Na noite de domingo o Brasil terá escolhido um novo presidente da República. O resultado virá da vontade dos eleitores e, seja qual for o voto que se tenha dado, cada um deles terá parte no que vier a acontecer. Milhões de pessoas que votaram em Dilma Rousseff ou em Aécio Neves tiveram motivos para se arrepender mas, como hoje, era um ou outro. O arrependimento acompanhou também os eleitores de Fernando Collor em 1989 e de Jânio Quadros em 1960. Nenhum deles elegeu-se sugerindo medidas que pudessem prenunciar uma ameaça às instituições democráticas.
O caso agora é outro. O deputado Eduardo Bolsonaro tratou de uma situação hipotética de conflito com o Supremo Tribunal Federal e disse que bastariam um cabo e um soldado para fechá-lo. Um general da reserva, eleito deputado federal pelo PSL depois de ocupar a Secretaria de Segurança de Natal, defendeu o impeachment e a prisão de ministros do Supremo: “Não tem negociação com quem se vendeu.” Antes dele, um general da reserva que disputaria sem sucesso um cargo eletivo disse que “Corte que muda de decisão para beneficiar criminoso não é Corte, é quadrilha”.
O general Hamilton Mourão, também da reserva e candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro, elaborou sobre o mecanismo do “autogolpe”. Noutra digressão, mencionou as virtudes de uma Constituição redigida por sábios e ratificada num plebiscito. Jair Bolsonaro prometeu o fim do “ativismo” e anunciou que “os marginais vermelhos serão banidos da nossa pátria”. Como?
Essas foram afirmações de candidatos, feitas em diferentes contextos, às vezes partindo de situações hipotéticas. Não se deve esquecer que o deputado petista Wadih Damous, numa argumentação que nada teve a ver com a retórica bolsonarista, já sugeriu “fechar o Supremo Tribunal Federal” para criar uma Corte Constitucional. O doutor foi um dos marqueses da OAB.
Bolsonaro já prometeu mais de uma dezena de providências que dependem de reformas constitucionais. Elas precisam do voto de três quintos da Câmara e do Senado. Serão necessários 308 dos 513 deputados e 49 dos 81 senadores. Mesmo tendo formado a segunda maior bancada da Câmara, o PSL não os tem. Como pretende consegui-los, é outra história. Admitindo que os consiga, será o jogo jogado, e a vida seguirá. Se não conseguir, vem aí uma crise anunciada.
O eleitor ficou entre a cruz e a caldeirinha. Até o dia da posse, tudo será encanto e sedução. Como ensinou Marco Maciel, “as consequências vêm depois”. A essência da questão está na parte que caberá a cada um quando elas chegarem.
Há casos em que o cidadão tem que traçar a linha que não atravessará. No dia 29 de maio de 1966, o marechal Cordeiro de Farias entrou no gabinete do presidente Castelo Branco. Ele acabara de capitular diante da candidatura do ministro da Guerra, Artur da Costa e Silva, e Cordeiro era o seu ministro do Interior. Aos 65 anos, estivera em todas as encrencas militares da primeira metade do século, da Coluna Prestes à deposição de João Goulart. Como general, comandou a Artilharia Divisionária da FEB na Itália.
No encontro, Cordeiro disse ao presidente: “Você é generoso com o Costa e Silva, eu sou justo. Você sabe que ele vai afundar o país, pois é incapaz, e eu não quero ter parte nisso.”
Cordeiro deixou o ministério e foi para casa. Costa e Silva assumiu em 1967 e afundou o país em 1968, baixando o Ato Institucional nº 5.
Numa manhã de agosto de 1976, em cena emocionante, o velho marechal entrou, de bengala, no saguão onde se velava o corpo de Juscelino Kubitschek. Doze anos antes, havia votado pela sua cassação, mas não teve parte na ascensão de Costa e Silva.
Fonte: O Globo
Créditos: O Globo