Presente em protestos contra a ex-presidente Dilma Rousseff em 2016, a médica Natália Freire, de 45 anos, participou também de panelaços contra o presidente Jair Bolsonaro na quarta-feira, em sua casa em Bragança Paulista, no interior paulista.
“Vi que em São Paulo está bombando, queria estar aí”, disse a médica à BBC News Brasil poucos minutos depois do fim do panelaço — que estava marcado para às 20h30, mas começou mais cedo em diversos bairros da capital paulista.
Em São Paulo, a cirurgiã Juliana Pacheco, de 35 anos, compartilha do descontentamento da colega do interior com as decisões do presidente. Em seu prédio no bairro do Ipiranga — onde está em isolamento em casa por suspeita de coronavírus — ela disse que ouviu muita gente gritando.
“É um momento em que precisamos ter pessoas serenas na governança do país e a gente não tem. O pessoal começou a cair a ficha mesmo”, disse.
Eleitora de Bolsonaro em 2018, a cirurgiã conta que ainda se considerava uma apoiadora até alguns dias atrás — quando o presidente compareceu a uma manifestação a favor do governo e cumprimentou diversos seguidores pouco tempo depois do Ministro da Saúde ter aconselhado as pessoas a evitarem aglomerações.
“Eu fui me decepcionando com ele gradualmente desde a eleição, mas para mim a gota d’água, como profissional de saúde, foi ver ele apoiando os protestos do dia 15”, conta a BBC News Brasil.
“Muitas pessoas ainda têm receio de aderir às medidas sanitárias de urgência porque ele criou essa narrativa de que não é nada demais, de que é histeria. Porque apesar de ele negar, ele incentivou sim, quando foi lá e quando disse que o povo é valente (por ir às ruas). Ele debochou dos médicos e da saúde pública”, afirma Juliana.
A médica paulista Elisa Freitas conta que foi a favor do impeachment, fez campanha por Bolsonaro em 2018 e agora “foi obrigada a volta a bater panela”.
“Eu já não gostava da grosseria, dos discursos, mas achei que o Bolsonaro teria políticas melhores do que o PT porque tinha um bom time, como o Sérgio Moro e o Paulo Guedes”, diz Elisa.
“(A forma) como ele desrespeitou o próprio ministro (da Saúde, Luiz Henrique Mandetta) mostra que não está preocupado com a crise (do coronavírus), que sua atitude é só política.”
As duas médicas não são as únicas ex-apoiadoras a mudar de opinião diante da resposta do presidente à crise. Diversas figuras públicas da base de apoio ao presidente, como a deputada Janaína Paschoal, criticaram sua postura, e uma análise do departamento de Análise de Políticas Públicas da FGV mostra que a base de apoio a Bolsonaro perdeu espaço nas redes nos últimos dias.
Segundo o monitoramento da FGV de 12,5 milhões de postagens no Twitter, o eixo de apoio a Bolsonaro, que antes dos protestos reunia 12% das interações, caiu para 6,5% de participação até quarta (18).
‘Obrigação de dar o exemplo’
“Como médica (quando eu vi o presidente na multidão), meu sentimento foi de ultraje a angústia, a repulsa”, diz Juliana Pacheco, que desde sexta (13) ela está com sintomas leves da doença e diz que ao menos oito colegas, também médicos, estão na mesma situação.
“Como chefe de Estado, Bolsonaro tem a responsabilidade de dar o exemplo. As pessoas são influenciadas pelo discurso dele. (Isso) vai aumentar a demanda na saúde, (a contaminação) podia ser pra menos pessoas, menos grave”, afirma.
Juliana diz que seus sintomas são leves e que sua grande preocupação é com os colegas que vão estar na linha de frente do atendimento.
“Minha maior preocupação é em relação aos meus colegas médicos, enfermeiros, profissionais de saúde”, diz Juliana. “Li um artigo (da Ordem dos Médicos de Portugal) que diz que 20% das pessoas infectadas são profissionais de saúde. Esses profissionais vão estar expostos à doença em ambiente com pessoas com uma alta carga viral, altamente infectado, sob estresse e privação de sono, que diminui a imunidade.”
Sua colega de profissão de Bragança, Natália Freire, afirma que a resposta do presidente à crise agrava a situação.
“A postura dele frente à pandemia, só posso dizer que é um absurdo. Me parece que ele não tem consciência mesmo do nível de influência que ele tem sobre as pessoas. Parece que nem imagina o quanto sua opinião ou seu comportamento influencia a nação e o mundo. Se ele sabe e continua fazendo, é digno de uma avaliação psiquiátrica mesmo”, afirma Natália Freire.
“A atitude dele estimulou um bando de gente a não levar a sério os riscos. Assim que ele decidiu descer para cumprimentar, endossou esse estímulo”, diz ela.
Elisa Freitas diz que ficou descontente logo nos primeiros meses de governo e já havia parado de defender o governo há bastante tempo, mas que agora está ativamente protestando contra. “Essa atitude irresponsável diante de uma crise séria de saúde pública é o fim, o fim.”
Contra Dilma e contra Bolsonaro
Natália Freire conta que nunca foi apoiadora de Bolsonaro, mas, assim como Juliana e Elisa, está no grupo de pessoas que estiveram nos protestos contra Dilma e agora engrossam o coro contra Bolsonaro.
Natália diz que foi às ruas em 2016 contra Dilma e Lula por achar que o ex-presidente petista é “um dos piores bandidos que tem no Brasil”.
“Ele mente muito, ele manipula muito e, naquela época, e antes, para colocar a Dilma, ele incentivou muito o ódio entre as classes sociais, entre sudeste e nordeste”, diz ela, que afirma reprovar Bolsonaro da mesma forma.
“Eu não gosto de nenhum dos dois”, afirma ela.
Natália, no entanto, diz que dessa vez não quer um impeachment. “Participei do panelaço como protesto, não como pedido de impeachment. Mourão como presidente não dá não”, afirma.
Já Elisa diz ter batido panela principalmente por desejar um impeachment. “Fora Bolsonaro não é força de expressão! Antes era contra porque não seria bom para a economia, mas diante dessa crise (de saúde), a economia já vai sofrer. Melhor termos um presidente sério.”
Juliana também apoia um impeachment, mas explica que é crítica da postura do presidente individualmente, e considera que parte da administração está fazendo um bom trabalho.
“Eu tenho apreço pelo Ministro da Saúde, que está fazendo um trabalho exemplar. No pronunciamento de hoje ele tentou moralizar o presidente, mas quando ele recebia o microfone parecia uma pessoa totalmente irracional”, diz.
“Quando você tem algo como uma pandemia, dessa proporção, uma ameaça real, um chefe de Estado não pode relativizar a importância, ter espaço no discurso para ficar atacando. (Bolsonaro) está totalmente fora do compasso do que está acontecendo”, diz ela.
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Fonte: BBC
Créditos: BBC