Uma ONG fundada por Damares Alves, futura ministra dos Direitos Humanos – pasta à qual estará subordinada a Funai (Fundação Nacional do Índio)-, foi denunciada por “graves violações à imagem, honra, cultura e costumes” de uma comunidade indígena de Rondônia.
A Procuradoria da República de Rondônia argumenta que o filme “Hakani: Voz pela Vida”, que foi rodado para denunciar o assassinato de crianças indígenas nas aldeias, cometeu um equívoco ao usar imagens da tribo Karitiana, que não tem esta tradição. Duas ONGs devem pagar indenização de R$ 3 milhões. Em outra ação semelhante, o Ministério Público em Brasília cobra mais R$ 1 milhão pela divulgação da obra nas telas.
“Apesar de não ser prática adotada pelo povo Karitiana, os requeridos se utilizaram de índios desta etnia como atores de uma espécie de campanha contra o infanticídio de indígenas, sendo que os Karitiana nem sequer possuem tal prática entre seus hábitos culturais”, diz a acusação da Procuradoria em Rondônia contra as ONGs Atini – fundada por Damares Alves – e Jocum (Jovens Com uma Missão). As duas entidades são cobradas a pagar as indenizações mencionadas pelo procurador Leonardo Sampaio na denúncia.
O UOL pediu uma entrevista com a futura ministra por email e por meio do gabinete do senador Magno Malta, onde ela trabalha. A reportagem também procurou, por email, as ONGs Atini e Jocum. Esta reportagem será atualizada com esclarecimentos dos citados assim que eles forem prestados. Damares vai chefiar o Ministério de Direitos Humanos, órgão ao qual a Funai vai ser subordinada no governo de Jair Bolsonaro (PSL).
A ação foi aberta em 2015, mas não foi julgada até hoje pela 1ª Vara Federal de Porto Velho.
Segundo a Procuradoria da República, não haveria “razão” pela participação dos índios no filme. A ampla divulgação da obra cinematográfica teria se transformado em “ato ilícito violador à imagem, honra e cultura do povo indígena Karitiana, justificando sua compensação a título de dano moral coletivo”.
O povo karitiano não pratica infanticídio, afirmou o procurador da República em Rondônia Daniel Lôbo, em entrevista ao UOL. Em 2012 e 2013, 135 crianças indígenas de até seis anos de idade foram assassinadas nos municípios de Caracaraí (RR), Alto Alegre (RR) e Barcelos (AM). Foram registradas morte entre os ianomâmi.
Daniel Lôbo afirma que a Atini e a Jocum fizeram uma simulação de um infanticídio usando uma menina da aldeia, filha de um líder local, mas sem a autorização do pai da criança. Segundo ele, o filme indica os karitianos como um dos povos indígenas que cometem esse tipo de crime.
Em resposta à acusação, a defesa da Jocum destacou na Justiça que o MPF não quis discutir o infanticídio, causa maior em debate. “Mostra-se omisso e cruel”, afirmam os advogados da ONG. “Em contraposição ao entendimento do parquet [Procuradoria, autora da denúncia], a ré [Jocum] acredita que a vida de cada criança indígena tem valor. Na verdade, a ré preza pela vida de todas as crianças, diferentemente da autora, para quem a vida de uma criança indígena pode ser dizimada em nome da cultura.” A assessoria da ONG afirmou que prestaria esclarecimentos ao UOL, mas não o fez até o fechamento deste texto.
O procurador Daniel Lôbo afirma que a defesa da Jocum está equivocada. Ele afirmou ao UOL que “sem dúvida”, o MPF e a ONG militam na mesma causa, contra o infanticídio, mas que, no caso específico, não poderia permitir que um filme atribuísse esse crime a uma comunidade que não o pratica. “Sem dúvida. O MPF sempre atua em conformidade com a lei. Há previsão legal em relação ao infanticídio, naturalmente o MPF vai agir conforme a lei. Não existe nenhuma posição… O laudo pericial [produzido por antropóloga do MPF] mostra o descompasso entre o documentário e a realidade dos social”
Fonte: Uol
Créditos: Uol