Uma das regiões que já mais tem sofrido com a seca no Brasil, o chamado “semiárido radical”, onde estão os focos de desertificação no Nordeste, pode enfrentar um cenário ainda mais dramático de déficit hídrico e perdas econômicas em um futuro de mudanças climáticas.
É o que alerta um trabalho feito pela Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas, que analisou o custo-benefício de medidas de adaptação para a bacia dos Rios Piancó-Piranhas-Açu, entre o sertão da Paraíba e do Rio Grande do Norte. A região, que abriga cerca de 1,6 milhão de pessoas, já vem sofrendo com uma severa seca nos últimos cinco anos.
O trabalho, encomendado pela Agência Nacional de Águas, e coordenado pelo pesquisador Alexandre Gross, calculou como esse quadro pode evoluir nos próximos 50 anos, considerando o viés da mudança climática.
No planejamento de riscos futuros tradicional, é normal considerar somente as séries históricas do passado e projetar o mesmo comportamento para frente. Por essa conta, nos próximos 50 anos (até 2065), os pesquisadores estimaram que haveria um déficit hídrico acumulado de cerca de 1.250 m3/s.
O trabalho calculou, então, como o quadro pode mudar em três cenários de mudanças do clima: um moderado; um com eventos extremos – em que há muita seca, mas também há eventos de chuvas fortes; e um realmente árido. Esse déficit pode saltar para 14%, 84% e 133%, respectivamente.
Do ponto de vista econômico, o quadro sem mudança do clima indica uma perda de cerca de R$ 17,5 bilhões em 50 anos. O incremento com a mudança do clima pode variar de 7% (cenário moderado) a 97% (árido), atingindo cerca de R$ 35 bilhões.
“A mensagem é simples: planejar o futuro sem pensar nas mudanças climáticas pode ser o mesmo que negligenciar uma perda econômica potencial de até o dobro da que ocorreria num futuro sem essas alterações no clima. É uma visão míope, que pode deixar de ver um risco muito maior”, diz Gross. “A gente sabe qual desses cenários pode acontecer? Não. Mas temos de nos planejar para eles”, complementa.
“Sabíamos que poderia haver um déficit maior, mas a magnitude foi surpreendente. E, consequentemente as perdas econômicas. A ideia é que o comitê de bacias leve isso em consideração”, afirma Carlos Perdigão, coordenador da superintendência de planejamento de recursos hídricos da ANA.
O trabalho usou a mesma metodologia para avaliar também as perdas que já podem ter ocorrido com a seca que atinge a região nos últimos cinco anos. O cálculo apontou para um perda de pelo menos 3% do PIB da bacia, ou R$ 3 bilhões nesse período. “Isso pagaria muito das medidas para adaptar a região para o que vem pela frente. O investimento se paga só de olharmos o quanto a região já está perdendo com a seca atual”, afirma Gross.
Fonte: Estadão
Créditos: Estadão