O 12 DE JUNHO DE 2019
No dia 12 de junho, Fux adentrou a sala do lanche do STF esbaforido e meio transtornado. O programa “O É da Coisa”, que ancoro na BandNews FM, tinha acabado de levar ao ar um diálogo do procurador Deltan Dallangol, coordenador da Lava Jato, com o então juiz Sérgio Moro, ocorrido no dia 11 de abril de 2016. Na conversa, Dallagnol dizia a Moro que estivera havia pouco com Fux, que este criticara o ministro Teori Zavaski, relator do petrolão no Supremo, por ter repreendido o juiz — que havia grampeado e divulgado ilegalmente conversa entre a então presidente Dilma e Lula; que Moro fizera muito bem em ter respondido ao ministro e que a Lava Jato poderia contar com ele.
Na sequência, Dallagnol tira o sarro de Fux, tratando-o com certo desdém cômico, e Moro encerra o diálogo com um irônico “In Fux we trust” — “Nós confiamos/acreditamos em Fux”. Ou por outra: por alguma razão, a turma considerava que Fux estava no papo.
XINGANDO DALLAGNOL
Pois bem… Tão logo levei a conversa ao ar, o ministro largou seus afazeres e foi ao encontro de seus colegas na sala de lanche. Na presença de cinco outros ministros e de funcionários do Supremo — e ele sabe ser isto verdade —, xingou Dallagnol, apelando àquela desqualificação que atinge a genitora do agravado: “É mentira! Eu nunca conversei com este…” No lugar das reticências, a tal ofensa.
Para lembrar: Dallagnol fala em suposta adulteração de diálogo, de que não há a menor evidência até agora. Moro nem confirma nem nega a sua existência. O agora ministro da Justiça, no entanto, já disse que não vê nada de errado em dizer que confia num membro do Supremo. É claro que ele não é sonso. Se parecesse, seria fingimento.
RELEMBRE O DIÁLOGO, COM CAFEZINHO
Relembro o diálogo para refrescar a memória do leitor. Abaixo, a conversa de Dallagnol com seus pares:
Deltan Caros, conversei com o FUX mais uma vez, hoje
Reservado, é claro: O Min Fux disse quase espontaneamente que Teori fez queda de braço com Moro e viu que se queimou, e que o tom da resposta do Moro depois foi ótimo. Disse para contarmos com ele para o que precisarmos, mais uma vez. Só faltou, como bom carioca, chamar-me pra ir à casa dele rs. Mas os sinais foram ótimos. Falei da importância de nos protegermos como instituições
Em especial no novo governo
A mensagem acima é retransmitida a Moro, que responde:
Moro Excelente. In Fux we trust
DE VOLTA À SEXTA PASSADA, 5 DE JULHO
Pois bem. Menos de um mês depois daquele encontro entre Fux e Dallagnol, o ministro do STF foi um dos palestrantes da Expert XP 2019, que se define como “o maior evento de investimentos do mundo”. Há quem o tenha chamado de “Lollapallooza do capitalismo”, com 10 mil participantes. E eu, obviamente, apoio o capitalismo.
E um ministro do Supremo? Tem de apoiar o quê? A Constituição e as leis! Qualquer outra pauta, na condição de membro da corte, lhe é estranha. É bem verdade que Fux já demonstrou sua habilidade com a guitarra. No ano que vem, se estiver no Supremo, pode ser convidado para executar alguns solos aos investidores. Se é que alguém o ouviria nesse caso. Ou, quem sabe, eventualmente fora do tribunal, pode até liderar uma banda de rock.
E o que disse o ministro aos investidores? Entre outras barbaridades, isto:
“Quero garantir que a Lava Jato vai continuar. E essa palavra não é de um brasileiro, é de alguém que assume a presidência do Supremo Tribunal Federal no ano que vem, podem me cobrar.”
Será que Fux pretende disputar com Sergio Moro a condição de coordenador ilegal da operação? Há muitas impropriedades nessa fala.
COISA DE REFÉM
Em primeiro lugar, quem garante a Lava Jato é a lei, não o presidente do Supremo. Em segundo lugar, resta a sugestão de que o atual comandante do tribunal, Dias Toffoli, estaria tentando atacar a operação. Em terceiro lugar, a dita-cuja não corre risco nenhum, a não ser o de se afogar em ilegalidades.
Ou estaria Fux garantindo que, com ele no comando do tribunal, a ilegalidade está assegurada? Ou Fux está dizendo que não há falcatrua legal que possa vir à luz que vá demovê-lo de dar seu endosso à força tarefa? Ou Fux está deixando claro que não tem escolha a não ser apoiar a Lava Jato?
Se for assim, ministro, isso é coisa de refém, não de quem manda na própria vontade. Só os reféns obedecem cegamente às determinações de quem está no comando. Não é o seu caso, certo?
MATANDO NO PEITO
Fux é chegado a algumas práticas estranhas. Em entrevista à jornalista Mônica Bergamo, admitiu que pode ter dito, em conversa com petistas, que, se indicado pela então presidente Dilma, toparia “matar no peito” o caso do mensalão — em particular no que dizia respeito à condenação de José Dirceu. “Matar no peito”, no contexto, queria dizer “absolver”. Se prometeu, não entregou. Ele votou pela condenação do petista. Sempre se pode considerar que hora mesmo é prometer e não entregar.
BEIJANDO OS PÉS DA MULHER DE CABRAL
Por ocasião de sua indicação, ele foi recebido na casa de dois de seus padrinhos: o então coruscante Sérgio Cabral, que vivia o auge da lua de mel com certa imprensa — comigo nunca! — e sua mulher, a advogada Adriana Ancelmo, chefe, à época, de um poderosíssimo escritório, frequentado por muitos cariocas influentes. Era amicíssima de Fux.
De tal sorte o então novo ministro do Supremo lhe era grato pelo apadrinhamento que não se conteve: diante de outros presentes, ajoelhou-se e lhe beijou os pés. Como se nota por sua retórica caudalosa na Expert XP 2019, quando Fux tem lado, ele não economiza palavras e gestos.
Cabe a pergunta: quando o Supremo tiver de decidir sobre eventuais ilegalidades da Lava Jato, qual Fux vai votar? O da sala de lanche, que leva seus pares a crer na sua absoluta independência, ou aquele do evento com investidores e do diálogo com Dallagnol?
O MINISTRO COM AGENDA POLÍTICA
Ao falar a investidores, disse o doutor:
“O primeiro problema que os senhores verão é a reforma da Previdência, que ela tem de passar. Isso é um problema intergeracional. As pessoas têm de ter amor ao Brasil, amor à coisa pública, não fazer oposição que seja prejudicial ao país. Segunda reforma: a reforma trabalhista. Proteger os trabalhadores, mas admitir a terceirização, que é praticada no mundo inteiro e que desonera a folha de pagamento (…). Em terceiro lugar, uma reforma tributária em que o legislador tenha ciência de que o cidadão não é sujeito de obrigações, não é objeto de obrigações (…). É preciso ter a visão de que tributos não podem derrotar as empresas, levar à falência as empresas; é preciso unificar os tributos relativos ao consumo (…)”.
Eu concordo com a parte compreensível da fala de Fux. Aquela de “sujeito/objeto de obrigações” não quer dizer nada. Mas vá lá. Eu defendo a reforma da Previdência, a reforma trabalhista com terceirização (aliás, já foram aprovadas; é que a economia segue no fundo do poço) e a reforma tributária. Mas sou cidadão, indivíduo, jornalista… Apoio ou não o que me der na telha. Minha palavra não decide nada.
Ministro do Supremo não tem de ter nem a boa nem a má agenda. Não tem de ter agenda nenhuma que não seja aplicar os códigos legais. Eu defendo a aprovação da reforma. Mas que história é essa de que “ela tem de passar”? E se não passasse? Fux tentaria declarar inconstitucional o voto contrário?
A reforma trabalhista e a terceirização são escolhas, segundo um viés econômico e um entendimento do mundo. Não bens divinos que despencam no céu.
O MINISTRO DO AUXÍLIO-MORADIA
O pior tipo de retórico é o demagogo, é aquele que fala o que a plateia quer ouvir.
O ministro rigoroso com as contas públicas e o garantidor da moralidade é aquele que, em 2014, concedeu uma liminar e estendeu a todos os membros do Judiciário e do Ministério Público o auxílio-moradia. Custava a bagatela de R$ 1,4 bilhão por ano. Só foi revogado pelo próprio em novembro de 2018. A liminar custou, na sua vigência, a bagatela de uns R$ 5 bilhões. Não agora, mas ainda voltarei oportunamente a outra lambança que fez com pagamento de precatórios. Um ministro de muitas demandas se atrapalha às vezes.
UM SÓ MODO
Só há um modo de ser ministro do Supremo: é ser independente desde a indicação. É subordinar-se exclusivamente ao ordenamento legal. É não ceder ou pertencer a grupos de pressão. É ser livre para, se preciso, enfrentar o Ministério Público sem temor nem perigo. E não tem de modular seus votos em razão de afinidade eletivas mal digeridas do passado que eventualmente voltem a assombrar o estômago e a consciência. É não ter receito de enfrentar, se preciso, a Lava Jato de Curitiba, a Lava Jato do Rio, a Lava Jato de Nheco-Nheco do Mato Adentro do Sul.
O discurso de Fux fica bem na boca de um político que disputa voto, não na de um ministro do Supremo, por ora futuro presidente da Corte.
De resto, creio que a Lava Jato tem de continuar enquanto houver razões para continuar. Ou ela se tornou agora um novo Poder da República? Fez-se instituição permanente do país? Terá de ser constitucionalizada?
Não! O que tem de continuar é o combate à corrupção. Sem etiqueta publicitária.
Precisamos todos nos ajoelhar e beijar apenas os pés da Constituição e das leis. Ainda mais os ministros do Supremo.
Fonte: UOL
Créditos: Reinaldo Azevedo