Política

"Maior risco é vulgarizar impeachment", diz ministro de julgamento de Collor

Presidente do STF em 1992 contou que não esperava ver outro processo contra um presidente e que teme banalização do mecanismo, pedido 'muitas vezes por gente que quer aparecer'

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Presidente do STF em 1992 contou que não esperava ver outro processo contra um presidente e que teme banalização do mecanismo, pedido ‘muitas vezes por gente que quer aparecer’

Sydney Sanches era o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) durante o processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor (1990-1992) ─ por isso, lhe coube a missão de presidir seu julgamento pelo Senado Federal.

Em entrevista à BBC Brasil, ele contou que não esperava ver outro processo de impeachment no país. Mas, apenas 23 anos depois da cassação de Collor, a presidente Dilma Rousseff está sob a mesma ameaça.

Na sua visão, o maior risco de um novo processo é tornar ainda mais comum tal procedimento, que deveria ser algo raro.

“Eu acho que o perigo maior é esse: vulgarizar o impeachment. O impeachment não é uma coisa que deva ocorrer a cada mandato, a cada pleito”.

“Eu esperava que não houvesse mais (impeachment, após o de Collor), porque não é bom para o país. Mesmo que se faça justiça, a economia para. A imprensa não fala de outra coisa”, observa.

Apesar desses receios, Sanches diz que, em tese, a pedalada fiscal pode ser motivo para um processo de impeachment. Baseado nas informações que lê pela imprensa, o ministro aposentado entende que a presidente teria desrespeitado a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e que teria usado as pedaladas para ocultar isso.

“Pedaladas” foi o nome dado à prática do Tesouro Nacional de atrasar propositalmente o repasse de recursos a bancos (públicos e privados) e autarquias para pagar benefícios sociais e previdenciários, além de empréstimos subsidiados a empresas. O objetivo era melhorar artificialmente as contas públicas. Esse foi um dos motivos que levou o Tribunal de Contas da União (TCU) a emitir parecer recomendando que o Congresso rejeite as contas do governo de 2014.

Mas o trâmite de um processo contra Dilma ainda está apenas começando, e Sanches vê chance de que ela tenha destino diferente de Collor e seja absolvida.

“Ela ainda tem apoio na Câmara e no Senado. No caso Collor, a pressão popular foi muito grande. O povo estava unido nisso, em todas as classes praticamente. Nessa hora você vê como a pressão pública repercute no Congresso”, destaca.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

BBC Brasil: O senhor acha que a abertura do trâmite de impeachment contra Dilma tem fundamento jurídico?

Sydney Sanches: É bem diferente do que aconteceu no caso Collor, quando havia imputação clara, específica (de crime de responsabilidade).

Agora, não sei se é só a pedalada que está sendo alegada no caso da Dilma, ou se mais alguma coisa. Sobre pedalada, nem o Tribunal de Contas da União tinha jurisprudência (decisões anteriores) firmada a respeito e menos ainda o Congresso, que é que julga as contas (após o parecer do TCU).

Do ponto de vista jurídico, não político, a pedalada me parece ato de improbidade administrativa, que é uma manobra para ocultar o que está acontecendo e deixar de cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal. Deixar de cumprir lei já é considerado crime de responsabilidade.

Agora, essa interpretação que eu mencionei em relação à pedalada, eu reconheço que é rigorosa, não é? Porque já houve precedentes, segundo se vê pela imprensa, em outros governos (de atrasos de repasses para bancos). Mudou a jurisprudência só agora? Fica parecendo perseguição, né? Então, quanto a isso, tudo é novidade.

BBC Brasil: Então, o senhor considera que “pedalada” pode ser caracterizada como crime de responsabilidade?

Sanches: Acho que sim porque (a pedalada) está ocultando alguma coisa para (a presidente) obter alguma vantagem. Qual vantagem? De não parecer que o governo estava indo mal, que estava descumprindo a Lei de Responsabilidade Fiscal, ocultado o descumprimento de alguma obrigação. E para demonstrar, na campanha (das eleições de 2014), que o governo dela foi muito bem.

Eu vejo sob esse aspecto, se é que ocorreu isso, porque a gente sabe tudo pela imprensa. Agora, também não garanto no âmbito jurídico que esse seja o entendimento do Supremo Tribunal Federal. No direito, cada cabeça é uma sentença.

BBC Brasil: Qual o papel que o senhor vê para o STF nesse processo contra a Dilma?

Sanches: No caso Collor, o Supremo entendeu que não podia julgar o mérito do processo de impeachment, ou seja, se ele devia ser condenado ou não.

Mas admitiu mandado de segurança, impetrado pelo presidente da República (Collor), sob alegação de que não teria amplo direito à defesa (nesse caso, o STF determinou que fosse garantido o prazo de dez sessões para defesa de Collor na Comissão Especial da Câmara, em vez de cinco como estava lhe sendo oferecido).

Ele impetrou também vários outros mandados de segurança que foram negados.

BBC Brasil: Então parece improvável ao senhor que o STF se manifeste para esclarecer se considera ou não a pedalada um motivo para impeachment?

Sanches: Tenho dúvidas se o STF do meu tempo ia enfrentar isso, mas o Supremo atual eu não sei. A composição mudou muito né? E eu acho que é uma questão muito difícil.

BBC Brasil: O julgamento do impeachment é mais político do que jurídico?

Sanches: A melhor indicação disso é a seguinte: no Senado, o Collor foi condenado. No processo criminal, ele foi absolvido por 5 a 3 no Supremo. Mas o pessoal parece que não entende bem a diferença entre uma coisa e outra.

Entre os fatos imputados ao presidente (Collor), além da alegável violação da Constituição, tinha também a falta de decoro no exercício do mandato. Então, ele recebendo dinheiro de origem inexplicada, ainda que não se sabendo para que fim, é pelo menos falta de decoro no exercício do mandato.

Mas para configurar corrupção passiva, que era a imputação feita no Supremo, era preciso demonstrar que ele, em troca do dinheiro, estava disposto a praticar um ato x ou y (o que não ficou provado, na avaliação da maioria dos ministros).

BBC Brasil: O caso da Dilma é mais complexo que o do Collor?

Sanches: Não dá para fazer paralelo. Os casos são muito diferentes.

BBC Brasil: Mas parece que a Dilma tem mais chance de se salvar do que o Collor tinha?

Sanches: Olha, eu vou avaliar pelo aspecto político. Ela ainda tem apoio na Câmara e no Senado. Não digo que seja um apoio integral, mas tem um apoio. No caso Collor, a pressão popular foi muito grande. E o povo saiu à rua de braço dado, unido nisso, em todas as classes praticamente. A gritaria foi grande, e o Congresso é muito sensível a isso. Nessa hora você vê como a pressão pública repercute no Congresso.

BBC Brasil: O impeachment, no caso da Dilma, pode ser caracterizado como um golpe?

Sanches: Tentativa de golpe não é porque a Constituição prevê o processo de impeachment. Pode ser que seja movido por interesses menos adequados, pode ser até que seja um abuso isso, mas o fato é que isso é permitido pela Constituição.

O que se pode dizer é que (a acusação) é improcedente e ela ser absolvida. É uma hipótese que pode ocorrer, pois são necessários dois terços (dos votos) dos deputados para haver autorização do processo de impeachment na Câmara e dois terços do Senado para haver condenação. Não é fácil, né?

BBC Brasil: O senhor vê algum risco de um impeachment da presidente trazer instabilidade? Por exemplo, tornar mais frequente o impeachment?

Sanches: Eu acho que o perigo maior é esse: vulgarizar o impeachment. O impeachment não é uma coisa que deva ocorrer a cada mandato, a cada pleito. Houve tentativa de impeachment no caso do (José) Sarney (1985-1990), no caso do Fernando Henrique (1995-2002), e foi obstado pelo próprio Congresso.

BBC Brasil: Qual seria o risco de vulgarizar o impeachment?

Sanches: Toda eleição você toma posse já no dia seguinte tem um pedido de impeachment, e muitas vezes é de gente que quer aparecer.

BBC Brasil: O senhor esperava ver tão rapidamente outro impeachment no país?

Sanches: Eu esperava que não houvesse mais porque não é bom para o país. Mesmo que se faça justiça, a economia para. A imprensa não fala de outra coisa.

BBC Brasil: O senhor chegou a ser convidado no início do ano para escrever um parecer sobre a situação da Dilma. Por que o senhor não aceitou?

Sanches: E eu não quis precipitar a discussão: “ah, o presidente do Supremo que presidiu o impeachment do Collor opinou favoravelmente pela instalação do processo”. Como eu nunca tive militância política, eu não vou me prevalecer de uma condição que a circunstância da vida me propiciou para emitir um parecer. Agora que a questão já está aberta, nada me impede de omitir opinião. Não vou dar parecer, não vou cobrar honorários. Quero ficar tranquilo, entende?

BBC Brasil: Agora voltou a discussão sobre adoção do parlamentarismo no país. O senhor tem alguma opinião sobre isso?

Sanches: Eu tinha opinião contrária. Mas estou cada vez mais tendendo a mudar de opinião. Acho que seria uma ótima solução nessas circunstâncias. Por exemplo, se a Dilma fosse primeira-ministra e não presidente da República, o voto de desconfiança seria suficiente, não precisaria haver processo algum.

É uma grande vantagem, é muito rápido. Na Itália, em que é comum isso, tudo se resolve em uma semana. No caso do Collor, durou quatro meses. Em quatro meses ninguém faz nada.

BBC Brasil: O senhor vê algum problema no processo ter sido iniciado por Eduardo Cunha, que teria agido por vingança contra o PT?

Sanches: Pode ser alegado isso no Supremo, mas acho que dificilmente (o STF barra o pedido por causa disso). Acho que o que pesa é a influência negativa que isso exerce sobre o pedido de impeachment. Quem está encaminhando é alguém que está envolvido num processo judicial no Supremo e com processo interno na Comissão de Ética, então a autoridade do presidente da Câmara não é a mesma do Ibsen Pinheiro no tempo do Collor.

BBC Brasil: Vê espaço para o STF afastar Cunha da presidência da Câmara caso a Procuradoria-Geral da República solicite?

Sanches: Eu não sei se o Judiciário teria (como). Tem que pensar um pouco. É uma coisa tão inusitada, um membro do Ministério Público pedir afastamento de um chefe de poder.

IG