No dia 9 de novembro, às 8h, um grupo ligado ao movimento integralista realizou uma pequena manifestação, com apenas 15 pessoas, na esquina da avenida São João e do Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo. O ato passou quase em branco e só chamou a atenção dos raros pedestres que passavam pela região – cercada pelos tapumes das obras de reurbanização executadas pela Prefeitura – naquela tranquila manhã de sábado.
Acompanhada pelo Estado, como parte da apuração desta reportagem, a manifestação teria servido apenas para demonstrar o desvario da iniciativa e o fraco engajamento despertado pelo movimento no atual cenário político do País. Mas, ao ressuscitar velhas práticas do integralismo, que marcaram tempos sombrios da vida política nacional, acabou por ganhar um significado que transcende a frieza dos números.
Promovida pela Frente Integralista Brasileira (FIB), principal organização de defesa do integralismo hoje, com o objetivo de homenagear três representantes da velha guarda mortos recentemente e celebrar os 87 anos do chamado Manifesto de Outubro, que selou a fundação do movimento em 1932, a manifestação parecia uma viagem no tempo.
Como nas marchas da Ação Integralista Brasileira (AIB) na década de 1930, os participantes vestiam, pela primeira vez na nova fase, o tradicional uniforme do grupo, composto por camisas verdes de mangas longas, com o colarinho e os punhos abotoados, e calças pretas. Alinhados em formação militar e em posição de sentido, de frente para os dois líderes que comandavam o ato, agitavam bandeiras azuis com o símbolo do sigma, a letra grega que identifica o integralismo, e do Brasil.
Com o braço direito levantado, eles respondiam em coro ao chamado dos dirigentes da FIB, bradando o lema e a saudação do movimento, de origem tupi, que quer dizer “olá”, “salve”, “você é meu irmão”.
“Deus, pátria e família!”, disse um dos líderes em tom solene.
“Deus, pátria e família!”, replicou o grupo.
“A todos os que estão dispostos a lutar ou mesmo a dar sua vida por “Deus, pela pátria e pela família, anauê!”, reforçou o dirigente.
“Anauê!”, exclamaram os participantes em júbilo.
“Nós sempre cultivamos essas tradições. Continuamos nos saudando com ‘anauê’ em todo o lugar”, afirma o filósofo Moisés Lima, de 29 anos, secretário nacional de Doutrina da FIB. “O uniforme já foi camiseta verde e agora estamos voltando a adotar o antigo modelo, mas sem a dragona e a gravata preta. O uniforme nivela a classe social de quem participa do movimento e ninguém fica preocupado com o que vestir para ir numa reunião.” A quem enxerga no braço levantado dos militantes uma referência à saudação dos alemães ao Führer, ele diz: “O braço é erguido para o céu, na vertical e não na horizontal, como faziam os fascistas na Itália e os nazistas na Alemanha”.
Em 2020, os neointegralistas pretendem participar das eleições municipais com o lançamento de candidatos em várias cidades”
Embora seja uma organização relativamente modesta e com pouca expressão política, a FIB vem se estruturando e ganhando visibilidade, de forma lenta e gradual, ao lado de grupos integralistas independentes, turbinada pelo desencanto com a política, a democracia liberal e os partidos, observada atualmente no Brasil e em outros países. “A ascensão do conservadorismo nos últimos cinco, seis anos, propiciou um campo mais fértil para o nosso crescimento, mas não foi determinante.”, afirma Lima.
O ato de São Paulo, apesar da baixa adesão, foi um ensaio para o que deve vir por aí. Se os planos da FIB se concretizarem, o próximo passo será a realização de um evento robusto, incluindo o 5º congresso nacional do movimento, uma grande marcha e a comemoração de aniversário de 125 anos do escritor, jornalista e político Plínio Salgado (1895-1975), o grande líder do integralismo.
O local e a data do evento, que deverá contar com a presença de personalidades do País e do exterior, ainda não estão confirmados, mas o mais provável é que ele aconteça já em janeiro, em torno do dia 22, data de nascimento de Salgado, em São Bento do Sapucaí, no interior de São Paulo, sua terra Natal.
Em 2020, os neointegralistas pretendem também participar das eleições municipais com o lançamento de candidatos em várias cidades, todos para o Legislativo. A ideia é concorrer preferencialmente pelo PRTB, de Levy Fidelix, de quem a FIB se aproximou em 2018 e que adotou até o lema “Deus, pátria e família” na campanha, e pelo Patriota, cuja carta de fundação foi redigida por um integralista, o funcionário público Paulo Fernando Melo da Costa, vice-presidente da legenda no Distrito Federal.
A aposta mais ambiciosa do movimento é na volta do Prona, o partido fundado pelo médico Enéas Carneiro (1938-2007) candidato à Presidência em 1989, 1994 e 1998 e reverenciado pelos nacionalistas conservadores e pelo grupo dos neointegralistas. De acordo com o advogado e professor Victor Emanuel Vilela Barbuy, de 34 anos, presidente e um dos fundadores da FIB, Enéas chegou a discutir com líderes do movimento uma possível transformação do Prona em Partido Integralista, além da proposta de que todos os filiados da legenda fizessem um curso sobre o integralismo.
O projeto, porém, acabou não indo para a frente, segundo Barbuy, hoje filiado ao PRTB, em razão da fusão do Prona com o Partido Liberal (PL) que resultou no Partido Republicano (PR), em 2006, e da morte de Enéas no ano seguinte. A ideia, agora, é fazer uma cisão e transformar o novo Prona em legenda “oficial” dos integralistas.
“Em alguns Estados, temos preparado nossos membros em técnicas de artes marciais, mas só agimos em legítima defesa”
Inicialmente, a manifestação realizada em São Paulo estava marcada para o dia 3 de novembro, uma semana antes, mas na última hora acabou adiada, porque os detalhes do ato, de acordo com dirigentes da FIB, “vazaram” no WhatsApp e poderiam colocar em risco a segurança dos participantes. Por questão de segurança também, a maioria chegou ao local do ato com a camisa verde escondida por uma jaqueta ou um paletó. Outros vestiram a peça, que tem o sigma bordado no braço esquerdo, no carro de um dos participantes estacionado nas redondezas, que trouxe as bandeiras usadas na ocasião.
Improváveis para um ato político, o horário e o local não foram escolhidos por acaso. De acordo com os organizadores, o objetivo de marcar a manifestação logo cedo, quando há menos gente nas ruas, especialmente nos fins de semana, foi evitar que os participantes fossem hostilizados por grupos que se opõem ao movimento, como já aconteceu em outras ocasiões.
Em 2017, Barbuy foi impedido por opositores de fazer uma apresentação no 6º Simpósio de Filologia e Cultura Latino-Americana, na Faculdade de Letras da USP, e dois estudantes que queriam assistir à sua palestra foram agredidos e chegaram a registrar um Boletim de Ocorrência sobre o caso. “Fui expulso, depois atacaram companheiros nossos que estavam lá e um deles teve até o nariz quebrado”, diz. “Em alguns Estados, temos preparado nossos membros em técnicas de artes marciais, para enfrentar essas situações, mas nós só agimos em legítima defesa.”
Já o local da manifestação tem um significado histórico para o integralismo. Lá, no prédio em que funciona hoje o Bar e Restaurante Guanabara, segundo Barbuy, ficava o Clube Português, onde Plínio Salgado redigiu o Manifesto de Outubro. Aprovado em assembleia da antiga Sociedade de Estudos Políticos (SEP), o documento deu origem à AIB, o braço político do movimento, que acabou extinta por Getúlio Vargas com a decretação do Estado Novo, em 1937, como os demais partidos.
As mulheres, chamadas de “blusas verdes”, ainda são em número insuficiente, segundo os líderes da FIB, para formar grupos próprios nos núcleos
Em 1946, com a redemocratização do País e volta de Salgado do exílio em Portugal, para onde ele foi depois de ser preso, em 1939, sob acusação de conspirar contra o governo, os integralistas fundaram uma nova sigla, o Partido de Representação Popular (PRP). O novo partido participou ativamente do jogo político até 1964, quando também foi extinto pelo regime militar, apoiado por Salgado. Apesar de o movimento ter deixado de existir como partido político na época, ele ainda manteve acesa a chama do integralismo até sua morte, aos 80 anos, e chegou a se eleger duas vezes como deputado federal pela antiga Arena.
Com a morte de Plínio Salgado, o integralismo se desarticulou politicamente e ficou restrito à promoção de eventos culturais pela Casa de Plínio Salgado, criada em 1981 com o apoio de amigos e militantes para cultuar a memória de seu principal líder. Foi só com a fundação da FIB, em 2005, por um grupo de jovens adeptos do integralismo, com suporte da velha guarda, que faz o elo histórico com a nova geração, que o movimento voltou a atuar politicamente de forma organizada.
“Eu tenho o meu papel, sei que tenho”, afirma o jornalista e editor Gumercindo Rocha Dorea, de 95 anos, vice-presidente honorário da FIB e um dos últimos remanescentes da velha guarda, que vestiu a sua primeira camisa verde quando tinha apenas 8 anos, como membro da ala mirim do grupo. Integrante da segunda geração de integralistas, foi diretor do jornal A Marcha, editor da Enciclopédia do Integralismo e assistente de Plínio Salgado. “Há um ódio, baseado sobretudo na ignorância, contra o integralismo e os grandes vultos do movimento, que nunca são citados em literatura e mesmo em política.”
Hoje, a FIB tem, segundo seus lideres, “núcleos provinciais” em sete Estados (SP, RJ, MG, PR, ES, CE e PE) e no Distrito Federal, além de representantes espalhados por todo o País. O último “censo”, realizado há seis anos, apontou cerca de oito mil filiados efetivos, segundo dados da entidade.
Entre os filiados, de acordo com os dirigentes da FIB, a maioria é composta por homens das classes média e média baixa, embora o grupo tenha também representantes da elite. As mulheres, chamadas de “blusas verdes” ainda são em número insuficiente, segundo os líderes da entidade, para formar grupos próprios nos núcleos. No Facebook, a página da FIB está perto de alcançar 20 mil curtidas.
De acordo com os líderes da FIB, ela vive de colaborações de filiados e simpatizantes mais abonados e da cessão e doação de bens como veículos, computadores e imóveis. Conta também com o trabalho de voluntários no “departamento de telemarketing”, que faz a ponte entre a direção nacional, os núcleos estaduais e municipais e os representantes dispersos pelo País.
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Fonte: Estadão
Créditos: Estadão