
A Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado brasileiro por omissão na investigação do assassinato do trabalhador rural Manoel Luis da Silva, morto a tiros por funcionários de uma fazenda, em maio de 1997, na Paraíba.
Para a Corte, o país é responsável pela demora no esclarecimento dos fatos, falta de punição aos responsáveis e por violar o direito da família à verdade.
A Corte é a instituição judicial regional autônoma encarregada de aplicar e interpretar a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), da qual o Brasil é signatário.
“Em sua sentença, a Corte Interamericana de Direitos Humanos declarou a responsabilidade internacional do Estado brasileiro pela falta de devida diligência e pela violação da garantia de prazo razoável no processo penal iniciado em decorrência do homicídio do trabalhador rural Manoel Luis da Silva”, notificou a presidente da Corte IDH, a juíza Nancy Hernández López, ao anunciar a decisão na tarde desta terça-feira (18).
A sentença reafirma a conclusão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que, ao submeter o caso à Corte, em novembro de 2021, disse que o Estado brasileiro “descumpriu o dever de investigar, com a devida diligência, o assassinato da vítima”.
Para os seis juízes que julgaram o caso,
“o homicídio do senhor da Silva ocorreu em um contexto de violência contra trabalhadores rurais e defensores dos direitos dos camponeses ao acesso à terra, sobre o qual esta Corte já se pronunciou”.
“Nesse sentido, no presente caso, ficou estabelecida a responsabilidade internacional do Estado pela falta de devida diligência por parte das autoridades estatais em relação às falhas e omissões durante o trâmite do processo penal, à violação da garantia do prazo razoável e à violação do direito à verdade.”
Em virtude da sentença, a Corte determinou que o Brasil implemente várias medidas de reparação, entre elas:
- realização de um ato público no qual reconheça sua responsabilidade pela violação aos direitos da família de Silva à verdade e à integridade pessoal da vítima,
- compilar e dar publicidade a informações relativas à violência contra trabalhadores rurais na Paraíba,
- pagar uma indenização à viúva e aos dois filhos de Silva, que também terão, se necessário, acompanhamento médico, psicológico e psiquiátrico
A Corte acompanhará o cumprimento da sentença e, ao fim do primeiro ano da promulgação da decisão, o Estado brasileiro deverá apresentar um balanço das ações implementadas.
Entenda o caso
Silva foi assassinado em 19 de maio de 1997, em São Miguel de Taipu, localizado a cerca de 50 quilômetros da capital do estado, João Pessoa. Ele tinha 40 anos, integrava o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e participava da ocupação da Fazenda Amarelo, de propriedade de Alcides Vieira de Azevedo. Ao morrer, deixou a esposa, Edileusa Adelino de Lima, grávida de 2 meses, e um filho de 4 anos.
Segundo testemunhas, pouco antes do crime, Silva e alguns companheiros afastaram-se da ocupação para fazer compras em uma mercearia próxima. Na volta, foram abordados por funcionários de uma propriedade vizinha, a Engenho Itaipu, já então submetida a um processo de desapropriação para fins de reforma agrária.
Conforme o resultado da investigação policial e a posterior denúncia do Ministério Público da Paraíba (MP-PB), os trabalhadores que abordaram o grupo estavam armados com espingardas de grosso calibre e agrediram os sem-terra antes de disparar o tiro que atingiu Silva.
O MP-PB denunciou duas pessoas pela morte de Silva: o agricultor José Caetano da Silva e o vaqueiro Severino Lima da Silva, de 53 anos. Os dois só foram julgados em 2009, 12 anos após o crime. E mesmo reconhecendo que Caetano e Lima participaram do assassinato do trabalhador rural sem terra, os jurados absolveram os acusados.
Em fevereiro de 2024, o governo federal reconheceu que o Estado brasileiro falhou em relação à demora no andamento processual e pediu desculpas públicas aos familiares de Silva perante os juízes da Corte IDH.
Em nota, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania informou que
“em respeito aos compromissos reforçados internacionalmente, o Estado brasileiro reafirma sua plena disposição de honrar as obrigações junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos e ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Sendo este um caso de violência no campo, o MDHC tem adotado diversas medidas para promover a democratização do acesso à terra e combater a violência rural. Como resultado, muitas das reparações solicitadas pela Comissão Interamericana e pelos representantes das vítimas já estão em andamento no país”.
Fonte: Agência Brasil EBC
Créditos: Polêmica Paraíba