Passados quatro meses da abertura do inquérito sobre um decreto do setor portuário, os sigilos bancário, telefônico e fiscal do presidente Michel Temer, de amigos e empresários foram preservados pelos investigadores no caso, a Procuradoria-Geral da República e a PF (Polícia Federal).
Na última sexta-feira (9), em entrevista à agência Reuters, o diretor-geral da PF, Fernando Segovia, criticou a qualidade das provas obtidas e indicou que o inquérito poderá ser arquivado.
A consulta aos autos, porém, revela que uma série de medidas não foram tomadas pela PGR e pela PF.
A investigação, que procura saber se Temer recebeu vantagem indevida das empresas da área, se concentrou até agora em aspectos formais, como depoimentos de dez investigados incluindo Temer que negam qualquer irregularidade na edição do decreto.
O inquérito foi aberto a partir da delação da JBS. Em telefonemas, o ex-assessor presidencial Rodrigo Loures conversou com membros do governo e parlamentares sobre o decreto. Ele queria incluir no texto um grupo de portos que tinham recebido concessões e arrendamentos antes de uma lei de 1993.
No decreto, de maio de 2017, o grupo acabou excluído um dos pontos usados pela defesa de Temer para pedir arquivamento do caso.
Tanto a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, quanto o delegado da PF que preside o inquérito, Cleyber Malta Lopes, não demonstraram interesse em pedir ao ministro relator no STF, Luís Roberto Barroso, acesso à movimentação bancária do presidente para ver se há ou houve alguma relação com empresas do setor portuário.
PISTAS DE LADO
Pistas também deixaram de ser perseguidas. Em junho passado, a PF apreendeu na Argeplan, empresa do coronel aposentado da PM João Baptista Lima Filho, “um projeto de reforma de imóvel com nome Maristela Temer”, filha do presidente, um recibo de pagamento em nome dela e um disco rígido com “diversas informações sobre a reforma no apartamento”.
Eventuais pagamentos da Argeplan, que tem contratos com órgãos públicos, à filha de Temer poderia indicar a dissimulação de vantagens indevidas. Nenhum dos documentos, porém, foi até o momento cruzado com o sigilo bancário de Maristela, que também não foi quebrado.
A filha do presidente não aparece como alvo da investigação nem é citada pela PF como alguém que mereça ser ouvido no futuro.
No inquérito há um relatório que sugere quebrar sigilo dos investigados, incluindo Temer, mas o papel foi produzido por um agente e um escrivão da PF, legalmente incapaz de pedir a quebra.
Pelo sistema de foro privilegiado no STF, caberia a Dodge formalizar o pedido a Barroso, o que não havia ocorrido até sexta (9).
Existe a hipótese de os sigilos terem sido quebrados em algum procedimento sigiloso, mas não há nenhuma referência nos autos públicos da investigação.
Em uma ação cautelar paralela ao inquérito, há uma análise da mídia apreendida em poder de Lima Filho —nesse material foram localizadas, por exemplo, 12 ligações telefônicas entre Temer e Lima Filho—, mas se trata do resultado de material apreendido, e não um exame das chamadas telefônicas do presidente.
A PGR informou que, sobre o inquérito dos portos, toda “manifestação ocorrerá somente nos autos”.
A Polícia Federal não havia se manifestado até a conclusão deste texto.
A INVESTIGAÇÃO SOBRE PORTOS
Inquérito sobre Michel Temer foi aberto em setembro
O CASO
> Investigadores estão apurando a negociação que precedeu a assinatura de um decreto assinado por Temer que beneficiou empresas que operam terminais portuários pelo país
> O grupo Rodrimar, que seria beneficiado com o decreto, teve um de seus diretores, Ricardo Mesquita, gravado pelo delator Ricardo Saud, da JBS, em encontro dos dois com Rodrigo Rocha Loures, ex-assessor de Temer
> A investigação apontou que Mesquita tinha sido indicado para receber mala com propina de R$ 500 mil da JBS, entregue a Loures em uma pizzaria. A suspeita é que o dinheiro chegaria a Temer via Mesquita
O LOBBY DE LOURES
Conversas telefônicas de Loures mostram o então deputado tentando ampliar o alcance do decreto dos portos, dias antes da assinatura por Temer, em maio passado
A defesa feita por Loures contrariou Gustavo do Vale Rocha, um dos principais assessores jurídicos da Presidência, para quem um decreto muito amplo poderia causar problemas a Temer
Vale Rocha
“É uma exposição muito grande para o presidente se a gente colocar isso [renovação de contratos antigos]. Já conseguiram coisas demais nesse decreto”
Loures
“Vamos dar uma oportunidade de ouvir. O importante é não ficar com o gosto ruim na boca depois”
Ao deputado governista Beto Mansur (PRB-SP), Loures disse que era preciso desfazer um “limbo jurídico”
Loures
“Agora realmente é a hora. Seria a hora de levar a tese jurídica que sustenta, não há nenhuma ilegalidade”
Mansur
“Eles estão preocupados que o Michel pode ficar com a bunda na janela”
> O decreto acabou não contemplando os contratos anteriores a 1993, conforme queria Loures
Fonte: UOL
Créditos: Rubens Valente