A Pnad trimestral não contabiliza amarelos e indígenas de forma separada, mas apenas em conjunto com as pessoas sem declaração de cor de pele. Por isso, a proporção apresentada de 1,1% pode ser ligeiramente menor na realidade.
“[Essa disparidade é] mais um exemplo de como a sociedade brasileira é estruturada pelo racismo. A baixa representatividade de políticos negros e indígenas é um dos muitos exemplos que corroboram a profunda desigualdade racial que rege o Brasil”, diz Ynaê Lopes dos Santos, professora do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Segundo ela, a representatividade é um elemento fundamental para o país conseguir lutar contra o racismo e ela deve alcançar todos os lugares sociais, como a mídia e a política.
“[A representatividade] é um caminho importante não só para ajudar a evidenciar o racismo, mas também para fazer com que pessoas com trajetórias, vidas e perspectivas distintas estejam fazendo a ‘grande política’, podendo assim desenvolver outros tipo de políticas públicas que tentem pensar em sujeitos sociais historicamente discriminados e marginalizados”, diz Ynaê dos Santos, professora da FGV.
Partidos e pautas identitárias
Em relação ao leve aumento de candidatos negros nas eleições de 2018, Santos afirma que é importante estar atento a essas mudanças, mas há ainda muito a ser feito na política brasileira.
A professora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Rachel Meneguello também reconhece mudanças no cenário político nos últimos anos, mas faz ressalvas.
“As eleições legislativas a partir de 2006 mostram que houve certa ‘popularização’ do Congresso, ampliando o acesso aos cargos representativos a setores sociais não exclusivos de segmentos mais tradicionais da sociedade. Mas isso não significa automaticamente levar pautas identitarias para o Congresso”, diz Rachel Meneguello, professora da Unicamp.
Por isso, segundo a professora, o fato de um partido ter candidatos negros não significa automaticamente que tem uma agenda mais identitária. “Há exemplos de parlamentares negros que são contrários à política de cotas, e essa é uma ponderação que vale para as outras consideradas minorias, como as mulheres e suas pautas especificas”, afirma.
De todo modo, Meneguello diz que as diferenças entre as candidaturas e a realidade brasileira refletem a incapacidade do sistema representativo de traduzir as características da população. Segundo ela, a relação entre as agendas dos políticos e suas identidades raciais está sendo aperfeiçoada. “Os movimentos e mobilizações sociais têm criado pautas incorporadas na política”, diz.
A professora destaca, porém, que o ponto principal e inicial da mudança na representação política está na organização interna dos partidos.
“São os partidos que precisam reconhecer e incorporar candidaturas associadas às pautas de raça e gênero, distribuir recursos eleitorais para esses candidatos, viabilizar suas eleições. Em geral, os partidos de esquerda mostram uma preocupação maior com essa incorporação, mas mesmo assim deixam a desejar em sua organização e funcionamento”, diz Meneguello.
O PCdoB, por exemplo, é o partido com mais negros (55,7% dos candidatos pardos ou pretos). Apesar disso, o percentual ainda não atinge o da população brasileira, de 55,9%.
Além do PCdoB, apenas um outro partido, o PSTU, tem menos brancos que o país. Mas nenhuma sigla tem mais negros que a proporção nacional.
“Os partidos [de esquerda] têm um caminho a percorrer. [Mas eles] se demonstram mais simpáticos à discussão sobre o racismo e mais atuantes na promoção de políticas antirracistas do que partidos de direita que, grosso modo, ainda fazem uso dos termos elaborados pelo mito da democracia racial”, diz Ynaê dos Santos.
Das 35 siglas, 5 não têm candidatos amarelos (PMB, Solidariedade, PCB, PSD e PCO), e 4 não têm indígenas (PCO, PMN, PROS e Novo). O Novo, inclusive, é o partido com mais candidatos brancos (84,5% do total). Veja abaixo o percentual de todas as 35 siglas do país.
Já entre as disputas, a corrida presidencial é a mais desigual em relação à divisão racial da sociedade brasileira. Isso porque, dos 26 candidatos a presidente e vice-presidente, 19 se declaram brancos, ou 73% do total. Há três pretos e dois pardos.
A única disputa por cargo que tem menos da metade dos candidatos brancos é a para deputado distrital, disputa por vagas para a Câmara Legislativa do Distrito Federal. Dos 954 candidatos, 394 constam como brancos, ou 41,3% do total. Já os pretos e pardos são 58,1%.
“A política brasileira está ainda estabelecida sobre bases tradicionais de representação demográfica, assim como socioeconômica, e isso explica em boa medida porque 19 dos 26 candidatos a presidente e vice presidente declaram-se brancos e porque há apenas 6 mulheres dentre esses mesmos 26 candidatos”, diz Meneguello.
Nas eleições de 2014, dos 513 deputados federais eleitos, 411 eram brancos, ou 80,1% do total. Outros 21 eram pretos (4,1%), e 81, pardos (15,8%). A proporção foi parecida com a encontrada nas eleições para senadores: das 27 vagas preenchidas em 2014, 22 foram para candidatos brancos, ou 81,5% do total.
Por conta disso, Santos acredita que a eleição de um presidente negro ainda esteja longe. “O Brasil ainda é, infelizmente, permeado pelo mito da democracia racial que, dentre outros males, considera uma perda de tempo falar em racismo, pois, em tese, todos os cidadãos são iguais. Esse é o argumento utilizado por muitos candidatos à Presidência no quadro atual, que se recusam a fazer uma discussão aberta sobre o racismo no Brasil e as desigualdades que ele gera”, afirma.