o rei é o rei e o resto é palha

O CALVÁRIO DO PSB: “O Projeto”, em verdade, nada mais é que pomposo heterônimo do ex-governador - Por Rubens Nóbrega

Ainda de acordo com investigações do Gaeco e Polícia Federal, secundadas por auditorias dos Tribunais de Contas do Estado (TCE) e da União (TCU), a Cruz que o ex-governo fincou no Trauma teria bombeado um propinoduto de um bilhão de reais para abastecer corruptores e corrompidos, públicos e privados, nos últimos oito anos.

O CALVÁRIO DO PSB

Por Rubens Nóbrega


Tentando retomar contato com leitores subsistentes, adoraria abordar algo menos batido, menos chato, menos ordem do dia da pauta política e da politicagem que invariavelmente dominam a cena da Paraíba. Mas não tem jeito. O jeito que tem é…

Pelo que andei assuntando, já teria ultrapassado a fronteira do reversível – no melhor estilo ‘consumatum este e oeste’ – o racha no maior partido político do Estado, o PSB. Estranha ou curiosamente, mas nem tanto, a cisão acontece menos de um ano após a legenda eleger João Azevedo governador.

Eleição em primeiro turno, diga-se. Acachapante, diria o Professor Arruda. Como nunca d’antes, emendaria Luiz Inácio. Proeza da qual ninguém, mas ninguém mesmo, além do então governador Ricardo Coutinho, deveria reivindicar protagonismo. Nem mesmo o sucessor que ele fez em 2018.

O processo político-eleitoral e sua condução sob a inquestionável liderança do Doutor Ricardo não deveriam, contudo, estimular o agora ex-governador a pensar, acreditar e até apostar que o seu sucessor fosse se contentar em permanecer mero coadjuvante nesse enredo. Muito menos após “instalar-se feito posseiro” no Palácio da Redenção.

Além de reconhecida competência gerencial, é perfeitamente natural a qualquer humano qualificado feito João Azevedo tentar exercer a plena carga o poder conquistado nas urnas. Ou seja, governar ao seu talante, segundo diretivas e perspectivas de compreensível projeto pessoal e político próprio.

Tal e qual fez o ex-governador Ricardo Coutinho a vida toda, quase sempre temperando sua identidade pública com personalismo tal que sempre ressaltou a importância de seu grupo seguir e atender ao que fosse mais importante e prioritário para “O Projeto”.

Quem conhece um pouco a peça, sabe. Ao ler qualquer referência ao “Projeto”, feita por seu próprio criador, não tenha dúvida: é Ricardo Coutinho referindo-se a Ricardo Coutinho.

“O Projeto”, em verdade, nada mais é que pomposo heterônimo do ex-governador, bem ao gosto de uma retórica de esquerda que o indisfarçado ‘centrismo’ de João Azevedo não consegue – nem vai, pelo visto – assimilar. E do qual deve se distanciar cada vez mais, doravante.

Para, exatamente, firmar-se e se afirmar também como líder político, para além do governante e gestor.

Pedra de toque

Sob o bordão de um velho boêmio campinense – “o rei é o rei e o resto é palha”, Ricardo deve ter se convencido de que João jamais cederia a tentações, intenções ou circunstâncias que viessem furar a blindagem que protegia o ex-governo em matéria de acusações e investigações de peso.

João bem que tentou seguir o script, vamos combinar. No 4 de fevereiro deste ano, veio a público garantir a permanência em seus postos de dois secretários de Estado que três dias antes tiveram casas e gabinetes devassados pela Operação Calvário do Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado do Ministério Público da Paraíba (Gaeco/MPPB).

Um mês e dez dias depois, João já não tinha mais como não soltar a mão de Livânia Farias (Administração) e de Valdson de Souza (Planejamento). Ela, presa em 16 de março. Ele, encalacrado em nova fase da Calvário, perdeu o cargo. Juntamente com Gilberto Carneiro, então procurador-geral do Estado, igualmente acusado pelo MP de envolvimento em ilícitos apontados pelo Gaeco.

Da ‘cozinha’

Muito mais que secretários de Estado, Livânia, Valdson e Gilberto faziam parte do círculo mais íntimo do poder que mandou na Paraíba entre 2011 e 2018. Segundo apurações da Calvário, naquele período o trio atuou decisivamente para contratar e manter o Hospital de Trauma de João Pessoa sob administração de uma organização que se dizia social e filial da Cruz Vermelha no Rio Grande do Sul.

Deflagrada em meados de dezembro do ano passado para investigar e prender pessoas acusadas por variada corrupção e milionários desvios de dinheiro da saúde pública do Estado da Paraíba, a Operação Calvário concluiu que o esquema foi montado para beneficiar uma organização que, na convicção do MP, de social não tem nada. De criminosa, tudo.

Ainda de acordo com investigações do Gaeco e Polícia Federal, secundadas por auditorias dos Tribunais de Contas do Estado (TCE) e da União (TCU), a Cruz que o ex-governo fincou no Trauma teria bombeado um propinoduto de um bilhão de reais para abastecer corruptores e corrompidos, públicos e privados, nos últimos oito anos.

Fragilizado

Com Livânia trancafiada, delatando, e Valdson e Gilberto sob mira do Gaeco e monitoramento da Calvário, não deu mais pra segurar. João Azevedo livrou-se de três dos auxiliares mais diretos e diletos de Ricardo Coutinho. Com isso, fragilizou muito mais do que uma amizade adubada na parceria política.

Deixou o ex-governador exposto às feras, às forças, torcidas, rezas e esperanças de adversários que todo dia dormem e sonham vê-lo na cadeia.

Botei lá no zap

É de espantosa pobreza vernacular a ‘carta aberta’ de João Azevedo e outros dissidentes de Ricardo Coutinho, divulgada segunda-feira (9), tendo como destinatário o Doutor Carlos Siqueira, presidente nacional do PSB.

Tem coisas assim: “O governador João Azevedo, em reunião com Ricardo Coutinho, definiram (sic) que junto com o presidente Edvaldo Rosas, os dois ficassem à frente do projeto para as eleições de 2020”.

O documento deve ter sido redigido por um semiletrado, deslustrando tradição de bons escribas que servem a governos, partidos ou grupos políticos que se revezam no poder que pode mais na Paraíba desde o Império.

 

Fonte: http://rubensnobrega.com.br/2019/09/12/o-calvario-do-psb/#more-17788
Créditos: http://rubensnobrega.com.br/2019/09/12/o-calvario-do-psb/#more-17788