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INÉDITO: Mulheres lançam primeira pré-candidatura a um mandato coletivo em PE

Robeyoncé, Kátia, Carol, Joelma e Jô são candidatas a codeputadas estaduais pelo Psol

Elas têm trajetórias de vida bem diferentes, algumas nem se conheciam semanas atrás, mas nesta terça-feira (12) vão, juntas, dar um passo inédito na política pernambucana ao lançar a primeira pré-candidatura a um mandato coletivo no estado. São cinco candidatas e um único número na urna. Robeyoncé, Kátia, Carol, Joelma e Jô são candidatas a codeputadas estaduais pelo PSOL.

A falta de representação política motivou as cinco a somarem forças e decidirem trilhar lado a lado o difícil caminho eleitoral que costuma bloquear o acesso das mulheres aos espaços institucionais de poder no Brasil. Menos de 10% das cadeiras dos legislativos do país são ocupadas por elas. Na Assembleia de Pernambuco, seis deputadas dividem a tribuna com 43 deputados.

Pelo menos duas experiências de mandatos coletivos servem de referência às pernambucanas. Em Alto Paraíso de Goiás, na Chapada dos Veadeiros, a mais de 400 quilômetros de Goiania (GO), desde janeiro de 2017 cinco pessoas dividem um mandato de vereador da cidade de pouco mais de 7 mil habitantes. Uma delas, o advogado João Yuji, filiado ao PTN, apareceu formalmente na urna e foi eleito, mas a condução do mandato é coletiva.

Outra referência é a “gabinetona”, em Belo Horizonte. As vereadoras eleitas em 2016, Áurea Carolina e Cida Falabella, ambas do Psol, integraram gabinetes e equipe. Derrubando, literalmente, paredes.

A inovação em Minas começou na campanha. Em vídeo, várias candidatas pediam voto para as colegas. “Eu sou Áurea Carolina, candidata a vereadora. Mas se você não quiser votar em mim, vote na Polly”. Polly então aparecia dizendo “a Cristal também tem propostas ótimas, vote nela”. E Cristal defendia o voto em outra companheira de partido. Assim uma candidata ia reforçando a candidatura da outra. As inovações continuaram depois da eleição com a chamada pública para a ocupação de cargos na “gabinetona”.

Esse espírito de organização horizontal, mais democrática e participativa, tem movido as JUNTAS, nome escolhido para a pré-candidatura coletiva da advogada trans Robeyoncé Lima, a professora da rede estadual de ensino Kátia Cunha, a trabalhadora informal e integrante do MTST Jô Cavalcanti, a jornalista e produtora audiovisual Carol Vergolino e a presidente do Conselho Municipal da Juventude de Surubim Joelma Carla.

Há cerca de um mês elas vêm se reunindo com um grupo de apoiadoras e apoiadores ligados a alguns movimentos sociais para discutir coletivamente os rumos da campanha e da “mandata”. Na pauta política que querem trazer para o debate público estão temas ligados à educação, população LGBT, moradia, comércio informal, juventude, direito à cultura e à comunicação e nova política de drogas. O feminismo é o nó que ata cada uma dessas partes.

Alguns acordos internos já foram fechados. Entre eles, o tratamento equânime às cinco pré-candidatas nos materiais de campanha a serem produzidos a partir de agosto. Outro é a convocação de voluntários para ajudarem na organização da pré-campanha e compor os grupos de trabalho que irão elaborar a proposta política da “mandata”.

Coletividade e empoderamento LGBT

Militante LGBT, a advogada Robeyoncé Lima, 29 anos, está preparada para o que vem pela frente. “Eu sei que a política é um caminho delicado. É um caminho difícil em que eu vou sofrer bastante resistência e discriminação. Isso não me deixa tão assustada quando deixaria, por exemplo, uma pessoa que não teve toda essa resistência e essa luta durante toda a sua vida”.

Formada em direito pela UFPE, Robeyoncé, a primeira advogada trans de Pernambuco, nasceu e cresceu na comunidade do Alto Santa Terezinha, na zona norte do Recife, e é técnica administrativa concursada pela mesma universidade. Antes, trabalhou no gabinete do vereador Ivan Moraes (Psol) na Câmara do Recife. Militante da causa LGBT, advoga em defesa dos direitos da população trans e integra a Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero e a Comissão de Direito da Família da OAB Pernambuco.

“A gente, transsexual, travesti, sai de casa e não sabe se vai voltar. Já andamos preparadas para o que vier. Nossa presença incomoda porque fugimos do padrão. Precisamos estar sempre armadas e também empoderadas. E a coisa mais bonita é você ver alguém que faz parte de uma minoria, empoderada. Seja LGBT, seja uma pessoa negra, seja indígena, quilombola, seja uma pessoa com deficiência. É incrível quando a gente tem consciência do ser político que a gente é, isso é revolucionário”, defende Robeyoncé.

“Você não se empodera só, você precisa ter uma base. Você precisa ter pessoas lhe ajudando para você poder criar forças e conseguir criar resistência suficiente para se empoderar e aí você se afirma. É uma questão de colaboração, de solidariedade, de alteridade. E é essa ideia que a gente está tentando trazer com as JUNTAS para a política. Algo novo, extraordinário, que é esta proposta de coletividade”, explica a advogada.

Direito ao trabalho e à moradia

A briga com o chefe e a demissão do emprego numa lanchonete mudariam a vida de Jô Cavalcanti, 35, há seis anos. Filha de pai feirante e mãe empregada doméstica, ela tomou uma decisão: nunca mais iria trabalhar para patrão nenhum.

No último ano da gestão João da Costa (PT), pegou a indenização e montou uma tela de comércio informal na Conde da Boa Vista. Inquieta, ficou sabendo da formação de um novo sindicato dos ambulantes e participou das primeiras reuniões de organização do grupo. Hoje é diretora de mobilização do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Comércio Informal do Recife (Sintraci).

O MTST ela conheceu cerca de dois anos depois, numa reunião na casa de Severino Alves, o Biu, atual presidente estadual do Psol e também militante do direito ao trabalho. “Vimos o vídeo sobre a Nova Palestina (então a maior ocupação do MTST em São Paulo) e nossos olhos brilharam na hora. Temos que trazer a força desse movimento pra cá, pensamos”.

“Quando eu entrei no Sintraci, eu era bem verde ainda. Eu mal pegava no microfone e ficava com medo de falar. Mas, no decorrer do tempo, a militância foi crescendo até chegarmos nesse momento de disputar os espaços políticos institucionais. Porque na rua a gente tem um instrumento massa de mobilização, mas lá dentro (no Legislativo) não tem ninguém que represente o comerciante informal, que represente a questão da moradia”, critica Jô.Hoje, Jô é uma das coordenadoras nacionais do MTST, que em Pernambuco está à frente das ocupações Marielle Franco, no centro da cidade; e Carolina de Jesus, no Barro; e apoia as comunidades de Pocotó e Fazendinha, em Boa Viagem, e do Sítio dos Pescadores, no Pina.

Escolhida pelos movimentos de direito ao trabalho e direito à moradia para ser candidata a deputada, Jô ficou entusiasmada quando veio depois o convite para compor a chapa coletiva com as outras mulheres, mas precisou levar a proposta de volta para a análise dos movimentos. “Então foram mais duas ou três semanas para a gente ter essa conversa e entrar de cara, coração e alma nesse projeto. É uma coisa que nunca aconteceu aqui no estado. Nós vamos ter uma representante LGBT lá, uma mulher ambulante, uma professora, uma militante da juventude e outra da cultura. Isso vai ser uma escola para todas nós. Estamos abrindo nossos corações uma para a outra e vamos levar isso para toda a sociedade”.

É a foto de Jô que vai estar na urna no dia 7 de outubro representando todas as cinco candidatas das JUNTAS. Do ponto de vista legal, em caso de sucesso da candidatura, Jô será considerada formalmente para a Justiça Eleitoral a deputada estadual eleita. Mas as cinco mulheres vão integrar o gabinete na Assembleia e construir coletivamente as propostas da “mandata”, atuando pública e politicamente como codeputadas.

Feminismo e ocupação da política

O impeachment que derrubou a presidenta Dilma Rousseff (PT) em 2016 fez “cair as fichas” de Carol Vergolino, 39 anos. Produtora audiovisual, ela já havia trabalhado profissionalmente para campanhas eleitorais e feito pesquisa de opinião pública, há 20 anos, andando por todo o estado e “conhecendo gente”. Com o avanço conservador, decidiu investir em conteúdo audiovisual que pudesse ser uma “arma de luta”. “Na ideia de um conteúdo que pudesse transformar alguma coisa na vida das pessoas. Entendendo que o audiovisual é muito forte, leva as pessoas para um lugar de emoção e também de reflexão”, conta.

“O audiovisual ficou pouco. E aí chegou o feminismo. E quando chegou o feminismo, chegou muito forte a questão da representatividade na política. O que Dilma sofreu foi um golpe misógino. Me doía muito ver aquele machismo contra a presidenta, que a gente sentia no dia a dia, e começou a nominar mais fortemente. E aí chegou a vontade de ocupar esses espaços políticos. Entendendo que a mulher precisava, e isso vem muito com a PartidA, ocupar esses espaços”, relata Carol.

Nessa conjuntura, Carol funda com outras mulheres o Movimento Mulheres no Audiovisual de Pernambuco e passa a integrar a diretoria da Associação Brasileiras de Documentarias – seção Pernambuco. Na mesma época cria, com um pequeno grupo de militantes, a PartidA Recife, movimento nacional que se organiza na perspectiva de aumentar a participação das mulheres na política institucional. Se candidata e é eleita para integrar o Conselho Estadual de Cultura.

Depois de três anos vivendo em movimentos que se organizam horizontalmente, o desejo de disputar um cargo eletivo soava estranho quando ela pensava que entraria sozinha. “O modelo era muito esquisito, era muito solitário. E como a gente vem numa construção do movimento feminista, e da PartidA, que são movimentos coletivos e horizontais, essa política institucional parecia muito estranha. Quando nós, na PartidA, conhecemos a experiência desse novo modelo de mandato coletivo, vimos que era o caminho”.

Para Carol, o modelo carrega um simbolismo político muito forte. “Traz uma representatividade real, inclusive imagética, dos nossos corpos de mulheres ocupando aquele espaço de poder. Algo que a gente sofre muito no audiovisual, na política e em qualquer lugar. A falta de representatividade. A Alepe tem apenas 12% de mulheres deputadas. Como assim se a gente é metade da população? Se a gente é invisível, a gente não existe. Se não existe, não tá viva. Então, vamos ocupar a política para sermos vistas e para existir. A mulher branca, a mulher preta, a mulher periférica… Com nossos corpos diferentes e com a nossa força”.

Educação e resistência

Foi um encontro com o governador Paulo Câmara (PSB) numa festa em Igarassu que despertou na professora Kátia Cunha, 43 anos, o desejo de entrar para a política. Era 2015 e ela cobrou pessoalmente do governador o repasse de 13% para a equiparação do piso estadual ao piso nacional. Kátia estimulara os professores da escola Aderico Alves Vasconcelos, em Goiana, a aderir à greve e, três dias depois do encontro com o governador, ela e mais 14 colegas do estado foram exonerados do programa integral de educação, perdendo suas gratificações. Todos seriam reintegrados ao programa na negociação final para o fim da greve.

“E aí começou uma perseguição, não é? Foi quando encontrei o partido (o Psol), me instrumentalizei, e fui para a luta política”, relata Kátia.

Em 2016, ela se candidatou a vereadora de Igarassu, obteve 146 votos e não se elegeu. “Por ser um partido pequeno no município, e sem estrutura, não conseguimos chegar”. Em 2017, se candidatou novamente. Desta vez à presidência do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco (Sintepe) numa chapa de oposição à CUT e à CTB que, segundo ela, controlam o sindicato há quase 30 anos. “Nós entendemos que é preciso oxigenar o espaço sindical. Não ganhamos, mas fizemos uma campanha muito boa. Tivemos 28% dos votos, 1.318 votos ao todo”.

Kátia, que preside o diretório municipal do Psol de Igarassu, no litoral norte do estado, defende a proposta de “mandata” coletiva porque acredita que só quem é afetado diretamente pelas políticas públicas de cada setor vai se engajar de verdade na mudança das leis. “Eu entendo que além de resistir, como acontece no momento da greve, a gente precisa existir. Fazer as nossas leis pela educação de qualidade. Só quem entende é quem sente na pele. Não adianta você colocar qualquer pessoa para representar uma pauta que você sente. Foi fazendo essa reflexão que eu entendi que estava na hora de aceitar essa veia política e ir pra luta efetivamente”.

Para ela, as JUNTAS é uma proposta descentralizadora que reduz o personalismo na política. “A gente vem com uma chapa totalmente diversificada, onde tem todo tipo de corpo. Exatamente para representar todas as mulheres, as pautas feministas e outras pautas porque a gente entende que uma sociedade justa para a mulher vai ser uma sociedade justa para todo mundo”.

Juventude como ponte entre o campo e a cidade

Joelma Carla tem apenas 19 anos (faz 20 na próxima semana), mas assim como Kátia, já foi candidata a um cargo eletivo em 2016 ao concorrer ao mandato de vereadora em Surubim, no agreste setentrional de Pernambuco, quando tinha 18. Ao contrário das colegas pré-candidatas a codeputadas, a vontade de entrar para a política chegou bem cedo na vida de Joelma. “Eu vi na política e nos movimentos sociais o espaço de ser uma voz mais ativa da juventude, como mulher, como militante feminista”.

Antes de buscar os votos dos eleitores de Surubim, Joelma teve que convencer o pai João Alves e a mãe Josefa Gomes de que sabia exatamente o que estava fazendo. “No início, meus pais ficaram surpresos e assustados, mas depois eles compreenderam e apoiaram minha candidatura a vereadora do mesmo jeito que estão apoiando agora para codeputada”. Segundo Joelma, os jovens de Surubim estavam cansados de ver as mesmas “carinhas” na Câmara sem projetos de políticas públicas para a juventude. Teve menos de 50 votos, mas não perdeu o interesse em ocupar os espaços na política e, agora, é candidata a codeputada estadual pela JUNTAS.

Atualmente, Joelma preside o Conselho Municipal de Juventude de Surubim e faz trabalho voluntário na organização não-governamental PJ (Instituto de Protagonismo Juvenil). A ong trabalha com políticas públicas para jovens entre 15 e 29 anos, oferece encontros de formação e promove rodas de conversa sobre sexualidade, saúde e lazer para a juventude.

De início, Joelma ficou reticente com o convite para fazer parte do projeto de candidatura coletiva, mas se sentiu à vontade quando veio ao Recife e conheceu pessoalmente as outras pré-candidatas. “Eu vim aqui para o Recife, fizemos uma reunião com o coletivo e conheci as meninas, conheci seus espaços de luta, as bases que elas têm e aceitei construir esse coletivo juntas. O principal motivo de estar neste projeto é levar as políticas públicas de juventude para o interior, não concentrar tudo na capital. Eu acho importante a voz de uma jovem do interior fazendo essa ponte da discussão das políticas públicas entre o campo e a cidade”.

Joelma também espera estimular outras jovens a entrar para a política com o seu exemplo. Esse foi um dos motivos que a fez disputar o mandato de vereadora em 2016 e de codeputada, agora, em 2018. “Eu vi a oportunidade de me inserir no campo político como uma voz daquela juventude que só observa, mas não participa desse processo eleitoral. E eu vi a oportunidade de outros jovens me verem ali e saberem que é possível uma jovem, mulher, com 18 anos, se candidatar. Até para que eles mesmos vissem a possibilidade real de também entrarem para a política e também se candidatarem”.

A pré-candidatura das codeputadas vai ser lançada na noite desta terça-feira (12) no auditório do MTC, na Rua Gervásio Pires, 404, no Bairro da Boa Vista, a partir das 18h.

Fonte: Jornal GGN
Créditos: Jornal GGN