Durante a análise na Câmara, porém, ela foi bastante ampliada, incluindo artigos que mudam leis trabalhistas, como a possibilidade de trabalho aos domingos. Por isso passou a ser chamada também de “minirreforma trabalhista” por especialistas.
“É uma alteração com viés liberal, como é o viés do governo”, afirmou o advogado trabalhista Edgar Tavares Dias, do escritório Queiroz e Lautenschläger. Para ele, porém, a extensão das mudanças não é a mesma da reforma trabalhista de 2017, aprovada durante o governo do ex-presidente Michel Temer. “Nem de perto são comparáveis com o que foi feito em 2017. São alterações muito pontuais, em assuntos muito específicos, que de algum modo tentam flexibilizar ainda mais as relações de trabalho.”
O advogado trabalhista Luís Paulo Miguel, do escritório BRBA, também acredita que a medida desburocratiza alguns pontos na relação da empresa com o empregado, além de aumentar a liberdade na relação entre as partes.
O Ministério Público do Trabalho (MPT), por outro lado, defendeu a rejeição parcial do projeto, afirmando que o texto traz pontos inconstitucionais e aumenta riscos à saúde e segurança de trabalhadores, segundo afirmou em nota técnica.
Para que a matéria fosse votada nesta semana, o relator da medida, deputado Jerônimo Goergen (PP-RS) alterou alguns pontos em relação ao texto original enviado pelo governo. “Fizemos alterações para diminuir atritos e corrigimos algumas inconstitucionalidades”, afirmou. O texto ainda pode sofrer novas mudanças.
Confira alguns dos principais pontos que podem afetar os trabalhadores, segundo os especialistas, caso o texto seja aprovado como está.
Trabalho aos domingos
A medida libera o trabalho aos domingos para todas as categorias, sem a necessidade de autorização prévia do poder público.
Isso não quer dizer que o trabalhador pode perder a folga semanal, que continua sendo obrigatória, segundo Edgar Dias. Quem trabalhar no domingo precisa descansar em outro dia da semana.
Além disso, será preciso que a folga semanal seja no domingo pelo menos uma vez a cada sete semanas. O intervalo foi aumentado pelo relator. O texto aprovado na comissão especial da Câmara previa que fosse um domingo a cada quatro semanas.
Edgar Dias afirma que a MP não é “revolucionária” ao tratar do trabalho aos domingos e que muitos acordos coletivos já previam isso. Para ele, a maior parte dos trabalhadores continuará folgando nesse dia.
O Ministério Público afirma que a permissão ao trabalho nesse dia “de forma indiscriminada e sem que ocorra qualquer tipo de necessidade imperiosa” viola a Constituição “que determina que o repouso semanal remunerado deve ocorrer, preferencialmente, aos domingos”.
“O projeto de lei transforma em exceção aquilo que a Constituição Federal determina como regra, impedindo o convívio do trabalhador com seus familiares”, afirmou o MPT.
Controle de ponto
Atualmente, empresas com mais de dez trabalhadores precisam fazer o registro de ponto de seus empregados, com horário de entrada e saída. A medida aumenta esse mínimo para 20 funcionários.
Além disso, a Medida Provisória libera o chamado controle de ponto por exceção, caso haja acordo entre patrão e empregado. Nesse caso, seria registrado o ponto do trabalhador apenas nos dias que fugissem do horário de trabalho habitual do funcionário. Nos outros dias, seria dispensado o controle formal.
“Vejo como algo que não é para reduzir direitos. O viés da medida é reduzir burocracia”, afirmou Edgar Dias. Ele considera, porém, que a medida é polêmica. “Ela é bastante questionável para alguns, porque pode dificultar a fiscalização.”
Essa é a visão do MPT. “Tal sistemática [ponto por exceção] em geral serve para sonegar o pagamento de horas extras e exigir jornadas de trabalho muito além do permitido”, dizendo também que ela instrumentaliza “a possibilidade de pagamento ‘por fora’ de parte da remuneração, em prejuízo tanto ao empregado quanto à Previdência Social e à Receita Federal”.
Sobre o aumento do número mínimo de funcionários para uma empresa fazer o registro, o Ministério Público considera que isso “amplia significativamente o contingente de empregados que não terá registro de sua jornada de trabalho, o que dificulta a implementação e fiscalização de direitos constitucionalmente assegurados, como os limites da jornada de trabalho e o pagamento de horas extras”.
Contratos com salários altos
A MP prevê que os contratos de trabalho de quem recebe mais do que 30 salários mínimos por mês serão regidos pelo direito civil.
Segundo Luís Paulo Miguel, isso significa que esses funcionários podem negociar contratos com a empresa estipulando regras diferentes do que o previsto na legislação trabalhista, desde que não sejam contrárias à Constituição.
O advogado afirma que a relação entre funcionário e empregador, nesse caso, é como entre duas empresas em um contrato de prestação de serviços. “Se houver alguma coisa para discutir [na Justiça], vai ser no cível, como se fossem duas empresas.”
Isso parte da ideia de que um funcionário de cargos mais altos, como executivos, tem maior possibilidade de negociar em pé de igualdade com a empresa.
O MPT considera a medida inconstitucional, porque deixa esses trabalhadores sem a proteção da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e também de acordos e convenções coletivas das categorias. Vê ainda violação do princípio de isonomia, de que todos são iguais perante a Lei.
Multa não será mais na hora
Outra mudança com a medida é na fiscalização de irregularidades.
Atualmente, a empresa recebe a visita do órgão fiscalizador e, caso tenha alguma irregularidade, é autuada e multada. É um processo semelhante ao de uma infração no trânsito, por exemplo, segundo Luís Paulo Miguel. Com a MP, essa autuação não vai ser sempre na hora, sendo necessária uma nova visita, dando tempo para a empresa se adequar.
Segundo o advogado trabalhista, isso vai se aplicar em alguns casos, como se a empresa foi recém-aberta, se for uma microempresa ou houver alguma mudança na legislação, por exemplo.
Para o MPT, o critério da dupla visita não deve ser usado em situações de violações às normas de segurança e saúde do trabalhador ou quando for constatado tráfico de pessoas.
Fonte: UOL
Créditos: Ricardo Marchesan