A sugestão foi tornada pública no dia 27 de outubro, em uma carta aberta assinada por pesquisadores do Laboratório de Saúde Ambiente e Trabalho (Lasat), do Instituto Aggeu Magalhães (Fiocruz de Pernambuco), mas a direção da fundação no Rio afirma que a declaração “não é institucional” e que saiu de um grupo de pesquisadores que “não refletem a visão da Fiocruz”.
O documento, que circula pela internet em canais extraoficiais, afirma que “se recomenda fortemente à população não fazer o uso recreativo das praias afetadas e nem consumir pescados e mariscos das praias (e regiões próximas) atingidas pelos resíduos de óleo”. A carta faz menção à portaria 2.952 do Ministério da Saúde de 2011, que prevê o decreto de “Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional”, em “situação de desastre”.
Caso a situação emergencial fosse oficializada, seria possível disponibilizar o acesso a “materiais ou recursos financeiros complementares” e efetuar “contratação temporária de profissionais”. A portaria ainda prevê a convocação da Força Nacional do SUS , um programa de cooperação para atuar em situações de exceção.
Procurados pelo GLOBO, médicos do Instituto Aggeu Magalhães não falaram sobre a carta, mas manifestaram preocupação grave sobre a capacidade de o sistema de saúde presente no Nordeste lidar com o derramamento de óleo.
— O risco é enorme — diz Idê Gurgel, médica do Aggeu. — Eu não recomendo a ninguém entrar na água, caminhar na praia, comer peixe ou marisco nem ser voluntário de limpeza sem nenhum tipo de proteção.
Segundo a pesquisadora, editais para projetos de pesquisa estão permitindo aos cientistas da região desencadear projetos que ajudem a monitorar a gravidade da situação para as populações litorâneas e orientar trabalhadores de saúde.
— Pescadores e marisqueiras estão tirando com a unha o óleo e estão correndo sérios riscos, porque estão expostos a produtos extremamente tóxicos, particularmente os hidrocarbonetos aromáticos como o benzeno — diz Gurgel.
‘Sala de situação’ na Fiocruz do Rio
Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que “a carta aberta está sendo divulgada há duas semanas, e, até agora, não foi apresentado nenhum estudo ou elementos que corroborem com essa fala de que há risco para a saúde pública”. “A carta não representa o posicionamento da instituição Fiocruz e não traz a assinatura dos pesquisadores.”
Dois dias após os cientistas de Pernambuco divulgarem sua carta, a direção nacional da Fiocruz anunciou a criação de uma “sala de situação”, no Rio, para coordenar as ações da instituição. Além de Rio e Pernambuco, a Fiocruz possui unidades na Bahia, no Ceará e no Piauí.
— Nós tivemos uma solicitação do Ministério da Saúde para que a Fiocruz entrasse em caráter mais nacional no trabalho de organização da resposta do setor da saúde ao incidente com o óleo no Nordeste — disse ao GLOBO Guilherme Franco Netto, assessor da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz. — Vamos montar um plano dentro de um mês, e algumas ações previstas nele podem ser implementadas antes do fim de novembro.
A ideia da sala de situação é prover recursos para ajudar profissionais de saúde a lidar com sintomas agudos na população exposta ao óleo e monitorar problemas de longo e médio prazo.
Mais de 100 mil afetados
A ação da Fiocruz no Nordeste deve dar atenção especial aos grupos mais vulneráveis: pescadores, marisqueiras, gestantes moradoras da costa, crianças e adolescentes (“que têm mais contato com a área praieira”) e os trabalhadores que atuam na remoção do óleo. Não há ainda levantamento epidemiológico sobre intoxicação pelo óleo, mas o grupo de indivíduos afetados pode ultrapassar os 100 mil.
— No Nordeste existem 144 mil pescadores estimados pelos censos — afirma Netto. — Como cerca de metade das praias dos nove estados do Nordeste foram atingidas, poderia ser estimado o impacto contabilizando metade dos pescadores, mais os outros grupos populacionais. Estamos falando de um volume de pessoas que não é pequeno.
Entre os sintomas agudos enfrentados pela população exposta estão náusea, dor de barriga, desconforto respiratório, cefaleia, problemas de pele e queimaduras.
Netto confirma que a inalação de benzeno é uma preocupação especial, por sua capacidade de causar aplasia medular e, no médio e longo prazo, câncer.
Para monitorar causas não imediatas da contaminação, a Fiocruz afirma que pretende conduzir estudos de base populacional selecionando uma amostragem das populações vulneráveis para acompanhá-las. Também estão no leque de opções da fundação oferecer programas de informação da população e treinamento de profissionais de saúde no Nordeste para ampliar a capacidade local de lidar com o problema.