionalmente por MP daria mais celeridade do que propor por projeto de lei complementar. Ao entrar em vigor, esse dispositivo tem força de lei. Restaria aprovar no Congresso.
Privado e público
O grosso da reforma da Previdência possível de ser feito infraconstitucionalmente, no entanto, recai quase que integralmente sobre os trabalhadores do setor privado. No setor público, as mudanças precisam ser feitas por meio de uma PEC. A alternativa de um ajuste no funcionalismo é elevar a alíquota previdenciária para servidores públicos federais. A proposta, no entanto, é polêmica: Temer tentou fazer isso em 2017. O tema foi encaminhado por MP ao Congresso, mas o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a tramitação. Pela proposta, a contribuição previdenciária dos servidores passaria de 11% para 14% para aqueles que recebem salários acima de R$ 5 mil. O entendimento do magistrado era de que a medida não poderia ser escalonada, de modo que atingisse apenas alguns.
Cálculos preliminares de técnicos do Parlamento apontam que, se o pacote de propostas for aprovado integralmente, como se propõe, poderia preservar algo em torno de 70% da economia prevista pela PEC da Previdência. No texto atual, a estimativa é de um afrouxamento fiscal de R$ 500 bilhões em 10 anos. Por ora, no entanto, é difícil ter uma previsão mais assertiva do controle de gastos que pode ser alcançado.
A economia potencial que pode ser atingida com as medidas infraconstitucionais só terá estimativa mais precisa quando houver a solicitação formal de um parlamentar à consultoria legislativa da Câmara. As áreas de finanças públicas e de Previdência da Casa, no entanto, desconhecem o estudo apresentado a Bolsonaro, afirmam técnicos consultados pelo Correio. “O levantamento pode ter sido feito em outro setor”, declarou um técnico. “Para calcularmos algo, precisamos saber exatamente o que querem mudar. Existem, de fato, alternativas, mas no nosso departamento não há cálculo de impacto”, disse outro.
Fonte: Correio Braziliense
Créditos: Correio Braziliense