opinião

Os ecos bolivarianos de Hamilton Mourão - Por Xosé Hermida

"Sempre estão ali perdedores da globalização, trabalhadores empobrecidos e raivosos, com pouca formação, vítimas propícias para qualquer caudilho demagogo

O relato tem se repetido em quase todos os países onde a apuração das urnas trouxe coisas desagradáveis. Seja na eleição de Trump ou no Brexit [a saída do Reino Unido da União Europeia], sempre está ali a grande massa dos chamados perdedores da globalização, trabalhadores empobrecidos e raivosos, com pouca formação, vítimas propícias para qualquer caudilho demagogo. Pouco ou nada disso tem a ver com o movimento que pode colocar na Presidência do sétimo país mais populoso do planeta Jair Bolsonaro, um ex-capitão e paraquedista amante do Governo militar, da tortura e das execuções policiais; machista e racista, além de profundamente ignorante sobre qualquer assunto que não inclua a exibição de testosterona.

“Desafiada a responder às mazelas, a elite escolhe tiro, porrada e bomba.” Quem deu esse título a um artigo da Folha de S. Paulo não foi nenhum furioso da esquerda, e sim Reinaldo Azevedo, um dos nomes mais importantes da direita liberal brasileira. Prova disso é a Bolsa, que estoura champanhe após cada pesquisa favorável a Bolsonaro. Ninguém ganha eleição sem penetrar em todas as camadas sociais, é claro, mas as cifras do instituto de pesquisas Datafolha são inequívocas. Entre os brasileiros com ensino superior, o apoio ao ex-capitão supera 40%, contra 20% dos que não concluíram o ensino fundamental. Sua intenção de voto entre os pobres – os que vivem com uma renda familiar mensal de até dois salários mínimos (1.908 reais) – é também de 20%. Já o respaldo entre as classes média e alta chega a 50%. Bolsonaro tem 42% das intenções de voto entre o eleitorado masculino e 28% entre o feminino.

Até alguns meses atrás, o mundo do dinheiro ainda via o candidato do Partido Social Liberal (PSL) com desconfiança. Não tanto por ele dizer que os direitos humanos são “esterco”, mas por sua concepção estatal da economia. Como esses princípios não agradavam, ele trouxe outros: contratou o ultraliberal Paulo Guedes para ser seu guru na área econômica – e todos os temores desapareceram. Basta ver a avalanche de pronunciamentos a favor dele por parte das grandes empresas, que já não escondem sua entrega ao macho alfa que promete limpar o Brasil de assassinos e ladrões. Assim acabou a revolta que em 2016, com a liderança dos setores sociais mais abastados, conseguiu tirar do Governo, após 14 anos, um Partido dos Trabalhadores (PT) assediado pela crise econômica e a corrupção.

Para a elite brasileira, o verdadeiro perigo não é Bolsonaro, mas o PT. Isso embora o partido de Lula nunca tenha mexido na tributação das grandes rendas nem nacionalizado uma empresa. Apesar de ter destinado amplos recursos para ajudar grandes companhias privadas. E apesar de que, embora milhões de pessoas tenham saído da pobreza, os ricos tenham ficado ainda mais ricos durante seus mandatos. Boa parte dos brasileiros está convencida de que o programa oculto do PT é transformar o país numa nova Venezuela. Enquanto isso, os únicos ecos bolivarianos que se ouvem, em versão extrema-direita, provêm do candidato a vice de Bolsonaro. Tão ou mais macho que seu chefe, o general da reserva Antônio Hamilton Mourão especula abertamente com o cenário de um autogolpe presidencial e lança a ideia de uma nova Constituição redigida por uma “comissão de notáveis”, sem representantes populares. Palavrório puro, dizem muitos dos entregues à causa. A autêntica ameaça é encarnada pelo PT. E, se for preciso, deve ser freada na base da “porrada”.

Fonte: El País
Créditos: El País