Opinião

Nada justifica o ataque da esquerda machista contra Tabata Amaral, escreve jornalista

"O nome disso não é militância. É covardia"

Por Matheus Pichonelli/UOL

Um espectro ronda o Twitter.

É o espectro de um pano gigantesco que uma galera estendeu para limpar a barra de José de Abreu, após o ator global retuitar um sujeito que manifestou por ali seu desejo de socar a deputada Tabata Amaral até ser preso, caso a encontrasse na rua.

O crime da parlamentar, que acaba de trocar o PDT pelo PSB, foi ter dito, em uma entrevista, que era preciso furar a “bolha da esquerda e da direita”. Pior: na mesma entrevista, ela disse admirar e ter condições de construir a tal terceira via nomes como Alessandro Vieira (Cidadania), Eduardo Leite (PSDB) e Simone Tebet (MDB) —senadora alvo de uma fala machista do chefe da CGU, Wagner Rosário, em seu depoimento na terça-feira (21) à CPI da Covid.

A declaração rendeu a ela uma enxurrada de ataques, como tem acontecido desde que votou a favor da reforma da Previdência. Desde então, virou a parlamentar que todo mundo, à direita e à esquerda, ama odiar.

A postura dúbia entre a defesa de projetos sociais, caros a uma legenda trabalhista, e a austeridade fiscal, que a aproxima do campo liberal, fez com que a jovem de 27 anos criada na periferia de São Paulo fosse tratada como uma traidora do movimento, espécie de “cavalo de Troia” armado pelos movimentos de renovação política. Tabata teve o apoio de gente como Luciano Huck e nunca negou sua proximidade com o RenovaBR, mas a esquerda enxergava em suas ideias de tom progressista uma falácia. Criam (ou diziam crer) que seu discurso levou 264 mil eleitores inadvertidos a apostarem nela em 2018, esperando no mínimo uma revolução proletária.

Parte desses eleitores tem a chance agora de rever sua escolha em 2022.

E segue o jogo. A não ser, é claro, que a deputada encontre o rapaz retuitado por José de Abreu.

A postagem era um caso flagrante de ameaça e violência política que, apesar da repercussão, não parece mover as sobrancelhas do ator. Pelo episódio, ele ganhou o apelido de “Bolsonaro da esquerda”.

Como ele, o presidente também não costuma demonstrar remorso ou arrependimento pelos ataques mais baixos, principalmente contra mulheres. Quando emparedado, corre para dizer que não disse o que disse — se disse, foi no calor do momento.

Também no calor do momento, José de Abreu já foi capaz de colocar na mesma prateleira ideológica, em um único post, a novelista Glória Perez e o assassino de sua filha, Guilherme de Pádua — para depois dizer que não era sua intenção ofendê-la. Também já se gabou de cuspir em uma mulher acompanhada do marido que o xingou em um restaurante.

Dessa vez, diante da repercussão, Abreu disse que não tinha desculpas a pedir à deputada e publicou em seu perfil um tutorial explicando que retuíte não é endosso. Ele ainda usou as redes para botar no balaio o prefeito de Recife, João Campos (PSB), namorado da parlamentar acusado por ele de ter tomado atitudes machistas durante a campanha de 2020 contra sua prima, Marília Arraes (PT).

Feita a ressalva, o guerreiro do povo brasileiro voltou a chamar a deputada de “canalha” normalmente. Não sem aplausos.

“Para mim é muito mais violenta a talzinha que se elegeu dizendo-se progressista e vota para empobrecer o povo do que os arroubos do Zé de Abreu”, escreveu um seguidor.

“A conduta da moça é canalhice, mesmo. É parlamentar criada em laboratório por empresários, se apresenta como de esquerda e vota reforma da Previdência. E agora quer dar lição de unidade entre esquerda e direita”, discursou um dirigente partidário.

Aparentemente os justiceiros não estavam satisfeitos com a suspensão de Tabata e outros parlamentares de partidos de esquerda que votaram a favor da reforma. Ciro Gomes, pré-candidato do PDT a presidente, acusou a ex-colega de estar “intoxicada ideologicamente” e a mandou procurar outro partido. Foi o que ela fez ao migrar para o PSB — enquanto o PDT oferece a José Luiz Datena um convite para ser vice de Ciro em 2022. Sim, o vice dos sonhos da turma é o mesmo apresentador policialesco que já defendeu em propaganda a reforma da Previdência e outras pautas de Bolsonaro, como o decreto que facilita o acesso a armas pela população.

Quem tentar entender o quiproquó pela chave da coerência corre o risco de ser moído pela lógica.

O problema com Tabata é outro — como pode atestar a ex-senadora Marina Silva, outro alvo recorrente da fúria do campo progressista por defender uma alternativa política aos dois candidatos favoritos em 2022.

Só que uma é a candidata que poderia exercer esse papel no passado, até ser massacrada e tirada do páreo. Outra é massacrada agora para não ser essa alternativa no futuro. Nem que seja na porrada.

O nome disso não é militância. É covardia.

Fonte: Matheus Pichonelli
Créditos: Matheus Pichonelli/UOL