Uma das vozes mais representativas do PSOL, Luciana Genro acredita que o PT perdeu a capacidade de liderar a esquerda brasileira, principalmente após a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em segunda instância. Após disputar a presidência em 2014, Luciana será candidata a deputada estadual no Rio Grande do Sul neste ano.
No fim do ano passado, Luciana manifestou interesse em concorrer novamente pelo PSOL. No entanto, com a indecisão no congresso do partido, a ex-deputada abriu mão da disputa para focar em projetos regionais. Para ela, a falta de diálogo pode transformar o partido numa espécie de “puxadinho” petista.
As declarações de Luciana são com relação a Guilherme Boulos, coordenador do MTST que é favorito para ser o indicado do PSOL para disputar a presidência. “Achamos que não é possível ele cair de paraquedas e não fazer um debate com todo o partido sobre o programa… A candidatura no PSOL não pode ser um puxadinho do PT”, declarou.
Sobre Lula e o PT, Luciana afirmou que o partido deixou se envolver pela corrupção e se tornou igual aos outros. Ela destacou que a esquerda não pode mais ser liderada pelos petistas. “A resistência nas ruas está muito fraca, e o PSOL não ganhou. A gente está num cenário em que o velho morre e o novo não teve força para nascer.” Confira a íntegra da entrevista.
Portal da Band – Qual será o papel da Luciana Genro nestas Eleições?
Luciana Genro – Eu vou me candidatar a deputada estadual. Eu cheguei a me colocar à disposição do partido para concorrer à Presidência novamente, a vontade íntima era fazer isso, pois a disputa em 2014 foi muito gratificante e positiva para o PSOL. Mas no congresso de dezembro, o partido decidiu não decidir. Não podia esperar até o fim de março. Resolvi tirar minha candidatura e focar na campanha para deputada estadual.
Algum atrito com o Guilherme Boulos, que desponta como o favorito a ser indicado pelo partido?
Nenhum mal. A gente tem uma corrente dentro do PSOL, Movimento Esquerda Socialista, segunda maior força dentro do partido. Temos feito este diálogo com o Boulos, inclusive temos uma ótima relação. Ele apoiou minha candidatura em 2014. Mas nós queremos uma discussão programática. Achamos que não é possível ele cair de paraquedas no PSOL e não fazer um debate com o partido sobre o programa. É muito importante ter o MTST [Movimento dos Trabalhadores Sem Teto], movimento que ele encabeçou. A candidatura no PSOL não pode ser um puxadinho do PT. Esse debate a gente quer fazer com todos os filiados do partido com mais tempo, tanto quanto o Plínio de Arruda Sampaio Júnior, o Hamilton Assis, a Sonia Guajajara [líder indígena], todos que também têm candidaturas legítimas dentro do PSOL.
Como você acredita que será o clima da Eleição de outubro?
Acho que será uma Eleição muito pouco entusiasmante para o povo, pois existe um descrédito muito grande com os políticos. Os erros cometidos pelo PT acabaram respingando em toda a esquerda, inclusive no PSOL, que fez oposição a todos os governos, inclusive o do PT. Mas a esquerda, em geral, é vista como uma coisa só. A gente sente os efeitos desses erros do PT. Independentemente de o Lula ser candidato ou não, vai ser difícil. Vai ser uma eleição que não vai resolver nada. Ao mesmo tempo, eu acredito que o PSOL pode conseguir fazer crescer a sua bancada, num exemplo que aconteceu com o Chile. O candidato que venceu foi distante da esquerda, mas a Frente Ampla [que nasceu na revolução estudantil chilena de 2011] conseguiu 20% dos votos.
Teremos uma cláusula de barreira neste ano, não seria mais interessante a senhora se candidatar ao cargo de deputada federal, para o bem da legenda?
Temos uma candidata que vai disputar para federal aqui [no Rio Grande do Sul]. Foi a vereadora mais votada de Porto Alegre [Fernanda Melchionna] e pode certamente ajudar a gente a cumprir essa cláusula de barreira. Eu ainda tenho um plano de governar Porto Alegre, de ser prefeita. E para me candidatar em 2020, ou 2024, quero estar mais próxima da cidade. Brasília é muito distante para os problemas locais.
Qual a sua opinião sobre a cláusula de barreira*?
A gente foi totalmente contra a cláusula de barreira. Os grandes partidos também podem ser legendas de aluguel. Não é o tamanho. Um dos maiores cânceres da política é o PMDB [hoje MDB], que nunca vai ser atingido por uma cláusula de barreira, pois atua dessa maneira fisiológica. Essa cláusula não purifica, só torna uma ameaça para partidos como o PSOL.
*Pela cláusula de barreira, um partido só terá direito aos recursos do fundo partidário se conseguir 1,5% dos votos válidos na Eleição de outubro, distribuídos em pelo menos 1/3 das unidades em nove federações, com mínimo de 1% em cada. Ou, se a legenda eleger nove deputados federais em nove unidades da federação.
A esquerda tem sofrido derrotas nas últimas Eleições? Como será ‘se reinventar’?
Esse é o grande desafio. Não tem fórmula pronta. Os erros do PT ao longo desses anos precisam ser avaliados pela esquerda que pretende se renovar. O PT perdeu a capacidade de liderar a esquerda brasileira. A própria situação do País é dramática. Um governo ilegítimo, sem respaldo popular, com medidas brutais contra o trabalhador. Há uma desarticulação dos sindicatos, dos movimentos sociais. A própria Dilma [Rousseff] já vinha ensaiando medidas duras, mas pela ligação do partido, não tinha como atacar brutalmente o trabalhador. Ela já falava em reforma trabalhista, da previdência, quando escolheu o Joaquim Levy [como ministro da Fazenda]. Isso levou a um enfraquecimento da própria base do PT, que perdeu a capacidade de resistência. A resistência nas ruas está muito fraca, e o PSOL não ganhou. A gente está num cenário em que o velho morre e o novo não teve força para nascer. O velho é o PT, que não vai morrer totalmente e desaparecer, vai eleger deputados, prefeitos, governadores, mas sem mais entusiasmo, sem esperança. É um processo do novo que o PSOL não vai fazer sozinho, por isso o MTST, o Boulos, ajuda numa confluência de forças para tirar lições da degeneração do PT, que se adaptou e reproduziu as mesmas práticas dos outros partidos, por isso acabou nessa lama toda, que levou o PT a perder a capacidade. Temos de buscar esse novo, reinventar de uma forma mais coerente.
O Lula continua líder?
O Lula continua sendo uma figura de liderança carismática e popular, as próprias pesquisas mostram isso. Mas tudo o que acontece é uma adaptação ao regime que estabeleceu com as empreiteiras. A maior prova de que ele colocou os pés pelas mãos são as doações que ele recebeu para o instituto através das empreiteiras. Não é preciso que tenha cometido crime explícito para perceber que estabeleceu relações promiscuas com o grande capital, e esse caminho é o maior crime que ele cometeu. Os demais, a Justiça vai avaliar. Pode ser culpado ou não, o processo penal é complexo. Agora, o processo político está claro. Ele não pode mais ser a referência de esquerda brasileira. Precisamos de novas lideranças.
A expressiva intenção de votos registrada pelo deputado Jair Bolsonaro nas pesquisas seria o reflexo da população que não acredita mais nos políticos tradicionais?
Exatamente isso. Ele é uma resposta do povo pela direita e insatisfação com a política. A insatisfação com o País como um todo, principalmente a violência, onde o Bolsonaro explora a segurança pública, ou insegurança. Ele acaba captando um eleitorado que não é um eleitorado semifascista como ele, mas é um eleitor cansado com os políticos tradicionais e não percebe que ele é mais um político travestido, só que chuta o balde. Essa postura dele de chutar o balde agrada às pessoas descontentes, desconectadas. O que falta, ao meu ver, é justamente alguém que chute o balde pela esquerda no sentido de dizer que o modelo econômico e político atual não servem mais. É preciso colocar tudo abaixo para reconstruir novas bases num amplo processo de participação popular.
Acredita que o Luciano Huck irá se candidatar?
Desde que comecei a ouvir o burburinho, não tive dúvida de que seria uma alternativa para as elites, porque ele é um cara que tem relações históricas com o PSDB, e ao mesmo tempo é uma figura popular, diferentemente das lideranças naturais do partido, que não têm nenhuma popularidade. O Aécio [Neves] que tentou em 2014, acabou se afundando na lama da corrupção. Eu observo com bastante atenção, pois acho que ele seria uma alternativa viável para essa centro-direita representada pelo PSDB.
Fonte: Paraíba.com
Créditos: Band.com