Mônica Francisco, eleita no Rio: ‘Minha eleição é consequência de uma trajetória’
Mônica Francisco, aos 48 anos, é muitas em uma só: mulher, negra, feminista, mãe, cientista social, pastora evangélica, moradora do Borel, militante de movimentos sociais, comunicadora popular, articuladora e defensora dos direitos humanos. A partir de janeiro de 2019, ela também ocupará o posto de deputada estadual na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Ela, que trabalhava lado a lado com Marielle Franco, foi eleita para o cargo pelo Psol no dia 7 de outubro deste ano com mais de 40 mil votos.
Os 30 anos de ativismo e militância levaram Mônica até o mandato de Marielle na Câmara Municipal do Rio e até a cadeira da deputada na Alerj. Foi a vereadora quem enxergou em Mônica um quadro possível para uma candidatura neste ano. Elas conversavam sobre a possibilidade desde o ano passado, mas a decisão só foi tomada depois do assassinato da vereadora, em 14 de março. “Intimamente eu já sabia que iria aceitar, pois era quase como uma consequência da minha trajetória, mas isso ficou mais intenso depois da execução da Marielle”, conta Mônica em entrevista por telefone ao HuffPost Brasil.
O fundamentalismo e o conservadorismo cada vez mais exacerbados são resultado do que é o Estado brasileiro.
Ela irá compor a bancada de cinco deputados do Psol na próxima legislatura da Alerj ao lado de outras duas mulheres negras que também trabalharam com Marielle no seu mandato como vereadora: Renata Souza e Dani Monteiro. Mônica comemora a vitória, que considera resultado do que chama de “momento histórico” para as mulheres negras, de ocupação de cada vez mais espaços de discussão e decisão na sociedade.
Mônica também reconhece a responsabilidade que terá ao encampar essa representatividade na Alerj e vê um cenário desafiador pela frente. “O fundamentalismo e o conservadorismo cada vez mais exacerbados são resultado do que é o Estado brasileiro, da própria formação da sociedade brasileira, historicamente racista, cimentada no escravismo, na expropriação de direitos, na opressão dos mais pobres e numa desigualdade que foi naturalizada por muitos anos”, explica. “É um momento muito dramático, muito difícil, mas é um momento que dá conta do que é a sociedade brasileira”, completa.
História de luta
Mônica começou a se entender como uma defensora dos direitos humanos quando tinha 18 anos e se mobilizou para a ajudar as famílias do morro do Borel – favela na zona norte do Rio onde nasceu e mora até hoje – que haviam ficado desabrigadas por causa das fortes chuvas e enchentes no final década de 80. “Era muito mais uma necessidade de auxiliar, um sentimento de solidariedade depois das chuvas de 1988, que destruíram parte do Borel”, conta.
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Desde então, Mônica tem se dedicado ao trabalho e a articulação de movimentos sociais em defesa da favela, das mulheres, da economia solidária e da comunicação popular. Participou do Movimento de Rádios Comunitárias durante muitos anos, foi agente comunitária e trabalhou em projetos de urbanização de favelas. É fundadora da Rede de Instituições do Borel e do Grupo Arteiras. Foi colunista do Jornal do Brasil online, pesquisadora do Laboratório Territorial de Manguinhos e consultora da ONG Asplande no projeto Mulheres em Rede.
Como toda mulher negra, a gente primeiro pensa na sobrevivência, na subsistência, e a minha vida foi de muito trabalho.
O currículo é extenso e inclui também uma relação “profissional, de militância e de amizade”, como a própria define, com o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, o Ibase, organização sem fins lucrativos criada por Herbert de Souza, o Betinho. Foi a relação com a entidade que a levou para as Ciências Sociais e proporcionou o encontro com Marielle, conta.
O trabalho nos projetos do Ibase a levaram a procurar a graduação, depois de 20 anos de atividade nos movimentos sociais. Em 2008 ela iniciou o curso na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
“A formação em Ciências Sociais veio bem depois pois, como toda mulher negra, a gente primeiro pensa na sobrevivência, na subsistência, e a minha vida foi de muito trabalho. Depois eu fui entendendo que queria estudar isso. No ginásio, na década de 80, eu queria ser professora de história. Depois surge o amor pelas Ciências Sociais, para entender um pouco a sociedade, entender o mundo”, diz.
Foi nos encontros de análise de conjuntura promovidos pelo Ibase que Mônica conheceu Marcelo Freixo, então pesquisador da ONG Justiça Global. “Logo depois ele se candidata [a deputado estadual em 2006]. Como a gente tinha aquele referencial de militância e defesa do direitos humanos, voto nele e dentro do seu mandato eu conheço a Marielle”, conta. A aproximação se deu em função do trabalho de Marielle como assessora de Freixo na Comissão de Direitos Humanos da Alerj e por compartilharem a mesma luta nas favelas do Rio, diz a ativista.
A gente não resolve virar pastora. É uma consequência de uma relação de fé.
“Ali surge uma amizade e lá se foram mais de 10 anos. Por conta da minha militância, da minha atuação no movimento popular de favela, ela me convida para compor o mandato [em 2016]”, conta Mônica. A cientista social participou da equipe dedicada às favelas no mandato coletivo de vereadora, também atuou na equipe de atendimento da Comissão de Defesa da Mulher, presidida por Marielle, na frente parlamentar para a redução de homicídios e na frente parlamentar de economia solidária e integrou o grupo de trabalho da comissão criada para monitorar a intervenção federal no estado do Rio de Janeiro, da qual a Marielle se tornou relatora poucos dias antes de ser executada.
Mônica já vinha sendo sondada por Marielle para se candidatar nas eleições deste ano. “Já era uma possibilidade que vinha sendo conversada no interior do mandato, muito a partir dela, da percepção que eu podia ser um quadro importante e logo depois da desistência de dois companheiros, que são militantes de duas pautas que são minhas também, que é o fato de eu ser evangélica e a economia solidária”, afirma a deputada eleita. Ela é praticante da fé evangélica há 30 anos e se tornou pastora há três.
“A gente não resolve virar pastora. É uma consequência de uma relação de fé. É mais um lugar de serviço dentro da liturgia da igreja, de acompanhamento, de acolhimento, de orientação. Isso é muito distante do que se desenha como o entendimento do senso comum do que é um pastor, de alguém que domina as pessoas, que se assenhora da vida e do desejo das pessoas”, explica.
Como pastora, se define como “anti-fundamentalista” e defende o direito das mulheres sobre o próprio corpo quando a pauta é o aborto e o combate ao racismo religioso, pregado por muitos pastores conservadores contra religiões de matriz africana. “Dentro de um campo progressista de esquerda, isso significa se colocar contra toda forma de opressão que seja resultado de uma de uma profissão de fé, entendendo também que nós vivemos em um estado que é laico”, diz.
O medo que não paralisa
Um dos nomes do Psol cotados por Marielle para essa eleição era o do jovem pastor Henrique Vieira, que acabou desistindo da candidatura poucos dias antes do assassinato da vereadora. Após o crime, Mônica sentiu a urgência e decidiu se candidatar.
“Nos tiraram tanto que perdemos o medo. Inclusive o de ocupar a política”, escreveu a então candidata em texto publicado no blog Agora é que São Elas. Ao HuffPost Brasil, Mônica reconhece que o medo existe, mas não a paralisa. “A Marielle foi executada na segunda maior cidade do país… A gente ainda não sabe por que, não sabe por quem… Quem é ativista de direitos humanos no Brasil — um país que mata quem defende a terra, quem defende as pessoas, quem defende os direitos — sabe que esse medo é real, mas não é um medo que paralisa”, afirma. Ela mesma lembra em seu artigo a frase da escritora feminista negra Audre Lorde: “nosso silêncio não nos protegerá”.
É claro que a gente pode dizer que parte desses mandatos têm um pouco da essência do que foi a experiência do mandato Marielle.
Por isso, Mônica celebra a eleição e promete continuar sua luta agora dentro da Alerj. “A gente está pensando mandato em cima do que foram as nossas pautas nos últimos 30 anos, baseado na defesa dos direitos humanos, na defesa de uma outra economia possível, como a economia solidária, a agroecologia”, afirma a deputada eleita. Ela também promete trabalhar no combate à violência contra as mulheres, especialmente as mulheres negras.
Entre os projetos que pretende apresentar na Alerj estão a criação de um plano estadual para as favelas, uma escola de formação política voltada para jovens negras e um laboratório de produção de projetos de lei a partir de pesquisas produzidas nas universidades.
Mônica não considera que os mandatos dela, de Renata e Dani, que também trabalharam com Marielle e foram eleitas deputadas estaduais, vão ser apenas uma continuidade do trabalho da vereadora. “O mandato da Marielle foi o mandato da Marielle. Eu acho que cada uma de nós vai imprimir a suas próprias características, o seu perfil no seu trabalho. Mas é claro que a gente pode dizer que parte desses mandatos têm um pouco da essência do que foi a experiência do mandato Marielle”, completa.
Fonte: Huffpost Brasil
Créditos: Huffpost Brasil