A violência política de gênero existe, atinge mulheres em distintos espaços e se expressa de diversas maneiras. Está presente no exercício de mandatos no Executivo, no Legislativo, no interior dos partidos ou nos movimentos sociais. Não se limita aos costumeiros ataques frontais aos nossos direitos. Essa violência se expressa quando o que dizemos é desconsiderado ou diminuído, e em uma série de atos cotidianos que impõem barreiras à nossa atuação política. Fiquemos aqui com alguns exemplos emblemáticos que podem contribuir para darmos a dimensão deste problema.
Ao longo de seu mandato à frente da presidência da Argentina, Cristina Kirchner foi continuamente descrita pela mídia brasileira como desequilibrada, chegando a receber a alcunha de Cristina, a Louca, da revista “Veja”, tratamento jamais destinado a qualquer presidente, mesmo os mais criticados pelo semanário. E não foi só. Em 2008 o jornal “Estadão” realizou uma estapafúrdia análise sobre o peso da presidenta chilena Michelle Bachelet, quando esta, em uma de suas visitas ao Brasil, deu um mergulho no mar fora de seu expediente de trabalho.
Situações absurdas, superada apenas pelo nível de infâmia da revista “IstoÉ”, que chamou a presidenta Dilma Rousseff de “histérica”, e à época afirmou que esta deveria deixar o cargo ao qual foi conduzida por meio do voto popular por ter perdido “as condições emocionais para conduzir o Brasil”. Aliás, o caso de Dilma é notório no que tange ao pré-julgamento em função de sua condição feminina. Esta por vezes era caracterizada como estressada, e em outras como subserviente e teleguiada, marionete de Lula. Dois estereótipos que podem parecer opostos, mas que eram continuamente mobilizados como forma de diminuí-la.
Na Câmara dos Deputados as parlamentares atuam em um ambiente hostil, em que o desrespeito é comum e a impunidade constante. O Conselho de Ética fecha os olhos às agressões que sofremos e dessa maneira contribuem com a perpetuação de uma cultura sexista. É inaceitável, mas a verdade é que somos submetidas à humilhação pública somente por defendermos nossas ideias em mandatos que têm iguais prerrogativas constitucionais, mas que são continuamente desrespeitados.
Cito esses três casos em relação a mulheres que ocuparam os mais altos cargos eletivos de seus países, bem como aponto a condição das deputadas no exercício de seus mandatos para chamar à reflexão. Se estas mulheres, que tem visibilidade e recursos aos quais a maioria da população não tem acesso são xingadas, analisadas em aspectos de suas vidas pessoais, tem sua palavrada caçada, imaginem como são tratadas mulheres que estão iniciando sua atuação nos mais diversos espaços? Quais são as consequências desses ataques para a construção de suas trajetórias políticas?
Na política, seja no Parlamento ou no grêmio estudantil, na direita ou na esquerda, as mulheres são mais cobradas que os homens, e enfrentam uma série de barreiras que vão desde a dupla e tripla jornada de trabalho, da discordância da família, até a dificuldade de aceitação de suas presenças em espaços tradicionalmente masculinos. A violência simbólica sofrida ao longo da vida é aprofundada na disputa, e muitas vezes levam as mulheres a acreditarem que não possuem capacidade para assumir determinados espaços. O desincentivo à atuação política é constante, bem como o assédio moral, sexual e violências, que muitas vezes apartam as mulheres do caminho rumo ao poder, pois se em alguns casos a opção é se limitar ao trabalho de base, em outros é o afastamento por completo.
Via de regra quando a escolha para ocupar determinado espaço é entre um homem ou uma mulher, a decisão segue sendo em prol dos homens. Não por acaso nunca tivemos uma presidenta na Câmara dos Deputados ou no Senado, e, mesmo no meu partido, que anos atrás aprovou a paridade de gênero, contamos com apenas duas líderes da bancada na Câmara. E apenas hoje, 37 anos depois da fundação do PT, temos uma mulher à frente da sua presidência.
Em toda parte as dificuldades são inúmeras. A impunidade, a invisibilidade e o fato de o machismo na política ser considerado uma questão menor impede que este seja superado. Tal passo demanda mudanças institucionais, mas não apenas. É preciso um trabalho mais profundo e constante que vise uma transformação cultural, o que só é possível por meio da superação da interdição ao debate de gênero nas escolas, da democratização das comunicações, do incentivo a produções culturais emancipadoras e, claro, do forte enfrentamento à impunidade.
A vida das mulheres não está em nossas mãos, somos mais da metade da população, mas as leis que regem o que fazemos com nossos corpos, que regulamentam nosso lugar no mundo são escritas quase que exclusivamente por homens. Enfrentar a violência política de gênero é buscar superar esta realidade, é construir uma democracia real, na qual todas estejamos representadas. O que esse tipo de violência busca é mais uma vez calar nossas vozes, cabe a nós, portanto gritarmos ainda mais alto que não aceitaremos.
*Maria do Rosário, deputada federal (PT-RS)