A avalanche de acusações contra Ricardo Coutinho (PSB), ex-governador da Paraíba que chegou a ser preso no fim do ano passado e denunciado neste mês sob acusação de organização criminosa, afeta as articulações eleitorais no campo da esquerda por atingir em cheio o principal elo entre o PT e o PSB.
Fiel escudeiro do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Coutinho pode voltar à prisão. Ele foi ainda voz dissonante no PSB quando a grande maioria da sigla decidiu apoiar Aécio Neves (PSDB) nas eleições de 2014 e o impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016.
De terno cinza e gravata azulada, Ricardo Vieira Coutinho concede entrevista à imprensa. ele gesticula diante de microfones com logos de várias emissoras e há mãos e jornalistas segurando gravadores diante do governador.
O então governador reeleito da Paraíba, Ricardo Vieira Coutinho, fala à imprensa após encontro com a presidenta Dilma Rousseff, no Palácio do Planalto. – José Cruz/Agência Brasil
Em fevereiro, o Supremo Tribunal Federal e o STJ (Superior Tribunal de Justiça) devem analisar recursos da Procuradoria-Geral da República contra a liminar do ministro do STJ Napoleão Nunes Maia, que soltou o ex-governador um dia após a prisão.
Protagonista da política paraibana nos últimos 16 anos, foi preso no dia 19 de dezembro do ano passado por suspeita de comandar um esquema que, segundo o Ministério Público da Paraíba, desviou R$ 134 milhões da área de saúde estadual.
O enfraquecimento de Coutinho cria obstáculos para Lula nas articulações com o PSB em razão das próprias disputas internas do partido socialista, avaliam lideranças petistas ouvidas pela Folha.
Na prática, com o ex-governador paraibano fragilizado, há um clima de incerteza nas possíveis negociações eleitorais que Lula pretende conduzir em nível regional.
O PSB de Pernambuco, que só em 2018 voltou a se aliar com o PT, define, historicamente, os rumos do partido. Com a tormenta enfrentada por Ricardo Coutinho, passa a ter ainda mais força.
A avaliação é de alguns integrantes do próprio PSB.
Parte da sigla, ainda com ressentimentos do acordo construído com Lula a partir de Pernambuco no primeiro turno das eleições de 2018, pressiona a executiva do PSB para que o paraibano seja expulso o quanto antes.
Uma liderança nacional do PT avalia em reserva que, sem o contraponto de Coutinho, há sempre um risco maior de o PSB se desgarrar novamente, mesmo que a ala pernambucana do partido esteja temporariamente ao lado dos petistas.
Após a costura feita pelo governador de Pernambuco, Paulo Câmara, em 2018, que conseguiu isolar Ciro Gomes (PDT) na corrida presidencial em troca da retirada da petista Marília Arraes na disputa pelo governo do estado, há grande indefinição quanto a se PT e PSB chegam juntos na eleição no Recife. A partir da capital pernambucana, o jogo pode ser embaralhado de novo.
Coutinho, que estava em ascensão na esquerda nordestina e era reconhecido até por opositores como um gestor eficiente, visitou Lula poucos dias depois do petista deixar a cadeia, em novembro.
No dia 18 de dezembro, um dia após a decretação da prisão preventiva do paraibano, Lula iniciou discurso com artistas no Rio de Janeiro fazendo uma defesa incisiva do aliado.
“Até prova em contrário, eu tenho certeza de que ele é inocente. Nós precisamos aprender a não aceitar as acusações levianas”, disse o petista.
Em março de 2017, Coutinho foi responsável pelo maior evento do PT após o impeachment da ex-presidente Dilma. Com a presença de Lula, articulou uma grande mobilização para a inauguração informal da transposição do rio São Francisco, em Monteiro (PB), durante o governo Michel Temer (MDB).
“Com força, Coutinho gerava dentro do PSB um grau de polarização. Era uma oposição dentro do partido incômoda para fechar determinadas estratégias. Com ele enfraquecido, a interlocução de Lula no PSB também se enfraquece”, afirma o cientista político Ítalo Fittipaldi, da Universidade Federal da Paraíba.
O sonho alimentado na última década de se tornar uma liderança nacional, após governar a Paraíba de 2011 a 2018 e fazer o sucessor em primeiro turno nas últimas eleições, começou a ruir com a prisão de sua ex-secretária de Administração, Livânia Farias.
Ela foi presa em março de 2019. Em delação, depois de ganhar a liberdade, disse que propinas foram entregues em caixas, de 2014 a 2018, na Granja Santana, residência oficial do governador paraibano. As acusações envolvem membros do TCE (Tribunal de Contas do Estado) e alguns deputados do estado.
Os valores dos repasses a Coutinho, conforme informações da ex-aliada, chegavam a até R$ 1 milhão em espécie.
Em liberdade desde maio do ano passado, a ex-secretária disse na delação que foram feitas seis remessas de dinheiro na residência oficial em um valor total de R$ 4 milhões.
Diálogos gravados durante a 7ª fase da Operação Calvário, da Polícia Federal, por um dos delatores agravaram a situação do ex-governador.
Em um dos áudios, ele aparece debatendo supostos valores de propina com um dos responsáveis por uma organização social que presta serviço de saúde ao Governo da Paraíba. Em outro trecho, Coutinho cobra o interlocutor para saber se os repasses estão sendo feitos como foram acordados. Ele nega as acusações.
A investigação apontou que organizações sociais montaram uma rede de prestadores de serviços terceirizados e de fornecedores com contratos superfaturados.
De 2011 a 2019, a Cruz Vermelha do Brasil recebeu mais de R$ 980 milhões do Governo da Paraíba. O Ipcep, de 2014 a 2019, ganhou R$ 270 milhões.
Livânia Farias também envolveu o atual governador da Paraíba, João Azevêdo (PSB). Em delação, ela afirma que, por intermédio de Coutinho, ele recebia uma mesada de R$ 120 mil para bancar gastos pessoais e de sua campanha em 2018.
Engenheiro e professor universitário, Azevêdo era um técnico que comandava uma supersecretaria na gestão de Coutinho.
Apadrinhado pelo ex-governador, Azevêdo, que nunca havia se lançado candidato, conseguiu ser eleito em primeiro turno com 58% dos votos. Ele manteve inicialmente em sua equipe grande parte do secretariado nomeado por Coutinho.
Com os desdobramentos da operação, Coutinho e Azevêdo romperam. O atual governador da Paraíba deixou o PSB há pouco mais de um mês.
Pessoas próximas ao ex-governador, conhecido por preferir o enfrentamento, dizem que a operação da PF o estimulou a encarar a disputa pela Prefeitura de João Pessoa neste ano, se não houver impedimentos legais até a eleição.
Farmacêutico com trajetória ligada ao sindicalismo, iniciou seu percurso no PT, partido pelo qual foi eleito vereador em João Pessoa em 1992 e 1996. Em 2000, foi expulso da sigla após ser derrotado em prévias para disputar a Prefeitura de João Pessoa.
Filiou-se ao PSB e elegeu-se deputado estadual em 2002. Dois anos depois, foi eleito prefeito com 64% dos votos. Em 2008, se reelegeu ao cargo.
QUEM É RICARDO COUTINHO
Ricardo Coutinho, 59, foi governador da Paraíba pelo PSB de 2011 a 2018. Elegeu em primeiro turno seu sucessor, João Azevêdo (PSB), em 2018
Um dos principais elos entre o PSB e petistas no Nordeste, ele foi filiado ao PT até 2000, quando ainda era vereador na capital do estado, onde também foi prefeito. Em 2016, foi contrário à decisão do PSB de aderir à mobilização pelo impeachment da então presidente Dilma Rousseff
Em dezembro passado, o ex-governador ficou detido por dois dias em decorrência da Operação Calvário, que investiga irregularidades na saúde e na educação do estado
Na semana passada, Coutinho foi acusado formalmente pelo Ministério Público de liderar uma organização criminosa responsável por movimentar R$ 134 milhões
Sua defesa diz que a denúncia é baseada apenas nas palavras de delatores e que o patrimônio do político não aumentou no período investigado.
Fonte: Folha de S. Paulo
Créditos: João Valadares