Nos discursos em plenário, a expressão “casa do povo” tem presença constante, quase que um mantra. O poder é do povo e o Congresso, para o povo. Belos discursos, mas até que já foram bem mais criativos e impactantes. Outro problema é que, além de vagos, são antiéticos, e explico. Nas eleições municipais, o recado do povo, foi um evidente não a Bolsonaro. Derrotas significativas aos candidatos por ele apoiados. Em São Paulo, no Rio de Janeiro, Fortaleza, Manaus, um movimento nacional que não foi planejado, mas foi suficiente para acender o sinal de alerta no Governo.
Pouco mais de 2 meses depois, vieram as eleições no Congresso, essa sem participação popular, e os representantes entregaram o poder de volta ao Planalto, elegeram Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, apoiados declaradamente por Jair Bolsonaro. O povo opinou através das urnas, mas no Congresso, a Casa do povo, que espelha as ideias e opiniões da população para o país, os representantes veem os eleitores pelo retrovisor.
A verdade é que o Congresso tem sido muito mais oposto ao povo. Culpa de quem? É também do eleitor, que não fiscaliza, não se atém para as discussões da Casa. Mas, principalmente dos congressistas, que não estão interessados no que pensa o povo. Haja vista, uma eleição central para definir as pautas que vão estar em jogo no país nos próximos dois anos, ser baseada em traições, distribuição de cargos e secreta. Deve ser secreto algo que acontece na nossa própria na Casa?
“Na maioria das casas, eu também não posso entrar”. Nessa, de fato, a população não pode entrar. O oportunismo é descarado, em tempos que normalizamos o absurdo. Aqueles que defenderam uma eleição aberta em 2018, com discursos moralistas, anti-corrupção, os críticos da velha política, hoje já preferem a surdina. E se a ética é aquilo que fazemos quando não há ninguém nos vigiando, como anda a ética dos deputados e senadores da nossa Casa?
Aliás, o moralismo é base central dos discursos. Mas é aquele moralismo à brasileira, para inglês ver. Se é que dá para assim chamar, pois nem os ingleses tem visto, com uma relação internacional tão desgastada, nem inglês é capaz de acreditar mais. Quanto aos parlamentares, aqueles que, no Senado, colocaram Davi Alcolumbre defendendo tais princípios, mudaram de opinião, defenderam a votação secreta.
Nas redes sociais, perfis de eleitores ensaiam uma pressão, cobrando seus deputados quanto ao impeachment, por exemplo, emitindo opinião. É curioso observar que, apesar do posicionamento dos eleitores, os deputados respondem de forma contrária, se acham no direito de ignorá-los e decidir, quase que aristocraticamente, o que é melhor. Eles parecem acreditar que o povo não pode ter opinião, a menos no período de eleições.
“Mas o Congresso não foi renovado, em 2018? As câmaras municipais não foram renovadas em 2020? Foi o que disseram as matérias”. É fato, em 2019, o Congresso voltou com a ‘maior renovação da história recente’, tanto na Câmara, quanto no Senado. No entanto, e a renovação de ideias? Essa parece ter ficado na sombra das árvores que envolvem os Ministérios em Brasília. Renovam-se os nomes, mas não os sobrenomes. E persistimos na Aristocracia do Congresso, que parece contar com cadeiras hereditárias.
Em menos de duas semanas à frente da Câmara, Arthur Lira escanteou a oposição, o primeiro ato foi cancelar a chapa de Baleia Rossi e escolher a dedo os componentes da Mesa. Depois, se isentou de opinar contra a indicação da deputada bolsonarista, Bia Kicis, para a principal Comissão da Casa, a de Constituição e Justiça. Deputada envolvida no inquérito dos atos anti-democráticos. E nas secretarias, a de Comunicação deve ficar sob o comando de Carla Zambelli, investigada no inquérito das fake news. Parecem até manchetes do Sensacionalista.
Tantas confusões em duas semanas, imaginem em dois anos. E Lira não parou por aí. Ordenou o afastamento do jornalistas, os colocando longe do plenário, reduzindo o espaço e blindando os deputados que veem a imprensa como inimiga. “Tá vendo aquele edifício, moço? Ajudei a levantar”, Arthur Lira ignorou até mesmo a arquitetura de Oscar Niemeyer, que projetou a sala de imprensa para aproximar os jornalistas dos deputados, sendo um meio de intermediar o que acontece na Casa à população.
Arthur Lira se comporta como o presidente do sindicato dos deputados e ignora que ele deve representar e prestar contas ao povo. Diferente de Rodrigo Pacheco, que tem tido postura mais independente à frente do Senado, a relação de vassalagem de Lira com Bolsonaro não faz questão de ser escondida.
Ao povo, dois anos difíceis, com crise econômica, desemprego em alta e pandemia. Os brasileiros vão precisar se desdobrar mais uma vez, sabendo que, com os congressistas não podem contar. No entanto, já disse Ulysses Guimarães: “a sociedade sempre acaba vencendo, mesmo ante a inércia ou antagonismo do Estado”. Precisam ser dois anos de reflexão, qual renovação queremos em 2022? Que não sejam apenas a de nomes, mas de sobrenomes e, sobretudo, ideias. Atenção ao voto em deputados e senadores, muitas vezes eles são mais importantes que o próprio presidente.
Fonte: Samuel de Brito
Créditos: Polêmica Paraíba